ASSALTO EM TANCOS
Diretor da PJM escutado na Operação Húbris aponta para interesse do general Rovisco Duarte em que os inspetores militares chegassem às armas de Tancos antes da PJ.
A maior parte do material de guerra furtado de Tancos já tinha sido recuperado quando a mensagem chegou a Vasco Brazão, inspetor da Polícia Judiciária Militar (PJM) responsável pela investigação interna. Numa conversa com o major Brazão, Luís Augusto Vieira, diretor daquela polícia e que está em prisão preventiva, disse que o Chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, não desejava que a Polícia Judiciária (PJ) civil encontrasse primeiro o material de guerra alegadamente furtado.
Ao que o Observador apurou, este diálogo entre o diretor da PJM e o inspetor que dirigia a investigação daquela polícia ao furto de Tancos consta do processo da Operação Húbris, que levou à detenção de oito pessoas, entre elas o diretor da PJ Militar e outros inspetores desta polícia, três militares da GNR e um civil. Vasco Brazão, ausente em missão na República Centro Africana, vai ser detido na próxima terça-feira quando aterrar em Lisboa, passando a ser o nono arguido do processo. Nas horas seguintes deverá ser presente ao juiz de instrução João Bártolo para ser sujeito a primeiro interrogatório e para que lhe sejam aplicadas as medidas de coação.
Ao Observador, fonte oficial do Exército refere que o ramo “não teve qualquer envolvimento ou participação no processo que levou à recuperação do material de guerra” furtado de Tancos em junho do ano passado. A porta-voz sublinha, ainda, que o Exérito “desconhece” os contornos da investigação e que as chefias estão focadas em dar a colaboração necessária para o “esclarecimento integral da verdade dos factos e ao apuramento de responsabilidades”.
É numa conversa entre Vieira e Brazão que o diretor da PJ Militar afirma que, para Rovisco Duarte, o pior do furto a Tancos seria a PJ chegar ao material de guerra antes dos inspetores militares. A mensagem teria inicialmente sido transmitida pelo vice-Chefe de Estado Maior do Exército (CEME), Campos Serafino, ao diretor da PJM — sendo que essa conversa não consta do processo. Depois, Vieira relatou-a ao major Vasco Brazão — e esta última conversa foi ouvida pela PJ no âmbito de escutas telefónicas autorizadas por um juiz de instrução criminal no âmbito da Operação Húbris. Segundo Luís Augusto Vieira, o número dois do Exército ter-lhe-á contado que, para Rovisco Duarte, pior que o caso dos Comandos (que levou à morte de dois recrutas em setembro de 2016) e do furto aos paióis de Tancos seria a PJ ficar com os louros da descoberta das caixas com o material de guerra.
No momento em que essa conversa é relatada pelo diretor da PJ Militar ao responsável pela investigação, o vice-CEME já tinha estado na República Centro Africana para visitar os militares portugueses integrados na missão de treino da União Europeia no país. Na deslocação, o número dois do Exército — um dos mais fortes generais na linha de sucessão de Rovisco Duarte — aproveitou para trocar algumas palavras sobre o tema com Vasco Brazão.
Ao Observador, a porta-voz do ramo refere que “o comando do Exército não teve qualquer envolvimento ou participação no processo que levou à recuperação do material de guerra furtado dos Paióis Nacionais de Tancos, o qual desconhece, até ao momento em que esse material foi recuperado próximo da Chamusca”. A major Elisabete Silva diz ainda que “o Exército aguarda o desenvolvimento das investigações e do inquérito em curso, continuando a colaborar com as autoridades competentes, sempre que lhe for solicitado, com vista ao esclarecimento integral da verdade dos factos e ao apuramento de responsabilidades”.
Entre os elementos da PJM havia a noção de que o assunto ia aquecer. No relato a Brazão, Vieira diz ter recordado ao vice-CEME que os louros pela descoberta dos caixotes de Tancos seria da sua instituição e que, depois disso, todos teriam de ter nervos de aço para aguentar os acontecimentos seguintes.
Diretor da PJ Militar acusado de permitir “imunidade” a autores do furto
No âmbito da Operação Húbris, o diretor da PJ Militar está indiciado por não só “permitir” como “incentivar” os seus inspetores a dificultar o trabalho da PJ civil. Luís Augusto Vieira terá dado orientações para a sua equipa “não cooperar” com quem quem titulava a investigação, “nem fornecer qualquer informação útil”.
O responsável máximo da PJM também terá chegado a “acordo” com quem tinha na sua posse o material de Tancos, permitindo-lhes devolver as caixas “sem que as suas identidades fossem reveladas” e ficando “imunes a qualquer responsabilização criminal”.
Além disso, Vieira também terá criado uma “história de cobertura” para a entrega das armas — a chamada anónima para o piquete da PJ Militar, a 18 de outubro de 2017 — e terá forjado um “documento que atesta a ocorrência de factos não verdadeiros alusivos ao ato”, juntando-lhe “comunicações com superiores” por parte de inspetores da PJ Militar.
Esta sexta-feira, o juiz de instrução criminal decretou a prisão preventiva ao diretor da Polícia Judiciária Militar e ao único civil detido a operação da última terça-feira. Os restantes arguidos ficaram impedidos de exercer as funções na PJ Militar e na GNR e também não podem contactar com os restantes arguidos.