Triatleta assassinado. A relação secreta que acabou em crime /premium
Quando Rosa se queixou do desaparecimento do marido, já ele estaria morto há 24 horas. Os pais não querem acreditar que a filha tenha assassinado Luís Grilo, com o homem com quem teria um caso antigo.
A mulher entrou desesperada, café adentro, pouco passava das 8h da manhã de quarta-feira, em Alverca. Duas horas antes, tinha recebido um telefonema da Polícia Judiciária com um pedido: tinha de ir buscar os filhos, de cinco e 11 anos, a casa do ex-marido, porque ele ia ser detido em breve. Horas depois, ficou a saber-se que o homem, de quem estava divorciada há dois anos, era suspeito de ter matado Luís Miguel Grilo, o triatleta encontrado morto em agosto, em co-autoria com a mulher da vítima, Rosa Grilo.
O relato é feito ao Observador pelo dono do café, que garante que o choque não podia ter sido maior: a ex-mulher do suspeito vive muito perto da empresa de informática de Luís Grilo, onde também trabalhava Rosa, como administrativa. Nunca desconfiou de qualquer relação extraconjugal, muito menos com o pai dos dois filhos.
A identidade de António Félix Joaquim foi conhecida apenas esta quinta-feira, um dia depois das detenções, revelada pelo Jornal de Notícias. Funcionário judicial, a exercer funções no Campus da Justiça de Lisboa, vive em Alverca, onde também estudou. É, aliás, dos estudos que conhece Rosa Grilo. A Polícia Judiciária já tinha falado numa “relação de grande proximidade” entre os suspeitos do homicídio, que se conheciam há vários anos. Segundo apurou o Observador, os dois conheceram-se na escola e mantiveram a amizade. Agora teriam “um caso antigo”, mas discreto. De tal forma que, em Alverca, onde ele vive e ela trabalha, ninguém desconfiava do relacionamento. Nunca foram vistos em público, juntos, nas redondezas.
Conhecido por “Tó Mané” ou “Bafo”, tem, na página pessoal do Facebook, alguns dados sobre a própria vida. Os mais relevantes serão o nascimento do filho, em 20o5, e o da da filha, em 2013, com os quais aparece em algumas fotos. O único dado que se destaca, sobretudo à luz das detenções de quarta-feira, é o comentário solitário que aparece na fotografia de capa. Na imagem, com a data de 17 de junho de 2017, António Joaquim mostra-se numa praia. A foto tem 20 likes, mas apenas um comentário: “Está frio aí? :)”, pergunta Rosa Grilo. Os dois respondem, agora, pelos crimes de homicídio qualificado e profanação de cadáver.
“Se pudesse falar com a minha filha, dava-lhe um beijo”
Na sala da casa do pais de Rosa Grilo, a televisão, antiga e pequena, dispara, mais uma vez, a notícia da detenção da filha. Américo, o pai, está sentado numa cadeira que fica de frente para a mesa de jantar e para um pequeno estendal. Tenta ignorar as palavras da pivot, que lhe vão lembrando aquilo que, mesmo que quisesse, não conseguia esquecer. Não consegue. Pára por um segundo e prossegue a conversa com o Observador, onde tenta explicar aquilo que, para si, não tem explicação. Ele e a mulher, Maria Antónia, mal dormiram, mal comeram, desde que receberam a notícia que lhes virou a vida do avesso, em apenas um dia.
“Não acredito, não acredito”, começa por dizer Américo Pina. “A Rosa foi sempre uma boa menina, para mim e para toda a gente. Não sei o que se passa…”. A incredulidade — ou negação? — é o sentimento dominante. “A Polícia pode ter razão ou não, mas para mim não tem. Até haver dados concretos, para mim ela não fez nada. Não acredito que a minha filha tivesse feito alguma coisa de mal. Mas se se provar, no final… falhou, teve algum falhanço”, diz.
Américo não poupa críticas à atuação da Polícia Judiciária. “Se fui apanhado de surpresa? Não fui apanhado! Quem prendeu a minha filha não mo disse. Quando a estavam a levar, proibiram-na de falar com os pais. Deram a volta à casa dela, ela quis falar comigo e não deixaram. Já liguei para ela uma série de vezes e nada… não me deixam falar com ela”, lamenta.
"Se conseguisse falar com ela, o que lhe dizia?", perguntamos ao pai de Rosa Grilo. A resposta sai curta. "Cumprimentava-a". "E não lhe dizia nada?", voltamos a questionar. "Dava-lhe um beijo".
A falta de contacto com a filha faz com que Américo, segundo garante ao Observador, vá deslocar-se ao tribunal onde, esta sexta-feira, Rosa Grilo e o seu cúmplice no homicídio vão ser ouvidos. Tudo para encurtar a distância a que a detenção os votou. “Se conseguisse falar com ela, o que lhe dizia?”, perguntamos. A resposta sai curta. “Cumprimentava-a”. “E não lhe dizia nada?”, voltamos a questionar. “Dava-lhe um beijo”.
E se? — continuamos no campo das hipóteses. “O que faria se a sua filha fosse dada como culpada?”. Américo não pensa um minuto na resposta. “Apoiava-a. É minha filha, vai sempre ser minha filha. Todos cometemos erros”. O pai de Rosa garante que toda a família mais próxima acredita na inocência — incluindo a irmã de Luís Miguel Grilo, que o criou na ausência dos pais, e que, antes deste desfecho, disse à imprensa colocar “as mãos no fogo” pela cunhada. Américo está, agora, à porta do quarto onde Maria Antónia, a mulher, repousa na cama. De lá de dentro, ela confirma a posição do marido. “Vamos estar sempre ao lado dela”, assegura.
E se? -- continuamos no campo das hipóteses. "O que faria se a sua filha fosse dada como culpada?". Américo não pensa um minuto na resposta. "Apoiava-a. É minha filha, vai sempre ser minha filha. Todos cometemos erros"
O pai garante que Rosa e Luís Miguel tinham uma “boa relação” e que nunca os viu discutir. Quando questionado pelo Observador sobre se acreditava que a filha tivesse um amante, a resposta é negativa. “Não sei nada disso”, atira. Diz não conhecer António Félix Joaquim, mas recorda um episódio. “Veio cá um homem, uma ou duas vezes, acompanhado de um filho e uma filha, buscar o meu neto. Morava ali atrás”, diz. “Mas não sei qual era a profissão dele, nem se era aquele homem. Nem o reconheço se o vir”. A descrição parece bater certo com a do alegado co-autor do crime — que tem, efetivamente, um filho e uma filha.
"Veio cá um homem, uma ou duas vezes, acompanhado de um filho e uma filha, buscar o meu neto. Morava ali atrás. Mas não sei qual era a profissão dele, nem se era aquele homem. Nem o reconheço se o vir".
Na mesma conversa, Américo avança ainda outro dado que pode ser relevante para o quebra-cabeças. “Uma vez, a minha filha disse-me que ela e o Luís tinham feito um seguro em que, se um deles morresse, a casa ficava paga…”. A PJ referiu, esta quinta-feira, em conferência de imprensa, que terá havido “motivações financeiras” por detrás do homicídio.
A menina “meiga e quietinha” que aprendeu a escrever antes dos outros
Maria Antónia recorda como se fosse hoje a infância de Rosa, a sua única filha — o casal teve outro, mas morreu à nascença. “Era uma menina muito meiga e quietinha, mas também muito inteligente e perspicaz”, assegura. “Aprendeu a escrever mais cedo do que os outros meninos. Fomos-lhe ensinando e, com quatro anos, já assinava o nome. Com dois, comia à mesa dos restaurantes como um adulto, de faca e garfo”, conta.
Quando era criança, assegura, Rosa gostava de brincar com as duas primas — a quem chamava de “manas”. Foi com elas que estava quando conheceu Luís Grilo, com apenas 13 anos. “Elas queriam ir passar a passagem de ano numa festa em Alverca. Pediram muito e eu acabei por aceitar”, recorda Américo. “Foi nessa festa que ela conheceu o Luís. Nunca mais se largaram”. Mas com regras rígidas. É que o pai de Rosa não a deixava chegar a casa depois da meia-noite.
O casamento aconteceu quando ela tinha 20 anos — e Aveiras de Cima foi o cenário escolhido para o enlace. Ainda hoje, as fotografias desse dia estão espalhadas por corredores e salas da casa dos pais de Rosa Grilo. Garantem que viam em Luís “um filho”. “Adorava o meu genro”, admite Américo, que recorda os jogos de futebol a que assistiram, juntos, no Estádio da Luz. São todos ferrenhos adeptos do Benfica — incluindo Rosa, que é sócia.
Quando era criança, Rosa gostava de brincar com as duas primas — a quem chamava de "manas". Foi com elas que estava quando conheceu Luís Grilo, com apenas 13 anos. "Elas queriam ir passar a passagem de ano numa festa em Alverca. Pediram muito e eu acabei por aceitar", recorda o pai, Américo. "Foi nessa festa que ela conheceu o Luís. Nunca mais se largaram"
“Foi sempre boa aluna, pelo menos até à quarta classe”, atira Américo, antes de soltar um esboço de gargalhada. Maria Antónia explica melhor: “Ela chumbou duas vezes por faltas, ali na fase da adolescência. Dizia que ia para a escola, mas, quando nós saíamos para o trabalho, ela voltava para casa. Sabe como são estas idades…”, diz, num encolher de ombros. “Um dia, fui chamada à escola e o diretor explicou-me o que se passava. Vim a chorar todo o caminho, da escola até casa”, recorda Maria Antónia.
Tal como se cansou dos estudos na adolescência, o mesmo aconteceu mais tarde, já adulta. Rosa Grilo ainda chegou a frequentar a licenciatura de Gestão e Recursos Humanos na Universidade Moderna, mas ficou pelo caminho, a dois anos de a completar. Enquanto estudava, trabalhou como secretária num escritório em Lisboa — e era sempre Luís Miguel que a trazia a casa depois das aulas, no Fiat 127 dela. Mais tarde, passou a ser executiva numa empresa de leilões, até passar a responsável administrativa da empresa de informática fundada pelo marido há 13 anos.
Os pais recordam, também, a paixão por animais, que corria nas veias da filha desde a infância. “Teve sempre cães, recordo-me perfeitamente de ela ter um que se chamava Nero. Ela adorava aquele cão”, conta Américo. A paixão era partilhada com Luís Grilo, como a própria confessou ao Observador, em entrevista por altura do alegado desaparecimento. “Temos uma catrefada de bichos. Três gatas, um gato e uma cadela. Dão-se todos bem, mas têm dias, como os humanos”.
15 de julho e o “projeto a duas mãos”
Quando Rosa Grilo espalhou os primeiros cartazes a pedir ajuda por causa do suposto desaparecimento do marido — “Onde estejas, aguenta. Não vamos desistir e vamos encontrar-te”, lia-se –, saberia bem o que lhe tinha acontecido. Na tese da Polícia Judiciária, Luís Grilo tinha sido assassinado às mãos dela e do homem com quem mantinha uma relação amorosa extraconjugal. Mas na queixa que apresentou à GNR, na noite de 16 de julho, a mulher garantia que o marido tinha saído para um treino de bicicleta e não mais tinha voltado.
Começava, aí, a encenação de um desaparecimento. Luís Grilo já estava morto, alvejado na cabeça, há mais de 24 horas. A PJ acredita que o gatilho foi apertado pouco antes das 7 da manhã do dia 15 de julho, no quarto do casal, nas Cachoeiras, Vila Franca de Xira. Foi ali, de resto, que terão sido encontrados vestígios biológicos que reforçam a convicção de que a vítima foi morta em casa. O crime estaria planeado. Até porque Rosa Grilo tinha deixado o filho do casal com os avós. “Neste momento, podemos dizer que há fortes indícios de homicídio premeditado”, disse a PJ em conferência de imprensa.
Não se conhece ainda, em detalhe, o que terá motivado Rosa Grilo e o homem detido a porem em prática esse plano, alegadamente delineado por ambos. Mas a tese de premeditação afasta, pelo menos, a hipótese de que o crime tenha acontecido na sequência de um confronto, depois de Luís Grilo ter descoberto a relação da mulher com o oficial da justiça. “Há factos que nos levam a acreditar que houve muito mais do que um simples impulso”, disse ainda a PJ na conferência de imprensa.
A PJ acredita que o gatilho foi apertado pouco antes das 7 da manhã do dia 15 de julho, no quarto do casal. O crime estava planeado. Até porque, naquele dia, Rosa Grilo deixou o filho do casal na casa dos avós.
A autópsia revelou que a morte foi provocada por um tiro no crânio. A arma do crime estava registada em nome de António Félix Joaquim e foi apreendida pelas autoridades, durante as buscas que antecederam as detenções. A PJ não consegue, ainda, determinar quem apertou o gatilho (ou, pelo menos, não o revela) — algo que poderá ser “relevante para imputação de culpas” — mas alerta: independentemente de quem deu o passo final para matar Luís Grilo, “não deixa de ser um projeto a duas mãos”. Projeto esse que tinha “motivações de natureza financeira e natureza sentimental”, adiantou a PJ sem especificar quais — algo que ainda está a ser apurado.
Também não terá sido possível, para já, determinar se o triatleta não estava na casa e foi atraído até lá, ou se estaria a dormir quando foi atacado. Mas o facto de o corpo de Luís Grilo ter sido encontrado sem roupa — um elemento que serviu de base para construção de várias teorias — pode ganhar outro sentido, se conjugado com a hora em que o crime terá acontecido. Se Luís Grilo estava a dormir, sem roupa, na altura em que aconteceu o crime, os homicidas já não o iriam vestir, “sem prejuízo de poder ter havido alguma retirada de roupa para eliminar determinadas marcas, como precaução”, explicou fonte da PJ ao Observador.
A PJ não consegue determinar quem apertou o gatilho — algo que poderia ser “relevante para imputação de culpas” — mas alerta: independentemente de quem deu o passo final para matar Luís Grilo “não deixa de ser um projeto a duas mãos”.
O corpo foi depois transportado para Álcorrego, em Avis, a 134 quilómetros das Cachoeiras e a 17 quilómetros de Benavila, localidade onde viviam familiares de Rosa Grilo. Foi deixado numa berma de uma estrada de terra batida, saída de um caminho municipal. A PJ não revela se já apurou a forma como foi transportado, se foi levado logo depois de ter sido morto ou apenas mais tarde.
Certeza será apenas a de que “o facto de o corpo ter sido encontrado nas circunstâncias em que estava destinava-se, obviamente, a dificultar a sua identificação”. Luís Grilo viria a ser encontrado mais de um mês depois, por um habitante de Álcorrego. Estava sem roupa, estendido e com um saco na cabeça, que poderá sido usado para conter os vestígios de sangue, durante o transporte. Ao lado do corpo, estava um tapete preto caído num dos arbustos, que também pode ter sido usado para envolver o cadáver.
O quebra-cabeças começa a ser resolvido pelas autoridades e as perguntas que pareciam não ter resposta começam a ter. Mas algumas ainda estão por dar. Por exemplo, a PJ continua sem saber onde está a bicicleta. Será um dos “aspetos que ainda precisam de ser apurados”, numa investigação que “vai prosseguir”. Outros só serão possíveis de obter se forem fornecidos pelos próprios detidos. Esta sexta-feira, Rosa Grilo e António Joaquim vão ser presentes a tribunal para serem interrogados por um juiz e ficarem a conhecer as medidas de coação.
“É uma situação irreal, não faz sentido nenhum”
Na Gsystem, a empresa de informática de Rosa e Luís Miguel Grilo, ninguém consegue ainda compreender todos os dados conhecidos nos últimos dois dias. “Nunca pensei que ela pudesse ter um amante”, diz ao Observador um funcionário. “A Rosa e o Luís eram um casal normal e até demasiado cúmplice para o que é habitual. Tinham uma interação perfeitamente normal”. A perplexidade estende-se à participação de Rosa Grilo na morte do marido. “Era uma pessoa ótima para nós. É uma situação irreal, não faz sentido nenhum. Quero acreditar que ela possa ser inocente, mas não sei…”, refere o mesmo funcionário, que garante que a empresa está a funcionar, pelo menos para já. “Temos trabalhado normalmente, falado com os clientes e feito as nossas tarefas, mas o dia de amanhã não sei… Depois do desaparecimento, a Rosa veio até cá dizer-nos para continuarmos com isto — sempre nos disse isso. E é isso que temos feito”.
Segundo apurou o Observador, Rosa Grilo e António Joaquim conheceram-se quando estudaram juntos, em Alverca. Tinham "um caso antigo" mas discreto.
No piso de cima da empresa de informática, no 2.º direito, Jesuína Lopes recebe o Observador de rosto fechado e ar fatigado. “Este mundo está maluco”, desabafa. “Estava a jantar, pousei o prato na bancada e disparou a notícia de que ela tinha sido presa, na televisão. Disse para mim mesma: ‘Não pode ser’. Desde então, ainda não parei de tremer”, assegura Jesuína, que define Rosa Grilo como uma mulher “simpática, alegre e trabalhadora”, perfil que nunca enquadraria num crime que qualifica de “hediondo”. “Eles estavam sempre bem, unidos. Nunca ouvimos um grito ali, mesmo antes de terem a empresa, quando moravam naquela casa”.
O assunto está nas bocas de todos, incluindo na de uma mulher que vai trocando a sua perplexidade com o dono do café onde, na quarta-feira, a ex-mulher do suspeito apareceu em desespero. Conhece Rosa desde que é gente, quando as duas partilhavam a rua e as brincadeiras. Só consegue dizer, de forma repetida: “É surreal, é surreal… não tenho palavras”. O rosto está corado, os olhos a quererem soltar as lágrimas. “A conclusão disto é que não se conhece ninguém”, diz. Depois, vira-se para o dono do espaço: “Eu não te conheço, nem tu me conheces. É a grande moral da história. Não consigo encontrar uma palavra ou um sentimento para descrever isto. Por mais voltas que dê à cabeça, não encontro nada que explique isto”.
“É macrabro, é uma coisa doentia. Chegar ao ponto de plantar o telemóvel…”, atira a mulher, ainda em negação. O dono do café continua-lhe o raciocínio. “As pessoas deslocaram-se aqui para ajudar um amigo que estava a precisar, colaram cartazes… Isto mobilizou muita gente, vieram pessoas de todo o lado, gente que o conhecia, mas muita também que nunca o tinha visto. As pessoas sentem-se enganadas…”, conclui.
O local do crime, entre o choque e a certeza
A detenção de Rosa Grilo está a ser vivida a duas velocidades nas Cachoeiras, onde residia com o marido, Luís Miguel e o filho Renato, de 12 anos. Com consternação pelos vizinhos e como a confirmação de uma certeza pelos mais afastados. Ana Raquel, 20 anos, é vizinha do lado do casal e confessa estar “em choque”. “Ninguém esperava isto, a Rosa é uma pessoa pacata, tranquila”. Algumas portas ao lado, outra vizinha, visivelmente abatida, frisa que foram todos “apanhados de surpresa”. “Não é um bom dia, peço desculpa”, dizia ao Observador, antes de fechar a persiana.
Mas no centro da freguesia, o pulsar é outro. Quem passa à porta do snack-bar Nova Imagem, subindo uma rua íngreme e empedrada, ouve o ruído que sai da televisão — e que, mais uma vez, dá conta de todos os detalhes da detenção de Rosa Grilo. Pedro Santos, o dono, está sentado de frente para o ecrã, caminha para o balcão e é de lá que garante ao Observador que os clientes sempre acreditaram que Rosa era a culpada. “Eu nunca pensei que fosse ela, sempre a defendi, porque nem achava que aquilo fosse possível. Mas as pessoas que vinham cá não. Isso acontecia devido aos comportamentos dela”, diz, para depois concretizar. “Demonstrava falta de sentimento. Tanto nas entrevistas como no funeral, ela estava sempre tranquila, nunca nervosa. Não parecia ter um comportamento normal para quem tinha perdido o marido”.
"Eu nunca pensei que fosse ela, sempre a defendi, porque nem achava que aquilo fosse possível. Mas as pessoas que vinham cá acreditavam que tinha sido ela. Demonstrava falta de sentimento. Tanto nas entrevistas como no funeral ela estava sempre tranquila, nunca nervosa. Não parecia ter um comportamento normal para quem tinha perdido o marido".
O tema, garante, é assunto de conversa diário. “Somos uma aldeia pequena, isto nunca aconteceu. Aqui, nunca se passa nada. De repente, começamos a ver carros que não conhecemos e que sabemos que não são daqui. Ou são jornalistas ou da Polícia Judiciária… isto mexe com as pessoas…”.
Uns metros abaixo, de frente para a Associação Desportiva e Recreativa Cachoeirense, dois amigos aproveitam a sombra de uma mesa que corta o calor inclemente que se faz sentir. Entre um copo de vinho, uma garrafa de água das pedras e um jornal desportivo, José Ferreira e António Batista vão trocando impressões sobre o tema do dia.
Também eles não se dizem surpreendidos pela detenção de Rosa Grilo. Não que a conhecessem — os habitantes das Cachoeiras retratam um casal discreto, que não frequentava os espaços de convívio da terra. “Sempre acreditei que tivesse sido ela. Tinha de ser uma pessoa muito próxima. Não se desaparece com uma pessoa e com uma bicicleta sem deixar rasto. Se fosse um acidente, deixava sempre qualquer coisa”, solta António. José está impressionado com os contornos da história. “É preciso ter lata, é preciso ter muita frieza para dar aquelas entrevistas, para mentir ao filho. Viver na mesma casa, comer na mesma mesa, dormir na mesma cama e premeditar uma coisa daquelas… é incrível”, diz.
António especula: “Estranho, estranho, é não se ter ouvido o tiro…”. José questiona: “Ah, mas foi um tiro?”. O amigo especula: “Então não foi? E uma arma de calibre 7.65. Só um polícia ou um oficial de justiça é que podia ter uma arma daquelas!”. “E a arma registada estava em nome do cúmplice?” — questiona José. Perante a resposta afirmativa, solta: “Então foi inteligente para caraças…”.