Banjul/Gâmbia – Em 27 de Maio de 1977, apenas 19 meses de independência, tem lugar em Angola uma, denominada pelo então regime de António Agostinho Neto de “intentona golpista”, comandada por Alves Bernardo Baptista, vulgo Nito Alves, na altura membro do Comité Central do MPLA. O alegado ”golpe” é abortado, deixando a sua trás um pesado fardo para milhares de famílias: mais de 28 mil mortos (cáculos da Fundação 27 de Maio), inclusive o chefe dos alegados golpistas, caçado e posteriormente executado. Henriques Teles Carreira(Iko), então Ministro da Defesa, terá jogado papel importante e decisivo no julgamento extra-judicial e posterior fuzilamento do cabeçilha da rebelião armada, alegadamente feito por um pelotão de fuzileiros no Grafanil, arredores de Luanda.
Fonte: Club-k.net

Para as milhares de famílias, que perderam seus entes queridos na repressão sobre os insurretos. O segredo por parte do regime em volta desta questão, continua sendo considerado Segredo altamente de Estado, ou melhor e para citar o historiador angolano Carlos Pacheco "...o silêncio tem funcionado qual uma espécie de arca fechada a sete chaves, que se exita em abrir..."(in Carlos Pacheco: MPLA- Um Nascimento Polémico, 1997.)
Uma página negra na história de Angola
1O 27 de Maio de 1977 constitui a página mais negra que a história de Angola conheceu, por a repressão macabra sobre a mesma, registar-se em período de Independência, daí a gravidade acrescida do regime do MPLA, e isso para não citar outras eliminações físicas no período das guerras de libertação nacional, igualmente não esclarecidas. Verdades sobre os reais motivos de assassínios como os de Matías Miguéis, José Miguel Francisco [irmão do conhecido cantor angolano “Calabeto”] braços direito de Viriato da Cruz, mortos por ordens alegadamente expressas de Agostinho Neto em 1965, no regresso de uma Conferência em Jakarta na Indonésia, continuam igualmente sem culpados visíveis. E quém, e porque mataram a nacionalista Deolinda Rodrigues, considerada pelo próprio MPLA como sendo heroína nacional? Retaliação de Holden Roberto pela morte de Matías Miguéis e José Miguel Francisco? Infelizmente testemunhas oculares que bem poderiam responder a centenas de perguntas e esclarecer infinitos labirintos da verdadeira história do Nacionalismo Angolano, optam pelo silêncio cúmplice. Destes, fazem ou fizeram parte: António Jacinto, Pedro Van-Dúnen Loy (morto em condições estranhas em 1997); Hugo de Meneses, falecido no seu prolongado exílio português. Estes, são sómente alguns dos nomes, daqueles que vão partindo levando consigo, relíquias do nosso historial nacionalista.

Afinal, o que esteve por detrás do cenário do 27 de Maio? Tinha necessáriamente de existir um 27 de Maio, e a repressão teria que ser tão violenta tal como ela se deu? Que relação histórica teve o 27 de Maio com outras rebeliões e Movimentos contestatórios no seio do MPLA tais como as conhecidas "Revolta do Leste" comandada por Daniel Chipenda e a "Revolta Activa" de Gentil Viana?
Não restam dúvidas de que a falta de debates e contestações internas abertas principalmente no seio do MPLA mas também na UNITA e na FNLA, exclui até certo ponto, possibilidade de se esclarecerem alguns “pendentes” da nossa rica história nos períodos pré, durante e do pois independência.
Ao longo da história da existência do MPLA, FNLA e da UNITA, todas contestações e dissidências foram repelidas com a maior violência possivel por parte das respectivas lideranças, e muito particularmente por parte dos líderes "incontestavéls", Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi. Desta forma estava excluído qualquer campo para o debate franco e aberto bem como para crítica e muito menos a auto-crítica.
Já o histórico Viriato da Cruz, cuja figura e nome foram publicamente ofuscados e posteriormente apagados pela poderosa máquina de Informação e Propaganda(D.I.P) do Comité Central do MPLA-PT, não levou da melhor com o seu antagónico, Neto. A ambos lhes eram reconhecidas qualidades como: intelectualidade, disciplina, robustés e perfil político e outras mais. Em termos comparativos entretanto, Viariato da Cruz era, segundo seus contemporâneos, o homem que detinha o poder e influência sobre as massas aderentes ao MPLA, mais metodológico e políticamente moderado.
Alves Bernardo Batpista Alves (Nito Alves)
Tal como Viriato, no MPLA também existiu um outro homem, que pese embora e em termos de idade não fazer parte da geração dos fundadores do MPLA, conseguiu a dada altura a popularidade das massas. Sim, este homem foi Nito Alves. O politólogo e historiador congolês Jean-Michel Mabeko Tali, resumiu assim a pessoa política de Nito Alves bem como sua inserção e carreira no MPLA: “ foi um combatente de uma região que pagou caro a sua aproximidade com a capital da Colónia. O seu contacto com a direcção do MPLA passou-se practicamente no fim da guerra. Ele como outros da Primeira Região, tinham claramente feito entender a sua diferença quanto a visão que tinham não só da forma como a luta foi dirigida, mas muito rápidamente, de questões como a gestão da questão racial da sociedade [bem como no seio do Movimento] e as questões sociais”.
Pertencia ao MPLA já instalado em Luanda, antes da chegada de Neto e sua etourange em Fevereiro de 1974 na capital, Luanda Nito Alves, que, aproveitando a soberba chance de organizar o MPLA em Luanda até antes de Neto fixar residência em Luanda depois de uma longa ausência mais na Europa do que nos Maquis. Em pouco tempo Nito Alves ganhou tanta popularidade chegando mesmo a conotado como sendo líder de uma tendência pró- soviética (mais tarde provada devido sua assiduidade em Moscovo).
Com a chegada em Luanda de Neto e seu círculo restrito, de onde Nito Alves era partícipe, começam as intrigas com o objectivo de o afastar do mesmo.

As divergências internas foram crescendo, ao ponto de mais uma vez chegarem a existir pelo menos três fracções no seio do Partido:
a) Os Netistas : (Neto) entre eles também o ideológico Lúcio Lara e Iko Carreira;
b) Os Nitistas : Nito Alves, José Van-Dúnen, Bakalov e outros;

c) Os Tugas: conotados com o Partido Comunista Português-P.C.P. alegadamente mais próximos á Nito Alves.
Este cenário é prácticamente parte ou sequência de uma norma que no passado longínquo marcaram as Dicidências no seio do MPLA, sempre em forma de Trindade: Façcão Neto; Facção Chipenda - também chamada de Revolta do Leste e a Revolta Activa.

Ao se aperceber que as rebeliões no seio do Movimento visavam reduzir seu protagonismo, carisma e poder, Agostinho Neto aborta a realização de uma Conferência Nacional do Movimento proposta por dirigentes contestários da liderança de Agostinho Neto, entre eles lógicamente Nito Alves. Apatir desta altura, as suspeitas de uma rebelião por parte de Nito Alves e sua forte ala básicamente militar estava preto no branco, isto é, mais do que evidente. Aliás, segundo documentos por consultados bem como conversas que tive e tenho tido com algumas testemunhas oculares, os movimentos preparativos de Nito Alves e sua equipa, nunca passaram despercebidos pela liderança do MPLA, foram sim é menosprezados ou sub-estimados. Este status quo ganha novos e sérios contornos, uma semana antes da tentativa do alegado golpe de estado, com a agudização da situação para os revoltosos. O Comité Central do MPLA reúne-se nos dias 20 e 21 de Maio, seis dias antes da intentona golpista, e decide expulsar do grêmio central do partido, os dois que viriam mais tarde a ser identificados como sendo os “cabecilhas” do Golpe de Estado, a saber: Nito Alves e Zé Van-Dúnen.
Acto contínuo, Neto autoriza a temível máquina repressora da DISA moldada ao estilo e eficácia da PIDE e com métodos repressivos comparados aos da GESTAPO de Hitler e da STASI da antiga RDA, para que se fizesse um acompanhamento milimétrica e literalmente severo e consequente da preparação de uma provável insurreição. Com os russos e cubanos a jogarem com o pau de duas pontas , pois estavam informados do Golpe e o apoiavam até certo ponto, e ao mesmo tempo em estado de alerta e prontidão para abortá-lo, em caso de solicitados pelo regime de Neto. Resultados preliminares da alegada intentona golpista: mais de 28 mil mortos, milhares de desaparecidos, mais de metade dos oficiais superiores do Exército no activo (Majores e Comandantes na sua maioria) foram abatidos da forma mais selvagem. Nito Alves, o homem mais procurado em Angola nos meses de Maio e Junho de 1977, viria a ser preso algures na actual Província do Bengo, para onde se refugiara em busca de refúgio. Entregue ás autoridades em Luanda, foi submetido á um longo e rigoroso interrogatório. José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República e ainda Presidente do MPLA, preside a comissão criada para julgamento de tão “ilustre” réu. Para legitimar a sua própria execução, Alves foi finalmente forçado a redigir uma nota, uma espécie de sentença de morte, legitimando sua cumplicidade primária nos acontecimentos do 27 de Maio de 1977.

Com o aborto da rebelião armada de 27 de Maio de 1977, fechava-se um cíclo recém iniciado como bem o descreve Jean-Michel Tali “Nito queria uma revolução pura e dura, do tipo bolchevique, o seu discurso pró soviético não deixara dúvidas sobre isso. [...] O importante na minha opinião, é entender a dinâmica sócio-política que desemboca nesta tragédia. Parece-me importante colocar a questão em termos das lutas sociais que sustentam o discurso político de Nito e sua convicção quase messiânica, de que a história tinha colocado nos seus ombros um papel fundamental neste processo revolucionário angolano”.
*Politólogo