domingo, 27 de maio de 2018

Jornalistas moçambicanos em risco com o aproximar das eleições


A organização moçambicana de defesa da liberdade de imprensa receia que figuras de autoridade continuem a ameaçar os jornalistas, sobretudo com o aproximar das eleições.
Manuel Moura / Lusa
O Misa Moçambique, organização de defesa da liberdade de imprensa, teme que haja pessoas no poder, no país, com margem de manobra para ameaçar jornalistas no próximo ciclo eleitoral, disse à Lusa o diretor executivo da organização, Ernesto Nhanale.
“Estamos num país em que ainda há pessoas com cultura autoritária” a tomar decisões “nos centros de poder político, militar e policial”, referiu, em entrevista, dois meses depois do rapto e espancamento, em Maputo, do jornalista e comentador político Ericino de Salema.
Ernesto considera que há “elementos mais que suficientes para recear” que situações de violência e repressão sobre jornalistas possam voltar a acontecer, “sobretudo quando nos avizinhamos de um período eleitoral”.
“As eleições representam um risco para o jornalismo, na medida em que os partidos políticos querem uma imagem positiva do seu trabalho, não querem contrariedades”, sublinhou. Só que “o papel do jornalismo é monitorizar e não acariciar o poder político”. Casos como o de Ericino de Salema são só os mais mediáticos. O Misa regista outros incidentes pelo país em que os jornalistas são o alvo e admite que haja mais, só que passam despercebidos.
Questionado sobre quem são essas figuras que representam uma ameaça para a liberdade de imprensa, Ernesto Nanhale responde com um perfil de pessoas dispersas, que vão agindo por sua conta. “No fundo são pessoas dispersas. Nunca ninguém se reuniu formalmente a dizer: ‘façam isto, mais aquilo’. Acreditamos que são pessoas que, gozando da sua posição individual, ao sentir um certo tipo de ameaças” ou por “estarem expostas” usam “o poder que detêm e as posições que representam para fazer essas formas de coação”.
Para o diretor executivo do Misa Moçambique, “não há uma ação concertada, institucional, para promover esse tipo de atos”. Ainda assim, o problema persiste: “são pessoas que estão dentro do poder e, sentindo-se protegidas pelo poder, agem em nome individual” para ameaçar os jornalistas “de forma física, psicológica e, agora, da forma mais vil possível: usar o poder judicial” – numa alusão a recentes processos contra o semanário “Canal de Moçambique”.
“Felizmente ainda temos tribunais que funcionam e que compreendem o papel dos jornalistas nos contextos democráticos”, acrescentou.
O jornalista e comentador político Ericino de Salema, participante no programa televisivo “Pontos de Vista” do canal privado STV, foi raptado e espancado em Maputo, a 27 de março, depois de alegadamente ter recebido mensagens que o ameaçavam por “falar demais”. Sofreu várias fraturas, entre outros ferimentos, e encontra-se em recuperação numa unidade hospitalar da África do Sul.
Diversas organizações da sociedade civil moçambicana entregaram em abril uma petição à Assembleia da República, pedindo ao órgão para pressionar as instituições de justiça a esclarecer os casos de violência contra figuras incómodas para o poder.
Em 2015, o constitucionalista moçambicano de origem francesa, Gilles Cistac, foi mortalmente baleado na capital moçambicana depois de dar um parecer, acomodando a proposta de descentralização da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), oposição. No ano seguinte o politólogo José Macuane sobreviveu após ter sido raptado e alvejado numa altura em que era comentador do programa “Pontos de Vista” – tal como Salema. Nenhum dos crimes foi até hoje esclarecido pelas autoridades.
No plano político, o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder desde a independência do país, em 1975, condenou o ataque a Salema pela voz do primeiro-ministro.
“Queremos reiterar aqui e agora a nossa inteira confiança nas autoridades policiais no seu trabalho de combate ao crime no encaminhamento dos seus autores à justiça”, afirmou Carlos Agostinho do Rosário, no parlamento, no dia seguinte ao sucedido.
O MISA Moçambique, escritório moçambicano do Instituto de Comunicação Social da África Austral, é uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivos promover e defender a liberdade de expressão e de imprensa.

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