Membro do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, Mike Haltzel trabalhou com o ex-vice-presidente Joe Biden quando este era senador. Ao DN garante que este seria um "ótimo presidente" e critica Trump.
Em Lisboa para participar na conferência Europe as a Global Actor, organizada pelo ISCTE-IUL, o académico americano Mike Haltzel falou ao DN sobre a América de Trump e a relação com o mundo.
Com o seu desejo de "fazer a América grande outra vez", Donald Trump alterou a relação dos EUA com o mundo?
Ironicamente, a política interna e externa dele, até agora, não tornou a América grande. Já somos grandes. Ele só nos tornou mais pequenos, mais fechados, mais isolados. Por exemplo, no Acordo de Paris sobre o clima estamos isolados de todos os outros países. É um homem de transações, bilateral. O mundo deles é o do imobiliário de Nova Iorque e Nova Jérsia.
Trump está sempre a dizer que é muito bom a fazer acordos...
Até agora, tem sido o contrário. Neste momento, diria que a China o ultrapassou, e de forma tremenda. Trump tirou--nos da Parceria Transpacífica, o que foi um enorme tiro no pé. O único acordo que fez foi, na verdade, emendar o acordo entre os EUA e a Coreia do Sul. Mas foram mudanças menores. Tirando isso ele não tem mais nada para mostrar.
Com as políticas isolacionistas, Trump está a deixar a porta aberta para que a China se afirme ainda mais?
Claro. A China tem o projeto de pelo menos igualar os EUA até meados do século, e Trump está a tornar isso mais fácil. Os instintos dele são mercantilistas. Por isso olha para os acordos bilaterais apenas do ponto de vista estatístico. Não faz sentido. Muito do que a China nos vende é apenas montado na China, tendo sido produzido noutro sítio. O mesmo vale para os EUA. Ele não tem noção das cadeias de abastecimento mundiais. Basicamente Trump é ingénuo e um pouco primitivo na sua forma de pensamento.
Essa forma de pensar torna-o perigoso? Por exemplo, na indecisão em torno na cimeira com Kim Jong-un...
Ironicamente, esse é um tema em que há uns meses teria tendência em dar um desconto a Trump. Para sermos honestos, as políticas dos presidentes americanos desde George H. W. Bush em relação à Coreia do Norte falharam. Mas Trump é infantil, ofensivo. Gosta de pensar que conseguiu levar Kim à mesa das negociações, mas a verdade é que os líderes norte-coreanos sempre quiseram um frente-a-frente com o presidente americano. Querem estatuto. Mas depois veio John Bolton, com os comentários ineptos sobre o modelo líbio. Imagine se Barack Obama tivesse um conselheiro para a Segurança Nacional que dissesse uma coisa daquelas!
Com Trump tudo se tornou normal?
Trump tem procurado criar um novo normal. Usa profusamente a mentira. Não é a técnica da grande mentira, é dizer cinco por dia. E lentamente vamo-nos habituando. Não podemos deixar que ele estabeleça as normas para o mundo Ocidental. Ele quer deslegitimar muita da democracia americana. Está a tentar deslegitimar tudo e substituí-lo pelos seus próprios contravalores obscenos. A verdade é que ele é o presidente dos EUA. Mas esperamos que as pessoas compreendam que há um facto que têm de recordar: há 328 milhões de americanos que, apesar de toda as clivagens, vivem num único país. E uma larga maioria abomina o que Trump está a fazer. Nos EUA, apesar de termos um dos sistemas judiciais mais elaborados do mundo, ainda há espaço para alguém que tem os advogados certos e sabe como contornar a lei.
Estamos num ano de eleições intercalares. Trabalhou com Joe Biden. Que alternativas vê do lado democrata?
Primeiro ainda temos as intercalares, em novembro. Os democratas não têm muitas hipóteses de recuperar a maioria no Senado. De dois em dois anos, um terço dos senadores vão a votos. E desta vez os democratas estão a defender três vezes e meia mais lugares do que os republicanos. Talvez recuperem a Câmara dos Representantes. Há muita gente que se opõe a Trump. E a grande questão é a participação. Quanto a 2020, muito depende do reconhecimento nacional. Mas há muitos candidatos democratas bons. Eu adoro Joe Biden. Se ele bater Trump, se for nomeado, vou trabalhar para ele. Obviamente seria um ótimo presidente. Mas seria o presidente mais velho alguma vez eleito nos EUA. Ele está bem, tem ótimo aspeto, fala bem. Não há razão para não avançar. E é mais novo do que Bernie Sanders, que seria a outra grande alternativa. Mas há pessoas mais jovens, com 50 anos, alguns até nos 40, muitos deles senadores. Só para dar um nome, e nem sei se ela estaria interessada em ser presidente, mas Amy Klobuchar, a senadora do Minnesota, é muito, muito inteligente. Percebe de assuntos de segurança. Outra pessoa muito boa mas que é muito jovem - seria uma espécie de Obama - é Chris Murphy, do Connecticut. Até há alguns mayors de quem se fala. É o caso de Eric Garcetti, o mayor de Los Angeles, que tem mais habitantes do que metade dos estados. Por isso ele tem a experiência executiva necessária. Além disso é meio mexicano e fala espanhol. Mas claro que o presidente em exercício tem vantagem. A última vez que o inquilino da Casa Branca perdeu a reeleição foi George H. W. Bush, em 1993. E nem sei se Trump chega lá como presidente. É preciso ver como corre a investigação à ligação russa da sua campanha. Trump tem agido como uma pessoa culpada.
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