terça-feira, 8 de maio de 2018

as histórias das mulheres que derrubaram Schneiderman

“Ele dizia que só queria se eu quisesse, por isso batia-me até eu aceitar”: as histórias das mulheres que derrubaram Schneiderman

DREW ANGERER / GETTY

Procurador-geral de Nova Iorque demitiu-se depois de uma reportagem da New Yorker dar voz a quatro mulheres que o acusam de agressões e violência física não consentida durante o sexo e não só, com álcool à mistura. Schneiderman é ainda suspeito de ter ameaçado matar as mulheres

“Do nada, esbofeteou-me com a mão aberta e com muita força. Foi horrível. Veio do nada. O meu ouvido estava a zumbir. Perdi o equilíbrio e caí de costas na cama. Tentei levantar-me para o afastar, mas ele empurrou-me para a cama outra vez. Depois usou o peso do corpo para segurar-me e começou a sufocar-me. O sufocamento foi muito forte. Foi muito mau. Em cada fibra eu senti-me a ser espancada por um homem.”
Este é um pedaço da história de Michelle Barish, uma das quatro mulheres que revelaram à New Yorker agressões e abusos por parte de Eric Schneirderman, o procurador-geral de Nova Iorque. Schneiderman, de 63 anos, demorou três horas a apresentar a demissão.
Segundo estas quatro mulheres, duas das quais preferiram o anonimato, Schneiderman agredia-as muitas vezes depois de se embriagar e frequentemente na cama. Chegou a obrigá-las a ingerir bebidas alcoólicas também. Na manhã seguinte cobrava por não o terem feito ficar longe do copo. Pelo meio esboçava várias ameaças, que passavam por colocar escutas no telefone ou alguém a persegui-las, mas também chegou ao ponto de ameaçar matá-las.
O democrata, eleito em 2010, estava a caminho do terceiro mandato e alguns já o imaginavam como futuro Governador de Nova Iorque. Negou tudo, embora reconheça que este cenário o impossibilita de exercer o cargo com normalidade. “Na privacidade de relacionamentos íntimos, envolvi-me em role playing e outras atividades sexuais consensuais. Nunca agredi ninguém. Nunca me envolvi em sexo não consensual, é uma linha que não passaria”, defendeu-se, em comunicado.
Duas das quatro mulheres deram a cara: trata-se de Michelle Barish, uma ativista política em águas liberais, e Tanya Selvaratnam, autora, atriz e produtora cinematográfica. Ambas reconhecem as relações amorosas com Schneiderman, que depois evoluíram para agressões não consentidas que exigiram cuidados médicos. Dizem que decidiram dar a cara para protegerem outras mulheres.
Uma terceira mulher, conta a revista norte-americana, corroborou a versão das anteriores, mantendo a toada das agressões e violência física não consentida. O quarto elemento desta história revelou que quando rejeitou uma investida de Schneiderman levou uma chapada com tanta força que “deixou marca até ao dia seguinte”.
Há aqui uma cambalhota no enredo. É que Eric Schneiderman tem sido publicamente um acérrimo defensor das mulheres, vestindo a camisola do #MeToo, um movimento que assinalava com uma bandeira vermelha os homens poderosos da política, media, entretenimento e negócios que abusavam da sua posição para assediar mulheres. O gabinete do procurador-geral, conta este artigo do “Washington Post”, colocou em marcha em fevereiro uma ação legal contra Harvey Weistein, alegando que o produtor de cinema abusou e ameaçou matar as funcionárias.
Voltemos às descrições das vítimas à New Yorker. Segundo Selvaratnam, a violência acompanhava exigências sexuais. “Ele era obcecado por ter sexo a três e disse que o meu trabalho era encontrar uma mulher”, revela. “Ele dizia que só queria se eu quisesse, por isso batia-me até eu aceitar. (...) Às vezes dizia-me para lhe chamar ‘master’ e batia-me até eu o fazer.”
Selvaratnam nasceu no Sri Lanka e tem a pele escura, o que originou outro role-play. “Ele começou a chamar-me ‘escrava morena’ e exigia que eu repetisse que eu era propriedade dele.” Esta asiática admitiu à New Yorker que agora compreende como é que mulheres independentes tropeçam em histórias assim. “Acontece rapidamente. Ele está bêbedo e tu estás nua, no estado mais vulnerável. É desorientador. Perdes um pouco de quem és.”
Schneiderman é um fervoroso opositor de Donald Trump, pelo que algumas das reações mais ruidosas tenham saído das bocas de participantes de programas da Fox News e também de pessoas ligadas ao presidente norte-americano, como Donald Trump Jr., o filho, e Kellyanne Conway, a conselheira do homem forte da Casa Branca.
Jennifer Cunningham, a ex-mulher, veio também a público defender a honra de Schneiderman: “Conheço o Eric há quase 35 anos como marido, pai e amigo. Estas alegações são completamente inconsistentes com o homem que eu conheço, que sempre foi alguém com caráter, ótimos valores e um pai amoroso. Eu acho impossível acreditar que estas acusações sejam verdadeiras”.
Tanto para Selvaratnam como para Barish, esta história complica-lhes a vida. “É uma tortura para mim fazer isto”, admite Selvaratnam. “Eu gosto da minha vida. Gostava que o meu nome não tivesse de entrar. Eu sei que será a minha palavra contra a dele, pois não tenho fotos das mazelas, e não tenho um relatório policial.” Já Michelle Barish diz que o faz pela filha. “Depois do mês mais difícil da minha vida, eu falei. Pela minha filha e por todas as mulheres. Não podia continuar em silêncio e encorajar outras a serem corajosas por mim. Não podia…”

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