quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condena Portugal por violação da liberdade de expressão.

LIBERDADE DE IMPRENSA

Outra vez

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Portugal voltou a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem num caso de liberdade de expressão. Em causa um editorial de José Manuel Fernandes, no Público, sobre Noronha do Nascimento.
No artigo de José Manuel Fernandes, este considerava que Noronha de Nascimento, que iria presidir ao Supremo Tribunal, representava "a face sombria da nossa justiça"
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH )condenou o Estado português num caso que envolvia um texto escrito por José Manuel Fernandes (atual Publisher do Observador), em 2006, quando era diretor do Público. Esse texto, A estratégia da aranha, uma crítica ao discurso de tomada de posse como presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de Noronha do Nascimento, foi considerado difamatório pelos tribunais portugueses, que condenaram o jornalista a pagar uma indemnização de 60 mil euros àquele juiz.

Texto integral da sentença do TEDH

Veja aqui o texto integral da sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Na sentença do Tribunal Europeu considera-se que os tribunais portugueses se “excederam na sua margem de apreciação” no que respeita aos limites que podem existir no debate de temas de interesse público. “Não há qualquer relação razoável de proporcionalidade entre, por um lado, a restrição à liberdade de expressão do queixoso [José Manuel Fernandes] e, por outro lado, o objetivo prosseguido” de proteção do bom nome de Noronha do Nascimento. No artigo considerava-se que esse juiz representava “a face sombria da nossa justiça”m criticando-o por se disponibilizar, como presidente do Supremo Tribunal, “para ser o rosto de uma fronda dos juízes contra as decisões reformistas do poder político, neste momento objeto de um consenso alargado entre o partido do Governo e a principal força da oposição”.
O TEDH também considerou que, ao envolver solidariamente neste processo a esposa do jornalista, os tribunais portugueses causaram não só dano à sua família, como ao estabelecerem uma “responsabilidade coletiva” relativamente ao artigo em causa, causaram “um sério efeito inibidor do exercício da liberdade de imprensa”.
Relativamente aos termos do artigo, o TEDH que “mesmo sendo críticos e duros, ficam dentro dos limites da liberdade de opinião”. Mais: os tribunais portugueses não demonstraram que José Manuel Fernandes tivesse de limitar “o seu direito à crítica e à expressão da sua opinião”, sendo que nem sequer tomaram em consideração o contexto de debate público em torno da eleição de Noronha do Nascimento para presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Em contrapartida, o acórdão considera que a decisão dos tribunais portugueses, ao atribuírem uma indemnização num valor equivalente ao valor-padrão estabelecida para as indemnizações por morte, teve um intuito “punitivo”, até porque sabia que esse artigo não tivera reflexos negativos na posterior carreira de Noronha do Nascimento, que acabaria por ser reeleito para o Supremo Tribunal para um segundo mandato.

O que é o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem?

Ao contrário do que se julga, o tribunal não tem nenhuma relação com a União Europeia. Foi criado em 1959 pelos membros fundadores do Conselho da Europa e zela pela aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Portugal subscreveu esta Convenção em 1978 e obrigou-se a aplicar desde então as decisões daquele tribunal. Qualquer cidadão que esgote os meios judiciais ao seu dispor em Portugal, pode recorrer ao tribunal para tentar reparar eventuais danos sofridos por conta da violação dos seus direitos. As condenações judiciais ou a morosidade da justiça são a principal razão dos processos intentados contra Portugal.
Numa passagem importante, considerando a jurisprudência associada, o TEDH defende que a atividade dos juízes e o “funcionamento do sistema judicial, uma instituição essencial em qualquer sociedade democrática” são temas de interesse público, situação em que “quaisquer restrições à liberdade de expressão devem ser interpretadas de forma muito estrita”. Em concreto, “é doutrina bem estabelecida por este Tribunal que os juízes, no que respeita às suas decisões enquanto tal, podem ser sujeitos a limites mais amplos à liberdade de crítica das suas ações de que os cidadãos comuns”. Acresce ainda que o presidente do Supremo nem sequer pode ser considerado ao mesmo nível dos restantes juízes, não só pelos outros cargos que exerce — presidente do Conselho Superior da Magistratura, quarta figura do Estado e membro do Conselho de Estado –, como por possuir meios eficazes de, sendo caso disso, defender o seu bom nome e reagir às críticas.

Advogado critica tribunais portugueses

Francisco Teixeira da Mota, que representou José Manuel Fernandes e o Público em todo este processo, saudou a decisão e sublinhou, em declarações ao Observador, que “a liberdade de opinião dos cidadãos, numa sociedade democrática, é tanto mais importante quanto maior for a importância social, política e económica daqueles que são visados nas suas críticas. É isso que os tribunais portugueses, por vezes, esquecem e que o TEDH veio, uma vez mais e de forma inequívoca, lembrar.”
De facto facto não é a primeira vez que Portugal é condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por decisões judiciais que constituem limitações à liberdade de imprensa. Ainda em agosto de 2016 esse mesmo tribunal obrigou o Estado português a a indemnizar revista Visão por causa de artigo sobre Santana Lopes.
Outros casos em que o TEDH condenou e corrigiu o Estado português foram, por exemplo, o que opôs o Sporting ao Público por causa de uma investigação sobre dívidas fiscais do clube, um caso entre a SIC e Pinto da Costa ou acusações de violação do segredo da justiça pelo Jornal de Viseu.
Para Francisco Teixeira da Mota, que mantém uma coluna semanal no Público onde tem defendido os direitos humanos e, em particular, os princípios da liberdade de informação, o que é importante é que “não podemos ter medo de dar as nossas opiniões e de criticar, duramente se necessário, aqueles que exercem o poder.”
PÚBLICO -

A estratégia da aranha

Noronha de Nascimento, o homem que vai presidir ao Supremo, representa a face sombria da nossa justiça
Querem um símbolo, um expoente, um sinónimo, dos males da justiça portuguesa? É fácil: basta citar o nome da Noronha de Nascimento e tudo o que de mal se pensa sobre corporativismo, conservadorismo, atavismo, manipulação, jogos de sombras e de influências, vem-nos imediatamente à cabeça.
O juiz - porque é de um juiz de que se trata - é um homem tão inteligente como maquiavélico. Anos a fio, primeiro na Associação Sindical dos Juízes, depois no Conselho Superior da Magistratura, por fim no Supremo Tribunal de Justiça, esta figura de que a maioria dos portugueses nunca ouviu falar foi tecendo uma teia de ligações, de promiscuidades, de favores e de empenhos (há um nome mais feio, mas evito-o) que lhe assegurou que ontem conseguisse espetar na sua melena algo desgrenhada a pena de pavão que lhe faltava: ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O lugar pouco vale (quem, entre os leitores, sabe dizer quem é o actual presidente daquele tribunal, formalmente a terceira figura do Estado?). Dá umas prebendas, porventura algumas mordomias, acrescenta uns galões, mas pouco poder efectivo tem.
O problema, contudo, reside neste ponto: tem, ou terá? Os senhores juízes, que aqui há uns tempos se empenharam na disputa com o Tribunal Constitucional para saber quem era hierarquicamente mais importante (ganharam os do Supremo a cadeira do protocolo, deram aos do Constitucional a consolação de terem ao seu dispor um automóvel topo de gama...), nem sequer são muito respeitados. Por sua culpa, pois sabe-se que alguns passam pela cadeira do Supremo apenas uns meses e para engordar a sua reforma. O presidente daquele agigantado colégio de reverendíssimos juízes pouco poder tem tido, só que Noronha de Nascimento apresentou-se aos eleitores - ou seja, aos seus pares, aos que ajudou a subir até ao lugar onde um dia o elegeriam - com uma espécie de programa que arrepia os cabelos do mais pacato cidadão.
O homem não fez a coisa por pouco: ao mesmo tempo que vestiu a pele do sindicalista (pediu que lhe aumentassem o salário e que dessem menos trabalhos aos juízes...), pôs a sobrecasaca de subversor do regime (ao querer sentar-se no Conselho de Estado) e acrescentou o lustroso (pela quantidade de sebo acumulado) chapéu do "resistente" às reformas no sector da justiça.
Se era aconselhável que um presidente do Supremo Tribunal desse mais atenção a Montesquieu e ao princípio da separação de poderes do que à cartilha da CGTP, Noronha de Nascimento fez exactamente o contrário. Reivindicou como um metalúrgico capaz de ser fixado para a posteridade numa pintura do "realismo socialista" e, esquecendo-se de que é juiz e representante máximo do "terceiro poder", o judicial, pediu assento à mesa do "primeiro poder", o executivo. É certo que o poder do Conselho de Estado é tão inócuo como o penacho de ser presidente do Supremo Tribunal, só que a reivindicação contém em si duas perversidades. A primeira é ser sinal de que Noronha de Nascimento se preocupa mais com o seu protagonismo público do que com os problema da justiça. A segunda, bem mais grave, é que o homem se disponibiliza para ser o rosto de uma fronda dos juízes contra as decisões reformistas do poder político, neste momento objecto de um consenso alargado entre o partido do Governo e a principal força da oposição.
É tão patético que daria para rir, não estivéssemos em Portugal e não entendêssemos como funcionam as estratégias das aranhas. O homem, creio sem receio de me enganar, é tão inteligente e habilidoso como é perigoso. Até porque tem já um adversário assumido: o novo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, um dos raros que tiveram a coragem de lhe fazer frente.



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