RECEP TAYYIP ERDOGAN
A
Turquia afastou-se rapidamente dos ideais democráticos nos quais o país
foi fundado e parece cada vez mais um regime autocrático assolado pelo
medo, a paranoia e a opressão.
Sou
uma cidadã turca que está a viver no estrangeiro desde 2008. Enquanto
expatriada, as conversas com estrangeiros à cerca do meu país são
maioritariamente positivas, incidindo nas memórias agradáveis que uns
têm quando o visitaram ou no desejo que outros têm de visitá-lo. No
entanto, a frase que mais ouço recentemente nessas interações é: “Mas
afinal o que é que lá está a acontecer?”
Esta
confusão é compreensível. A Turquia foi durante muito tempo aclamada
como país modelo da sua região, com a sua incomparável geografia que
abrange a Europa e a Ásia, traduzindo-se numa cultura que engloba o
Oriente e o Ocidente. Um país predominantemente muçulmano mas liberal
com igualdade de direitos para as mulheres onde os cidadãos e os
visitantes desfrutam de um estilo de vida idêntico ao de qualquer país
europeu. Como resultado desta combinação, a Turquia conseguiu atrair
milhões de turistas por ano, culminando com o facto de ser o sexto
destino mais popular do mundo em 2014.
E
não era apenas o turismo o ponto atrativo da Turquia. A sua economia
tem vindo a crescer ano após ano na última década depois de ter sofrido a
pior crise económica da sua história em 2001. Então, o que aconteceu
com este país promissor?
É,
naturalmente, impossível negar os efeitos da guerra travada na
fronteiriça Síria assim como a imensa crise humanitária associada. A
desestabilização da região teve um impacto profundo na Turquia não só
devido ao ataque terrorista do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da
Síria [do inglês Islamic State of Iraq and Syria]) no país mas também
devido ao fluxo migratório de três milhões de refugiados a escapar à
violência. Dito isto, esta desestabilização criou mais caos na Turquia
do que em qualquer outro país da região, tal como a Jordânia, que também
teve de lidar com efeitos idênticos e teve de receber um milhão de
refugiados. Mas porquê?
Vou
argumentar que o motivo deverá estar na dinâmica interna do país,
sobretudo com um regime caracterizado como sendo cada vez mais
autoritário. O Partido da Justiça e Desenvolvimento a governar, que está
no poder desde 2001, tem vindo a fazer repressão aos dissidentes desde
os famosos protestos de Gezi Park em 2013. Esta manifestação pacífica
para proteger um parque urbano, evoluiu rapidamente para um confronto
entre o governo e os que protestavam, sobretudo pessoas que
progressivamente sentiram a sua liberdade pessoal sob ameaça. O governo
respondeu com um aumento da força policial, detenções e prisões.
É
seguro dizer que os acontecimentos de 2013 marcaram o início da atual
dinâmica interna da Turquia, ou seja, uma nação fortemente dividida com
uma hostilidade profunda entre os cidadãos que apoiam e os que se opõem
ao partido no poder e um governo que atribui a culpa dos problemas
internos em conspirações vindas do estrangeiro.
Esta
dinâmica interna atingiu o ponto máximo no verão passado, quando uma
tentativa de golpe de estado atribuído a um clérigo islâmico a viver em
auto-exílio nos Estados Unidos, agitou o coração da nação. Embora a
nação estivesse unida na oposição ao golpe de estado, o que veio no seu
seguimento apenas aumentou a separação das facções no país. O golpe de
estado serviu apenas para justificar uma caça às bruxas que levou ao
despedimento de mais de 125,000 trabalhadores estatais suspeitos de
estarem envolvidos no golpe. Além disso, foram fechados 169 organismos
de comunicação e centenas de jornalistas foram detidos sob a falsa
acusação de terrorismo.
Como
se pode concluir com todos estes acontecimentos, a Turquia afastou-se
rapidamente dos ideais democráticos nos quais o país foi fundado e
parece cada vez mais um regime autocrático assolado pelo medo, a
paranoia e a opressão. O meu receio é que a queda da Turquia para este
buraco negro traga mais instabilidade e insegurança a uma região já
caótica e a todo o mundo em geral.
Assistant Professor at Católica Lisbon School of Business and Economics