Implementação do Modelo II do ProSAVANA
As associações de camponeses nos distritos de Ribaué, província de Nampula, estão agastadas e revoltadas desde o primeiro semestre do presente ano com a Direcção Provincial de Agricultura de Nampula e a Coordenação do Programa ProSAVANA.
Trata-se da Associação Maria da Luz Guebuza (AMLG) e Associação Agropecuária de Namuali (AAN), ambas pertencentes ao Fórum de Produtores de Nacaroane, composto por 13 associações. Estas duas associações terão sido seleccionadas para acomodar a implementação do Modelo II do Projecto Extensão e Modelos (PEM), do Programa ProSAVANA.
O ProSAVANA PEM contempla vários modelos que são um conjunto de subprojectos operacionais com objectivo de direccionar os serviços de extensão agrária voltados para inserção dos camponeses, médios e grandes produtores na cadeia produtiva do agronegócio, particularmente na cadeia de valor da soja e hortícolas. O modelo II do PEM, como subprojecto, visa alegadamente, cultivar e prestar assistência às associações de camponeses no corredor de Nacala e está sendo actualmente implementado em Ribaué na AMLG e AAN.
A ADECRU apurou que até então, os fundos do PEM provêm do Fundo da Iniciativa de Desenvolvimento do ProSAVANA (ProSAVANA Development Initiative Fund – PDIF), que inicialmente contou com um pacote de 750.000 dólares norte-americanos que vem do Fundo Contraparte (Mikaeri Shikin), que agrega fundos provenientes da assistência japonesa Alimentar (KR), enquadrada na Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA). Informações colhidas pela ADECRU revelam ainda que projectos desta natureza são normalmente desenvolvidos no âmbito da cooperação japonesa quando se está diante de iniciativas polémicas, em que as comunidades oferecem resistência como é o caso do ProSAVANA. A sua implementação tem por finalidade buscar simpatia e legitimidade do projecto junto às comunidades, para posteriormente avançar com o ProSAVANA. Ao nível do Japão, tal estratégia tem sido frequentemente usada pelo Governo Japonês no âmbito do desenvolvimento da energia nuclear, como foi o caso de Fukushima.
Em contactos com militantes da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) ao nível do Corredor de Nacala, os membros da Associação Maria da Luz Guebuza (AMLG) e Associação Agropecuária de Namuali (AAN), contam que tudo começou quando a coordenação do ProSAVANA efectua uma visita de mobilização e propaganda às duas associações nos seus campos de cultivo. Na ocasião, a equipa do ProSAVANA explicou que este programa vai melhorar a produção dos pequenos camponeses e prometeu dar a cada associação uma motobomba para facilitar a irrigação, fertilizantes, insumos e capacitação caso aceitassem trabalhar com ProSAVANA.
Os problemas iniciais surgiram com a entrega de apenas uma motobomba para ambas associações, embora estas estejam em comunidades diferentes (10km uma da outra). Igualmente, na ocasião as associações ficaram a saber que a motobomba era concedida à título de crédito, com um horizonte de dois anos (2014-2016), no qual estas teriam que pagar 60.000,00MT repartidos em igual. Outrossim, as associações receberam dois sacos de fertilizantes para produzir cebola, sem necessariamente saber os mecanismos desta parceria, o que fez com que dos 40 membros activos da AMLG, apenas 6 aceitassem a assistência do ProSAVANA.
“As pessoas dos ProSAVANA não são nada sérias, vieram com promessas falsas, quando na verdade a intenção deles era de fazer estudos em nossas machambas.
Temos visto eles a entrar de qualquer maneira em nossas machambas, andam a tirar amostras de solos e água para fazer estudos. Agora é que vemos que não nos querem ajudar, mas sim estudar as nossas terras”. Afiançou um dos presentes.
A liderança da AMLG suspeita que a equipa do ProsaVANA esteja a fazer experiências ou pesquisas secretas nos seus campos de cultivo sem o seu consentimento e sem dar a conhecer os propósitos dessas pesquisas, “eles não nos dizem nada sobre o plano deles, apenas notamos movimentos estranho aqui nas nossas machambas, as vezes vem e começam a medir água, as vezes passeiam nas nossas machambas a tirar medições, não nos falam nada o que estão fazendo”, disse um dos líderes.
“Nós aceitamos trabalhar com o ProSAVANA porque eles prometiam nos oferecer uma motobomba, algo que nós nunca tivemos antes. Prometiam nos dar novas tecnologias, preparar a nossa terra mas não fizeram. Se alguém nos dizer na presença do nosso Governo para queimar esta terra com argumento de que vamos aumentar a produtividade nós vamos queimar, eles se aproveitaram da nossa falta do conhecimento e respeito pelo Governo para nos colocar presos à eles. Agora sentimos que estamos presos e o pior é que não temos como sair, nós estamos arrependidos de ter recebido a motobomba deles e apelamos as outras associações para não aceitarem, mesmo que venham com representantes do Governo”. Disse uma das líderes dos camponeses.
Em relação ao pagamento do valor da motobomba, as duas associações estão reticentes quanto ao cumprimento do prazo visto que não foram asseguradas as demais condições para que a produção corresse normalmente, como a disponibilização de insumos agrícolas, provimento de serviços de extensão e acesso ao mercado. AAN frisa que o ProSAVANA revela-se não ser benéfico aos camponeses, que dependem da agricultura para investir na educação dos filhos e para o sustento da família.
Alega não ser o tipo de programa que os camponeses precisam para incrementar a sua produção, aumentar a renda e melhorar a qualidade de vida, promovendo a soberania alimentar. Na voz de um camponês membro da AAN, “esse programa só vai trazer desgraça para nós, vai nos arrancar a nossa terra”.
ProSAVANA é um programa de cooperação triangular entre três governos (Moçambique, Brasil e Japão) que permite ao Brasil e ao Japão aquisição de mais de 10 milhões de hectares de terra junto das autoridades moçambicanas para serem concessionadas a grandes empresas brasileiras e japonesas do agronegócio (mono-cultura de soja, milho, girassol, algodão) no norte do país, ao longo do chamado Corredor de Desenvolvimento de Nacala, com forte incidência em 19 distritos das províncias de Nampula, Niassa e Zambézia.
Este Programa é contestado pelos movimentos do campo, comunidades do Corredor de Nacala, congregações religiosas, organizações da sociedade civil, activistas e académicos que em Maio de 2013 exigiram, em Carta Aberta para Deter e Reflectir de Forma Urgente o Programa ProSAVANA dirigida aos Presidentes de Moçambique, Brasil e Primeiro-Ministro do Japão, que fossem tomadas “todas as medidas necessárias para suspensão imediata de todas as acções e projectos em curso nas savanas tropicais do
Corredor do Desenvolvimento de Nacala no âmbito da implementação do Programa ProSAVANA”.
Como resultado da resistência dos governos em instaurar mecanismos de diálogo democrático, inclusivo e transparente, os movimentos sociais e OSC, em 02 de Junho de 2014 endureceram as suas posições e resistência, lançando a Campanha
Não ao ProSAVANA. A campanha tem como objectivo construir uma agenda pública de luta para deter e paralisar todas as acções e projectos em curso no âmbito do programa ProSAVANA.
DIÁRIO DO PAÍS – 04.12.2014
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