Mestre
Daniel F. Gomes
Daniel F. Gomes
José Matos
Introdução
Ao contrário do que é, ainda hoje, veiculado pela historiografia dedicada ao assunto, de acordo com fontes militares portuguesas, cremos que o conflito armado na Guiné não se iniciou em Janeiro de 1963, mas alguns anos antes, mais propriamente em meados de Julho de 1961, com ataques efectuados na fronteira norte da colónia. Estas acções acontecem na noite de 17 para 18 de Julho, quando um pequeno grupo de elementos vindo do Senegal, do chamado Movimento de Libertação da Guiné (MLG), corta a linha telefónica entre S. Domingos e a tabanca de Beguingue e tenta, ainda, incendiar a ponte de Campada, no norte da Guiné. Três noites depois, um grupo, desta vez mais numeroso, ataca “o aquartelamento de S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas e garrafas de gasolina”. No dia 25, outro grupo armado provoca danos materiais na estância turística da praia de Ponta Varela e, ainda em Susana, “fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos, inclusive um posto sanitário”[1]. Estas acções fazem com que muitos europeus espalhados pelo interior do território fujam em direcção a Bissau[2]. Estes primeiros ataques levam o Governo em Bissau a destacar efectivos militares para as zonas atingidas, o que parece ter dissuadido novos ataques por parte do MLG[3].
Perante este cenário, Lisboa mantinha no Governo da província o Comandante Peixoto Correia, que aí estava desde finais de 1958, e que, nessa altura, acumulava as funções de Governador e de Comadante-Chefe[4]. Mas, com a saída deste militar, em finais de 1962, o Governo de Lisboa volta a separar os dois cargos, nomeando para Governador o Comandante Vasco Rodrigues e para Comadante-Chefe o Brigadeiro Louro de Sousa[5]. Esta bipolarização entre a parte política e a parte militar, resultaria, na Guiné, numa clara confrontação entre os dois detentores dos cargos, que não se entendiam quanto à sua esfera de competências[6]. Esta incompatibilidade e, ao mesmo tempo, um certo vazio estratégico, uma falta de capacidade de reacção, foram, na nossa opinião, os principais factores para o avanço militar do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde(PAIGC), em 1963, especialmente no sul do território, usando o país vizinho, a Guiné-Conakry, como base de apoio.
A Operação Tridente
É neste contexto que é organizada, nos finais de 1963, a Operação Tridente, com o objectivo militar de eliminar a guerrilha do partido de Amílcar Cabral no arquipélago do Como, no sul do território, onde se havia instalado. Formado pelas ilhas de Como, Caiar e Catunco, o arquipélago era considerado pela guerrilha como a primeira região libertada da Guiné, tendo os guerrilheiros fundado no Como, a chamada República Independente do Como, num claro desafio às autoridades portuguesas. Sendo assim, a acção militar portuguesa visava, sobretudo, desalojar a guerrilha das três ilhas, de forma a garantir de novo a soberania portuguesa[7].
Ao nível da estratégia geral do conflito, a execução desta larga acção militar é completamente desajustada do ponto de vista militar e, sobretudo, do ponto de vista político. Em termos militares, as operações de guerra convencionais não são aplicáveis à guerra subversiva e irregular, principalmente porque as forças de guerrilha não actuam como um exército convencional, facto que está comprovado em vários manuais sobre o assunto, entre eles portugueses, incluindo obras escritas antes do início do conflito armado na Guiné, como Guerra Revolucionária, de Hermes de Araújo Oliveira, publicada em 1962[8]. Além disso, a guerrilha tinha o apoio da população e o próprio terreno era favorável à guerrilha com várias áreas florestais muito cerradas, rodeadas por terrenos pantanosos com acessos fáceis de controlar pelos guerrilheiros. Desta forma, a aproximação às matas era feita de forma muito exposta, controlando a guerrilha os acessos, o que dificultava imenso a penetração da tropa portuguesa na mata[9]. Estes factores dificultavam, obviamente, uma operação convencional em larga escala, não havendo qualquer garantia de uma vitória efectiva sobre a guerrilha.
A directiva que estabelece e organiza a operação é emitida a 23 de Dezembro de 1963, pelo Comandante-Chefe da Guiné. De acordo com as informações portuguesas, a guerrilha do PAIGC tinha-se instalado, desde os inícios desse ano, nas ilhas de Caiar, Como e Catunco, região que constituía a mais importante base da guerrilha, a partir da qual dificultava a navegação para o extremo sul do território, ao mesmo tempo que se constituía como um ponto de apoio fundamental para os reabastecimentos, até porque era uma região importante na produção de arroz e na criação de gado. As chefias militares portuguesas julgavam que o PAIGC tinha nas ilhas alguns dos seus principais chefes, assim como depósitos de material militar, abrigos à prova de ataques aéreos e uma grande quantidade de armas automáticas, suposições que se revelaram durante a operação erradas[10].
Louro de Sousa procurava, declaradamente, efectuar uma operação “em força no conjunto das três ilhas”[11], dividida em três fases: em primeiro lugar, através de desembarques nas referidas ilhas, com o intuito de eliminar a presença de grupos de guerrilha e ocupar as suas posições na região; na segunda fase, o objectivo principal era impedir a fuga dos guerrilheiros para o exterior do pequeno teatro de operações instalado naquelas três ilhas; por fim, na terceira fase, a finalidade era ocupar a ilha do Como e recuperar psicologicamente a população que até então dava cobertura ao PAIGC.
A operação envolvia os diferentes ramos das Forças Armadas, sendo que o Exército tinha a fatia maior das acções, ficando a Força Aérea e a Marinha com a incumbência de dar apoio às forças no terreno, quer logístico quer apoio de fogo, no caso dos meios aéreos. Ficaremos pela análise das tropas terrestres, que envolviam também alguns destacamentos de fuzileiros especiais que ficariam sob o comando das forças terrestres após os desembarques[12].
De acordo com o planeado pelo Comandante-Chefe, participariam no terreno três companhias de cavalaria, uma de caçadores e três destacamentos de fuzileiros especiais. Os objectivos delineados para estas eram, sobretudo, de desembarque, com ajuda dos fuzileiros especiais, e de ocupação das ilhas, procurando, posteriormente, recuperar as populações, controlar os recursos utilizados pela guerrilha e, por fim, criar condições para o estabelecimento da autoridade administrativa[13].
A ordem de operações
Estas ideias vão estar presentes nas ordens de operações elaboradas para os três ramos das Forças Armadas, que envolvem já um estudo pormenorizado sobre o modo como há-de decorrer a operação, dentro dos moldes previstos pela referida directiva proveniente do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, que acabámos de analisar.
A ordem de operações para as forças terrestres, de 6 de Janeiro de 1964, oriunda do comando das forças terrestres, cujo comandante era o Tenente-Coronel de Cavalaria Fernando Cavaleiro, indicava, num primeiro momento, a composição e a articulação das forças, que seriam compostas por cinco agrupamentos. O Agrupamento A, com a Companhia de Cavalaria 487 e o Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, comandado pelo Major Romeiras. Este agrupamento tinha como missão, na primeira fase da operação, ocupar a povoação de Caiar, tentando isolar as forças de guerrilha estabelecidas na ilha de Caiar e na ilha do Como; na segunda fase, este agrupamento deveria efectuar a limpeza da zona que lhe fora destinada, ocupando-a militarmente, procedendo à recuperação das populações e ao controlo dos recursos locais, de modo a reduzir a probabilidade de reabastecimentos das forças guerrilheiras; por fim, na terceira fase, em conjunto com as forças da ilha do Como, deveriam participar na operação de limpeza da mata de Cassacá[14].
Quanto ao Agrupamento B, era constituído pela Companhia de Cavalaria 488 e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, e era comandado pelo Capitão Ferreira. Estas forças deveriam ocupar a região de Cauane, de maneira a facilitar, posteriormente, o desembarque do Agrupamento C, devendo isolar, ainda, as forças guerrilheiras da ilha do Como das da ilha de Caiar e de Catunco; na segunda fase, ficava definida a limpeza da sua área, incluindo a ocupação militar e o controlo dos recursos locais; na última fase da operação, deveriam participar com o Agrupamento A na limpeza da mata de Cassacá[15].
O Agrupamento C, comandado pelo Capitão Cabral, era composto, apenas, pela Companhia de Cavalaria 489 e tinha como objectivo, numa primeira fase, ocupar a região de Catunco Balanta; na segunda fase, era seu objectivo a ocupação militar da zona determinada pelo comando, tal como os agrupamentos anteriormente referenciados, não se encontrando prevista nenhuma acção para a terceira fase. No que respeita ao Agrupamento D, era constituído pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 2, comandado pelo Primeiro-Tenente Faria de Carvalho. Esta pequena força tinha como missão a ocupação da região de Cametonco, procedendo, de seguida, ao isolamento dos guerrilheiros instalados na parte este da ilha do Como dos da parte oeste da mesma, devendo, na segunda fase, proceder à ocupação militar e controlo da população dessa zona.
Finalmente, o Agrupamento E era composto, somente, pela Companhia de Caçadores 557, comandada pelo Capitão Ares. Numa primeira fase, um pelotão desta companhia deveria desembarcar para fazer a segurança imediata da base logística, enquanto, numa segunda fase, devia desembarcar de modo a proceder à ocupação da mata de Cachil, colaborando, posteriormente, com as outras forças na limpeza da mata de Cassacá. Para esta companhia estava destinada a missão de manter a ocupação militar da ilha do Como, após o reembarque das restantes forças em presença, de modo a garantir a segurança dos reembarques[16].
Através desta análise, podemos constatar, de facto, a grandeza da operação, pelo menos no que respeita aos meios humanos empenhados. Se considerarmos que cada companhia tem, aproximadamente, 130 homens e os destacamentos de fuzileiros especiais, cerca de 80, resulta que, nesta operação, participaram no terreno, cerca de 760 homens; números enormes, tendo em conta a exiguidade do território que servia de base à operação.
A ofensiva terrestre
Depois de uma intervenção inicial a cargo da Força Aérea, as forças portuguesas desembarcam sem grande resistência em cinco locais do arquipélago, entre os dias 15 e 17 de Janeiro[17]. Os dois primeiros agrupamentos de intervenção desembarcam logo no dia 15. O Agrupamento A desembarca em Caiar, no sul da ilha, e avança para a tabanca com o mesmo nome. Chegam à tabanca no dia seguinte, depois de uma penosa marcha, mas encontram a povoação abandonada. O Agrupamento B desembarca na parte sul da ilha do Como, e avança para Cauane, onde encontra resistência. Depois dos primeiros combates, os guerrilheiros refugiam-se na mata, mas são desalojados pelos fuzileiros do Destacamento 8. Nos dois dias seguintes desembarcam os outros três agrupamentos de intervenção, sem encontrar resistência, completando o cerco à guerrilha[18]. Os combates, no entanto, intensificam-se na zona de Cauane e as condições no terreno vão tornar-se cada vez mais adversas para as forças portugueses.
Além dos guerrilheiros, os soldados portugueses enfrentam também outros problemas que a logística não acautelou devidamente. Devido à falta de água potável na ilha, as tropas portuguesas são obrigadas a escavar poços conseguindo apenas obter uma água salobra e de má qualidade, e a este primeiro tormento associaram-se outras contrariedades, como a má alimentação e o calor.
Sensivelmente a meio da operação, no dia 9 de Fevereiro, o Comando da Operação Tridente apresenta um estudo da situação, em que analisa a reacção da guerrilha à actividade das forças portuguesas, o que vai levar a que sejam apresentados novos planos de acção. As tropas da guerrilha foram caracterizadas como sendo numerosas, bem armadas e instruídas, com um domínio do terreno[19], de tal forma a garantir a sua protecção e a conseguir rápidas deslocações que lhe permitem o reforço de pontos atacados, assim como a tentativa de isolamento e cerco de pequenos núcleos das forças portuguesas desembarcadas. Assim, no “início da operação não só se defendeu fortemente, como ainda tomou a iniciativa de acções ofensivas com forte acção de fogo e por vezes muito prolongadas”[20].
Apesar de perder algum fulgor, devido ao prolongamento das operações e ao isolamento a que foi submetido e ao consequente corte dos reabastecimentos, verificável através da comparação das munições usadas, que começam a mostrar a “acção do tempo”[21], o PAIGC parecia ter perdido a iniciativa, o que não significava, porém, um refrear da defesa da mata que lhe servia de posto defensivo. Uma das acções que mais dificuldade criou às tropas portuguesas foi a combinação de acções de movimento com o tiro dos flancos ou da zona frontal com metralhadoras pesadas e ligeiras, situação que se torna possível graças à sua capacidade de manobra, mobilidade e rapidez de execução e pensamento. Assim, conclui-se que a execução de “acções numa única direcção, e que não sejam simples golpes de mão” [22], facilitam o reforço substancial do inimigo, o que lhes confere uma forte resistência.
Neste contexto, são delineados quatro novos planos de acção, partindo de dois pressupostos fundamentais: a pretensão de continuar o desgaste da guerrilha por mais algum tempo, de forma a conseguir resultados importantes “com um máximo de garantia e um mínimo de perdas”[23]; e a necessidade de preparar acções reduzidas em zonas determinadas.
Verificamos, deste modo, que, a meio da operação, as forças portuguesas envolvidas na Operação Tridentepassavam já por algumas dificuldades, essencialmente devido à organização militar do PAIGC, que possuía uma mobilidade capaz de resolver os problemas causados pela tropa portuguesa e ainda, numa primeira fase, de a conseguir atacar. Por outro lado, o desgaste por esta altura já se fazia sentir nas forças portuguesas, quando se reconhecia a necessidade de diminuir a duração das operações.
Cerca de um mês depois deste estudo da situação, o Primeiro-Tenente João José de Freitas Ribeiro Pacheco, comandante do Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, apresenta um relatório de operações, bastante resumido, onde afirma que já “não têm sido detectados elementos inimigos na ilha de Caiar” [24], e que “uma parte da população vive escondida no tarrafo” [25]. Como exemplo, a missão levada a cabo no dia 10 de Março, efectuada por esse Destacamento de Fuzileiros Especiais e pelo terceiro Grupo de Combate da Companhia de Cavalaria 488, consistia em fazer um desembarque de surpresa e fazer uma batida na região de Cumule, Caiar, Tabanca Velha e Camuntudu, aprisionando ou eliminando eventuais elementos da guerrilha detectados. Porém, os resultados obtidos ficaram muito aquém do esperado, resumindo-se à apreensão de livros escolares, cadernetas e de dois canhangulos em mau estado, sendo ainda de destacar a destruição de cerca de cinquenta toneladas de arroz e o abate de gado, situação que, mesmo prejudicando o eventual abastecimento da guerrilha, produzia um efeito psicológico negativo nas populações em relação às forças portuguesas, diminuindo a possibilidade da sua recuperação para o lado português, afinal o principal objectivo de conquista de uma guerra subversiva.
Precisamente uma semana depois, num relatório elaborado pelo Comandante da Companhia de Cavalaria 489, assinado pelo oficial de operações, Major de Cavalaria Domingos Magalhães, é relatada uma operação de batida à mata do Como, uma vez que se sabia ser essa mata percorrida por grupos guerrilheiros. O objectivo era bater a mata do Como, desde a Casa Brandão, para Norte, até à região de Cassacá, e daí para Sul, até Cauane, com o intuito de prender ou aniquilar os elementos guerrilheiros encontrados, destruindo, também, tudo o que pudesse constituir refúgio ou recurso para o PAIGC. Grande parte do relativo sucesso desta acção ficou a dever-se à sua planificação para a noite, que garantia o efeito surpresa, durante a qual as tropas portuguesas deviam progredir e desenvolver emboscadas até ao nascer do dia, o que, no entanto, dificultava o apoio aéreo, que seria classificado, pelo comandante da companhia, de deficiente. Os resultados desta operação resumiram-se, contudo, ao aniquilamento de dois inimigos armados e outro ferido, e à destruição de um acampamento com cerca de quinze casas de mato, e de cerca de quinze toneladas de arroz[26].
No dia seguinte, 17 de Março, o Destacamento de Fuzileiros Especiais 7 efectuou mais uma acção, na zona de Cametonco, isto porque havia indícios de que alguns elementos do PAIGC, que tinham fugido da ilha de Como, se encontravam refugiados nessa tabanca, cuja população continuava a colaborar com as forças guerrilheiras. Segundo estes dados, foi decidido efectuar uma operação que consistia, nos mesmos moldes da anterior, num desembarque surpresa com o fim de aprisionar ou eliminar os elementos inimigos encontrados, através de um cerco e batida na referida tabanca, onde o Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, um Pelotão de Pára-quedistas, uma Secção do Destacamento de Fuzileiros Especiais 2 e um guia fula deviam pernoitar, devendo“destruir tudo o que possa constituir abrigo ou abastecimento para o inimigo e que não possa ser recuperado”[27]. A missão ficou concluída por volta das 10 horas da manhã do dia 18, mas os resultados obtidos não podem ser considerados relevantes, uma vez que, para além da eliminação de um elemento que tentava fugir, apenas foi capturado material de pouca monta: seis cartuchos de 7,9 mm; dois invólucros de 9 mm; três projécteis de 20 mm; três catanas; para além do abate de cerca de cento e cinquenta cabeças de gado e de trezentos animais de criação. A destruição dos meios de subsistência das populações locais, amplamente colaboradoras com as forças guerrilheiras, pode significar que a esperança em reconquistar estas populações seria já diminuta, ou tida como fora de hipótese pelas forças portuguesas, tentando, desse modo, minimizar o seu apoio ao PAIGC.
A última grande acção
A última grande acção realizada dentro da Operação Tridente ocorreu nos dias 23 e 24 de Março, na região de Uncomené, na ilha do Como. Aliás, esta é mesmo considerada a “acção final conjunta das diferentes forçasempenhadas” [28], com a finalidade de reduzir, ou mesmo eliminar, a acção inimiga na mata de Cassacá, numa acção que envolvia a Companhia de Cavalaria 487, comandada pelo Capitão Rui Cidraes, dividida em três Grupos de Combate, cada um com um guia negro e onze carregadores, também negros. Esta companhia, que estava estacionada na povoação de Caiar, deveria desembarcar no dia 23, por volta do meio-dia, junto ao dique em Uncomené. Depois de se instalar nessa região, devia iniciar acções contra as forças guerrilheiras, com o intuito de “reduzir a mata de Cassacá” [29], uma vez que se pensava existir um forte e numeroso grupo inimigo na zona, razão principal pela qual era levada a efeito esta acção, que foi dificultada, em especial, pela escolha do local para o desembarque, pois somente no dique a vegetação permitia o desembarque, dificuldade que advinha do fraco conhecimento da região, uma vez que a operação foi planeada tendo em consideração a cartografia de um ligeiro reconhecimento aéreo. Como consequência destas dificuldades resultaram dois mortos e dois feridos ligeiros para as forças portuguesas, tendo sido perdidas três espingardas G3, duas dos soldados mortos, “mais a do soldado 375 que quando ferido a entregou ao soldado 820 que veio a ser um dos mortos” [30], e ainda uma maca que ia buscar um ferido inimigo.
Segundo o relatório, as forças de guerrilha sofreram duas baixas confirmadas, tendo sido apreendidas uma espingarda de guerra, com cerca de cinquenta cartuchos, e uma granada de morteiro de origem russa. É nesta última acção que um dos guias diz ter visto na mata João Bernardo “Nino” Vieira, um dos mais altos chefes militares do PAIGC que comandava uma das acções[31]. Para se perceber a dimensão deste último combate, no comunicado que o Comandante das Forças Terrestres envia para o Comando-Chefe da Guiné, é contabilizado o número de munições gastas no apoio à Companhia de Cavalaria 487, concretizando, 2014 balas, 14 bombas e 7 foguetes, relembramos, só no apoio. Números que permitem perceber as dificuldades porque a referida companhia passou durante os dois dias desta última acção, que acabou por ser o último fôlego da Operação Tridente.
No entanto, apesar da resistência encontrada durante a operação, as tropas portuguesas conseguiram eliminar os principais comandantes da guerrilha, restando apenas Agostinho de Sá. A situação chegou mesmo a ser dramática para os guerrilheiros do PAIGC. Já depois do fim da operação, as forças portuguesas interceptaram um mensageiro com uma carta do comandante da frente sul, Nino Vieira, (que não estava no Como), para outros chefes da guerrilha, queixando-se que não conseguia retirar do Como (como tinha ordenado Amílcar Cabral) e que estava numa situação muito difícil, pedindo, por isso, que lhe enviassem reforços[32]. De facto, temendo baixas entre os civis, Cabral tinha ordenado a retirada da população, só que a própria população insiste em ficar juntamente com a guerrilha comandada por Agostinho de Sá[33]. Seriam precisos três longos meses, para o Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, dar por terminadas as operações militares e, no dia 24 de Março, embarcar de regresso a Bissau.
Para marcar presença na zona, o Exército decidiu deixar uma companhia na mata do Cachil, a norte da ilha do Como, com a missão de patrulhar a ilha e controlar as margens do rio Cobade, muito importante no abastecimento a Catió[34]. Não seria preciso esperar muitos dias para ver esta companhia ser atacada pelos guerrilheiros, provando assim que estes nunca tinham abandonado efectivamente a ilha[35].
As lacunas da operação
Uma das principais lacunas desta operação residiu na falta de informações suficientemente credíveis sobre a presença do PAIGC na região. Em primeiro lugar, partia-se do pressuposto de que a guerrilha estava numa situação psicológica pouco favorável e, apesar de assumir a insuficiência de informações suficientes acerca da capacidade defensiva da guerrilha, o Comandante-Chefe, Louro de Sousa, acreditava que esta não deveria oferecer oposição capaz ao desembarque e à ocupação das ilhas. Por outro lado, haveria demasiada confiança na superioridade técnica e militar das Forças Armadas portuguesas. Embora não fosse conhecido o número de guerrilheiros que estavam nas ilhas, as tropas terrestres contavam com o apoio da Marinha e da aviação, duas vantagens que a guerrilha não tinha. A Força Aérea empenhou na operação, além de helicópteros, caças F-86Sabre, aviões de ataque leve T-6 Texan, aviões de patrulha marítima P2V5 Neptune, além de aviões de transporte. Durante a operação, um avião foi abatido e outros seis atingidos (5 T-6 e 1 C-47). O avião em causa era um T-6 pilotado pelo Alferes João Santos Pité, tendo sido abatido em finais de Janeiro, na zona de Cauane, quando participava numa operação com outro T-6, pilotado pelo Capitão Gomes do Amaral. Tudo indica que Pité foi atingido directamente por disparos de terra tendo perdido rapidamente o controle do avião[36].
É preciso reconhecer também que as Forças Armadas portuguesas não estavam, ainda, totalmente preparadas para uma contra-insurreição, o que as terá levado a optar por tentar uma solução dentro da sua organização convencional.
Por fim, há que levar em linha de conta que a operação foi motivada por questões políticas. Por um lado, a guerrilha estava no Como declarando o arquipélago zona libertada do poder colonial português, uma situação que era intolerável para as autoridades portuguesas. Por outro, Louro de Sousa estava, já nessa altura, numa posição muito fragilizada em relação ao poder político em Lisboa. Uns meses antes, o Comadante-Chefe da Guiné tinha manifestado ao Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva Cunha, a opinião de que a guerra na Guiné estava perdida, o que tinha causado uma péssima impressão junto de alguns membros do Governo[37]. Neste contexto, a Tridente servia também como uma demonstração de iniciativa militar por parte de Louro de Sousa.
As consequências da operação
Em suma, apesar do planeamento e esforço desenvolvido, a verdade é que as forças portuguesas não conseguiram erradicar completamente a guerrilha no Como, embora tenham limitado de forma significativa a sua acção na zona. O PAIGC encarou o desfecho da operação como uma vitória. Apesar das enormes dificuldades que enfrentaram no confronto com as forças portuguesas, os guerrilheiros conseguiram resistir, não abandonando a ilha e o mesmo se pode dizer da população. Pouco tempo depois do fim das operações, a ilha é visitada por uma delegação da direcção do partido chefiada por Luís Cabral, que percorre a ilha para saber como tinha corrido a batalha e que necessidades tinham os habitantes e os guerrilheiros[38].
Como é óbvio, o resultado alcançado seria usado abundantemente pelo PAIGC na sua propaganda interna e externa. Podemos ver isso numa entrevista que Amílcar Cabral dá, em 1969, à revista Tricontinental, em Conakry, onde comenta a batalha como uma grande vitória para o seu movimento. De forma exagerada, Cabral refere que as tropas portuguesas rondariam os 3 mil homens e que tinham perdido 900 militares e muito material, sendo obrigadas a retirar e que o Como continuava a ser uma área libertada dominada pelo PAIGC[39]. Na verdade, as forças portuguesas sofreram 9 mortos e 47 feridos e foram evacuados para o hospital de Bissau 193 militares por motivos de doença[40].
No entanto, a principal consequência desta operação foi a mudança estratégica que foi operada nas chefias políticas e militares do território, com a destituição de Louro de Sousa e de Vasco Rodrigues, Comandante-Chefe e Governador, respectivamente, juntando de novo os dois cargos numa única pessoa, como já tinha acontecido no tempo de Peixoto Correia. Arnaldo Schultz foi o militar escolhido para estas funções, tendo chegado a Bissau, a 20 de Maio de 1964, cerca de dois meses após o final da Operação Tridente.
* Os autores agradecem ao Arquivo da Defesa Nacional e ao Arquivo Histórico-Militar o apoio dado a esta investigação.
[1] Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, Arquivo da Defesa Nacional/Fundo Geral/ADN/FG/SGDN, Cx. 4445.8.
[2] LOBATO, António, Liberdade ou Evasão – o mais longo cativeiro da guerra, Editora Erasmos, 2ª edição, Amadora, 1995, p. 18.
[3] FELGAS, Hélio, Guerra na Guiné, Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército, SPEME, Lisboa, 1967, p. 61.
[4] Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Carta de Comando para o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Lisboa, 23 de Maio de 1961, ADN/F2/93/311/1.
[5] Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Carta de Comando para o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Lisboa, 13 de Março de 1963, ADN/F2/93/311/1.
[6] CUNHA, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 111.
[7] Testemunho do Coronel Fernando Cavaleiro, in A Guerra, de Joaquim Furtado, episódio 9, RTP, 2007.
[8] OLIVEIRA, Hermes de Araújo, Guerra Revolucionária, 3ª Edição, Lisboa, 1962.
[9] FELGAS, op. cit., p.88
[10] Directiva N.º8 – Operação Tridente, 23DEZ63, Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, ADN/FG/Cx. 6896.5.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] Idem.
[14] Operação Tridente, Ordem de Operações Nº1/64 – Bissau, 06JAN64, pelo Comandante das Forças Terrestres, Tenente-Coronel de Cavalaria Fernando Cavaleiro, ADN/FG/Cx. 6896.5.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] Testemunho do Almirante Ribeiro Pacheco, in A Guerra, de Joaquim Furtado, episódio 9, RTP, 2007.
[18] CATARINO, Manuel, As Grandes Operações da Guerra Colonial – Operação Tridente, Cofina media books, Lisboa, 2010, pp. 45-52.
[19] Através dos reconhecimentos feitos, é concluído que as tropas de guerrilha se encontram concentradas na zona da mata densa entre Cassacá, Curco e Cauane.
[20] Operação Tridente – Ilha de Como, estudo da situação – COMOPTRIDENTE, 09Fev64, às 20h00, Arquivo Histórico Militar AHM/DIV/2/4/312/1.
[21] Idem.
[22] Idem.
[23] Idem.
[24] Operação Tridente – Ilha de Como, Comando das Forças Terrestres na Ilha do Como – 09MAR64, 10h00, AHM/DIV/2/4/312/1.
[25] Idem.
[26] Operação Tridente – Ilha de Como, Comando das Forças Terrestres na ilha do Como, Cópia do relatório sobre a batida à mata do Como, em 16MAR64, elaborado pelo Comandante da Companhia de Cavalaria 489, AHM/DIV/2/4/312/1.
[27] Operação Tridente – Ilha de Como, Comando das Forças Terrestres na Ilha do Como – 16MAR64, AHM/DIV/2/4/312/1.
[28] Operação Tridente – Ilha de Como, Relatório da operação realizada na região de Uncomené (Como) nos dias 23 e 24, integrada na Operação Tridente, AHM/DIV/2/4/312/1.
[29] Idem.
[30] Idem.
[31] Idem.
[32] Batalhão de Cavalaria 490 – História da Unidade, Colecção particular de Armor Pires da Mota, p. 37.
[33] Testemunho de Agostinho de Sá, in A Guerra, de Joaquim Furtado, episódio 9, RTP, 2007.
[34] FELGAS, op. cit., p. 88.
[35] Testemunho do Alferes Ro
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