“Há ministros que enriquecem à custa do sofrimento do povo”
Jorge Rebelo não tem dúvidas:
O
antigo ministro da Informação do governo de Samora Machel diz que a
Frelimo do passado era utópica e, por essa via, cometeu erros. A título
de exemplo, cita a “lei da Chicotada” .O
país assinalou, ontem, a passagem dos 24 anos após o acidente aéreo que
vitimou o primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora
Machel, e mais 33 membros da sua delegação, quando regressavam de mais
uma missão de paz na SADC.
Esta
efeméride serviu como mote para que o Parlamento Juvenil - uma
organização da sociedade civil - promovesse uma palestra em torno da
vida e obra do fundador da nação moçambicana. A palestra teve como
orador principal Jorge Rebelo, que acompanhou Samora Machel até aos
últimos dias da sua vida. Rebelo é hoje membro do Comité Central da
Frelimo e é apontado como uma reserva do “samorismo” e uma referência de
integridade.
Governo com alguns corruptos
Igual
a si próprio, Rebelo lançou uma crítica veemente a todos aqueles
(sobretudo da classe governante) que, na sua opinião, vivem à custa do
sofrimento do povo. Rebelo pronunciou-se nestes termos em resposta a uma
inquietação de um jovem, que procurou saber qual era a opinião do
ex-ideólogo da Frelimo em torno da corrupção que se instalou nas mais
altas esferas de governação.
“O
Governo é uma entidade abstracta. Dentro do governo existem ministros,
vice-ministros, directores nacionais (...). alguns destes estão a
enriquecer à custa do povo. Mas há também gente séria. O que me preocupa
é ver esses sérios e honestos a serem corridos de lá. Conheço, por
exemplo, o Dr. Ivo Garrido e sei que não é corrupto e nem está associado
à corrupção, mas foi corrido do Governo. Eu não percebo porquê? Conheço
também o Dr. Eneas Comiche e sei da luta que desenvolveu
no Conselho Municipal visando acabar com esquemas de corrupção (...),
mas ele também foi corrido”, lamentou Jorge Rebelo.
Depois
da palestra, a nossa equipa de reportagem procurou Rebelo para
explicar, com mais detalhes, o conteúdo das suas inquietações, mas ele
escusou-se a responder, aconselhando-nos a “perguntar ao Chefe de
Estado” sobre as razões que levam gente honesta a ser “corrida do
governo”.
Falta de referências
Para Rebelo, o país vive uma crise de valores e de falta de referências de integridade. Por isso, há
quem busca a referência para o combate à corrupção em confissões
religiosas. Entretanto, a solução mais próxima são as figuras de Samora e
Eduardo Mondlane, pois deixaram lições e definiram a corrupção como um
mal a combater.
“Vocês,
a juventude, enfrentam hoje uma grave crise de valores. Em parte,
dizem, vocês próprios, que é por falta de referências. Olham à volta,
vêem ou ouvem dizer que foram roubados 14 milhões de dólares no BCM, que
Carlos Cardoso e Siba-Siba Macuácua foram assassinados porque conheciam
e podiam identificar os bandidos, que um ministro utilizou dinheiro do
seu ministério para pagar bolsas de estudo no estrangeiro para os seus
filhos (...)”. Ainda no âmbito da alegada ausência de um comportamento
digno de imitação na actualidade, diz Rebelo: “os jovens questionam-se,
mas não encontram balizas para o seu comportamento. É como um campo sem
balizas, cada um marca o golo em qualquer parte do campo e o golo é válido”.
Entretanto,
a obsessão pelo enriquecimento dentro dos quadros do Governo e antigos
combatentes é, segundo Rebelo, um desvio em relação ao comportamento
inicial. “Durante a luta, ninguém estava preocupado em ser rico, mas
mudamos”.
Só
para dar um exemplo, Jorge Rebelo diz que na morte de Samora Machel, o
Comité Central da Frelimo disse, numa mensagem fúnebre, que jurou
combater a corrupção. A mensagem era: “Comprometemo-nos a apontar as
armas também para dentro. Saberemos neutralizar aqueles que enriquecem
com a miséria”.
“Produção de alimentos é um desastre”
Na
óptica de Rebelo, não é só a falta de referência em matérias de
corrupção e degradação de valores que deve preocupar os jovens, pois
também as políticas desenhadas para o país, que não são eficazes.
“Na
agricultura, principalmente, a produção de alimentos é um desastre.
Mesmo a batata, cebola e tomate que comemos diariamente são importadas. A
indústria é praticamente inexistente e, como consequência, os preços
são insuportáveis”, disse Rebelo para quem as políticas para o sector
estão a falhar.
Os defeitos de Samora Machel
Jorge
Rebelo reconheceu também que, durante os anos do “samorismo”, muitos
erros foram cometidos. Mais adiante, Rebelo disse que os meus foram
cometidos porque os jovens governantes tinham ideias “utópicas” na ânsia
de fazer o país um referencial de desenvolvimento e de justiça social.
“Samora teve defeitos, como qualquer outro”, disse Rebelo. Mas quais?
Jorge
Rebelo apontou três: Samora Machel, enfrentado pelo elevado índice de
criminalidade, chegou a convencer a Assembleia da República Popular para
aprovação de uma lei, prevendo chicotadas para as pessoas que fossem
indiciadas em determinados crimes.
Essa
proposta, de acordo com Rebelo, criou sérias divergências de opinião,
mas a disciplina partidária levou, por fim, à sua aprovação, embora sem
reunir consenso. Por isso, em pouco tempo, a proposta viria a originar
críticas mútuas no seio das alas da Frelimo.
Rebelo
deixou claro que, embora Samora Machel fosse o líder do partido e da
República, as decisões eram tomadas de uma forma colegial e solidária.
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