domingo, 22 de janeiro de 2017

Em visita à CIA, Trump diz estar em guerra contra os meios de comunicação

“Estou com vocês a 1000%”, diz Trump à CIA

Num discurso laudatório para a agência que tanto criticou, o Presidente também disse que os EUA deviam ter "ficado com o petróleo" do Iraque e aproveitou para atacar os jornalistas.
Uma visita cheia de elogios
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Uma visita cheia de elogios CARLOS BARRIA/REUTERS
Já se antecipava uma visita com adjectivos sonantes, destinada a tentar começar a sarar as feridas abertas pelas críticas que fez à agência de serviços secretos pela investigação à pirataria informática russa durante a campanha eleitoral americana. “Eu adoro-vos, eu respeito-vos, não há ninguém que respeite mais a CIA do que eu”, afirmou o Presidente Donald J. Trump numa curta passagem pela sede da agência, em Langley, onde falou para 300 oficiais e funcionários.
“Estas pessoas são realmente extraordinárias, muito poucas pessoas poderiam fazer o vosso trabalho”, continuou o chefe de Estado que recentemente comparou a agência civil de serviços secretos externos dos Estados Unidos com a polícia da Alemanha nazi a propósito da divulgação pelos media do relatório que acusa a Rússia de ter participado activamente nos ataques informáticos que visaram a campanha de Hillary Clinton. Críticas que atingiram o auge quando se soube que havia um anexo desse relatório sugerindo que Moscovo tinha informação comprometedora sobre ele.
Como já fez tantas vezes antes, Trump diz que não foi nada do que se pensou e culpou os jornalistas. A visita à sede da CIA, no primeiro dia completo da sua presidência, justifica-se, disse, por estar “envolvido numa guerra com os media”, sugerindo que foram os jornalistas a inventar o seus comentários sobre a agência. “Às vezes vocês não têm o apoio que querem mas eu estou totalmente do vosso lado.”
Trump falou ainda do “terrorismo radical islâmico” para afirmar que “tem de ser erradicado, é o mal”, numa escolha de palavras reminiscente do discurso “ou estão connosco ou contra nós” de George W. Bush no pós-11 de Setembro. A CIA, defende, ainda não usou “as suas capacidades reais”. “Temos sido limitados”, afirmou, numa aparente referência à proibição da tortura, uma das ordens executivas assinadas por Barack Obama no seu primeiro dia no cargo de Presidente, em Janeiro de 2009.
O novo Presidente fez-se acompanhar do seu nomeado para dirigir a agência, o congressista Mike Pompeo, “o único tipo” que conhece capaz de assumir este cargo e “talvez a mais importante” das suas nomeações. Pompeo deverá suceder a John Brennan, o ainda director que a semana passada fez um raro comentário político, avisando Trump para ter cuidado com o que diz a propósito das duras críticas que ele fez à agência.
Num discurso descrito como “estranho” pela repórter da Foreign Policy Laura Rozen na sua página de Twitter, o Presidente americano também disse que “devíamos ter mantido o petróleo” antes da retirada do Iraque, país que os EUA de Bush invadiram em Março de 2003, numa guerra que Trump apoiou na altura mas contra a qual jurou ter estado durante a campanha presidencial que o levou à Casa Branca.
Entre muitos comentários panegíricos, também lhe ocorreu dizer que pensa ter “o recorde de capas da [revista] Time”, um pretexto para se queixar de mais um jornalista. Horas depois de ter usado o Twitter para elogiar alguns media, como a televisão Fox News, “pelos grandes resumos” do seu discurso de tomada de posse, acusou os jornalistas de mentirem sobre a multidão reunida para a cerimónia, assegurando, erradamente, que encheu o Mall de Washington.

Republicano manteve o tom combativo da campanha em seu primeiro dia completo como presidente






Donald Trump, com a esposa e seu vice-presidente, neste sábado na Catedral Nacional de Washington. REUTERS

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos desde sexta-feira, atacou a imprensa em seu primeiro ato público no cargo. Em visita à sede da Agência Central de Inteligência (CIA), cujas práticas ele comparou com a Alemanha nazista na semana passada, disse que os jornalistas estão entre os seres humanos "mais desonestos da Terra". Também lhes acusou, sem provas, de mentir sobre o número pessoas presentes na cerimônia de posse desta sexta-feira, em Washington D. C., e sobre outros detalhes de sua chegada na Casa Branca.

Era sua primeira jornada completa como presidente, mas parecia que a campanha eleitoral não tinha terminado: as mesmas palavras, os mesmos ataques. Não importa que já seja presidente, nem que o lugar que lançasse a mensagem contra a mídia fosse um lugar tão solene como a sede da CIA em Langley (Virgínia).
"Estou 1000% com vocês. O motivo pelo qual vocês são minha primeira visita é que estou em uma guerra contra os meios de comunicação. Estão entre os seres mais desonestos da Terra", disse Trump, com um tom irônico e combativo. Entre o público era possível escutar aplausos e risos. "Deram a impressão de que havia uma briga com a comunidade de inteligência", acrescentou.
Trump se referia às informações sobre sua disputa com os serviços de inteligência, aos quais desqualificou durante as semanas posteriores de sua vitória, em 8 de novembro. Os ataques aos meios, os quais ele e muitos conservadores identificam com as elites progressistas, são um recurso constante e eficaz em seus discursos.
A Administração Trump começou seu mandato de quatro anos com gestos simbólicos e uma forte contestação em seu país, com dezenas de milhares de norte-americanos protestando contra ele no centro de Washington. O Governo começa também com apenas dois postos, dos 15 departamentos do Governo, confirmados pelo Senado. Seus dois antecessores imediatos – Barack Obama e George W. Bush – tinham confirmado sete a esta altura.
O dia começou entre líderes religiosos e terminou com espiões. Cada gesto, cada palavra, cada mensagem na rede social Twitter – seu meio de expressão predileto – será examinada com uma lupa em busca de sinais de uma presidência que rompe com todas as tradições e que desconcertou grande parte os EUA e do mundo.
Não houve decisões políticas de envergadura desde que, ao meio-dia da sexta-feira, o republicano Trump assumiu o cargo e depois fez um dos discursos de posse mais incendiários que se recordam nos 225 anos de história de pronunciamentos do tipo neste país.
Na sexta-feira assinou um decreto para começar a desmantelar o Obamacare, lei de saúde assinada pelo democrata Barack Obama, que proporcionou cobertura de saúde para 20 milhões de pessoas que não dispunham de plano de saúde, e um anátema para os republicanos.
Outro gesto das primeiras horas foi o memorando pedindo o congelamento dos regulamentos federais adotados pela Administração Obama. O novo portal da Casa Branca eliminou as referências às mudanças climáticas e só ficou, num documento sobre as prioridades do presidente, sua promessa de eliminar o Plano de Ação do Clima adotado por Obama, que impõe restrições às emissões poluentes.
Em seus primeiros dias no cargo, em 2009, Obama assinou ordens executivas determinando o fechamento da prisão de Guantánamo e proibiu o uso da tortura. Em seu primeiro dia de trabalho como presidente, o dia posterior à posse, no dia 21 de janeiro, telefonou para o presidente do Egito, o primeiro-ministro de Israel, o rei da Jordânia e o presidente da Autoridade Palestina.
No caso de Trump, ao coincidir o primeiro dia completo de trabalho com um fim de semana, é previsível que a segunda-feira seja o primeiro dia real do trabalho a todo vapor na nova Casa Branca.
No sábado, seguindo a tradição de seus antecessores, Trump participou de uma cerimônia religiosa em seu primeiro dia como novo presidente dos Estados Unidos. Ao lado da família e de seu vice-presidente, Mike Pence, e de representantes cristãos, muçulmanos e sikhs, participou de uma cerimônia inter-religiosa na Catedral Nacional de Washington.
Na ocasião, falaram mais de uma dezena de líderes religiosos. Greg Laurie, um pastor cristão da Califórnia, pediu “proteção divina” às Forças Armadas. “Abençoemos a todos cujas vidas estão ligadas às nossas”, disse Jesse Singh, líder dos Sikhs da América.
Trump, cristão ligado à igreja presbiteriana, não é conhecido por sua religiosidade, mas em sua fulgurante ascensão política recebeu o apoio de milhões de eleitores evangélicos e de influentes líderes fundamentalistas cristãos.
Após a cerimônia, Trump tinha agendada uma visita à sede da CIA em Langley (Virginia), nos arredores de Washington, com o indicado para dirigir a agência de inteligência, o congressista Mike Pompeo. A visita envia uma mensagem forte. Trump passou semanas questionando a comunidade de inteligência depois desta ter acusado a Rússia de roubar e-mails do partido Democrata com o objetivo de ajudar os republicanos nas eleições presidenciais.
O novo presidente comparou, na semana passada, seus espiões com a Alemanha nazista depois do vazamento de um relatório com supostos vínculos comprometedores dele com Moscou. A dureza das críticas é incomum, como também é o fato de o antigo diretor da CIA, John Brennan, ter criticado Trump publicamente alguns dias antes da posse.
Em seu primeiro dia completo como presidente, os EUA digerem o discurso de posse de Trump. Em seu editorial deste sábado, o jornal The New York Times esgrime que é uma reavaliação “distorcida” da história norte-americana em que se ignoram as injustiças do passado e os êxitos mais recentes. Na mesma linha, o The Washington Post argumenta que o discurso projetou uma visão pessimista e sombria que não corresponde à realidade do país.
No discurso se percebe a influência de Steve Bannon, o estrategista-chefe de Trump que dirigia uma publicação de referência para a direita norte-americana mais radical. “Foi uma declaração sem enfeites dos princípios básicos do seu movimento populista e, em parte, nacionalista”, diz Bannon numa entrevista ao Post
O assessor vê paralelismos com a retórica do ex-presidente Andrew Jackson (1829-1837). E solicita a compará-lo com o discurso feito nesta semana no Fórum de Davos pelo presidente chinês Xi Jinping que, em contraste com Trump, apresentou-se como o líder mundial da globalização e do livre comércio. “Você verá duas visões diferentes do mundo”, diz Bannon.

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