As três maneiras de derrubar Maduro: das casernas, do estrangeiro ou de dentro /premium
Um golpe militar e judicial, uma mudança de rumo da China e da Rússia mediante promessas de Guaidó, um reviralho no partido chavista. Maduro está cercado — e estas são as formas como ele pode cair.
Nicolás Maduro é Presidente da Venezuela desde 2013. Desde então, tem enfrentado várias manifestações, uma crise económica sem precedentes e uma pressão internacional considerável. Ainda assim, manteve-se no poder. Seja como for, os seus dias parecem hoje estar mais próximos do fim. Os avanços de Juan Guaidó, por mais tímidos que pareçam, são inéditos na Venezuela chavista. Além disso, a pressão internacional tem ainda muito por onde aumentar. Acresce a isso que a contestação a Nicolás Maduro não parte apenas do estrangeiro ou da oposição, mas também dentro do seu próprio partido. Conheça aqui os três cenários para derrubar Nicolás Maduro.
Golpe militar articulado com destituição pelos tribunais
No fundo, era isto que estava preparado antes da mais recente reviravolta na luta pelo poder entre Juan Guaidó e Nicolás Maduro — e, aqui, como tem sido norma até agora, o Presidente interino saiu derrotado pelo Presidente efetivo.
Tudo se precipitou na terça-feira 30 de abril. Numa movimentação que, mais de 48 horas depois, ainda não tem os contornos claros, um grupo de cerca de 25 militares afetos a Juan Guaidó agiu alegadamente em conluio com as secretas, o SEBIN, chefiadas pelo entretanto deposto Cristopher Figuera. Este homem, cuja nomeação para liderar o SEBIN desde o final de 2018 tinha sido uma aposta pessoal de Nicolás Maduro, terá permitido que o prisioneiro político Leopoldo López fosse libertado.
Leopoldo López, padrinho político de Juan Guaidó e condenado a 14 anos de prisão em 2014, por incitamento à violência, era um dos presos políticos mais acarinhados pela oposição — e, por isso, a sua libertação era sobretudo simbólica.
Só depois de conseguir esse objetivo (que, segundo vários relatos, foi facilmente atingido) é que Juan Guaidó apelou às pessoas que saíssem às ruas e aos militares que desobedecessem ao regime. Para este movimento, seria essencial a participação do ministro da Defesa, Vladímir Padrino López, que estaria coordenado com o entorno de Juan Guaidó.
Ao mesmo tempo, a oposição contava com uma tomada de posição por parte do presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), Maikel Moreno, no sentido de este declarar a invalidade do governo de Nicolás Maduro. A detenção do Presidente de facto tornar-se-ia, finalmente, possível com a colaboração de um terceiro elemento igualmente associado ao plano de Juan Guaidó: Iván Hernández Dala, chefe das secretas militares e também chefe da guarda de honra de Nicolás Maduro.
"A oposição venezuelana anda a chamar pessoas para as ruas há vários anos, portanto nós sabemos perfeitamente como é o terreno em que nos movimentamos. Nós sabemos que nada aqui é imediato."
O facto é que nada disto acabou por acontecer — por razões que já explicámos aqui, entre as quais se destaca o alegado recuo por parte daqueles três altos funcionários do regime venezuelano. Tanto Maikel Moreno como Vladímir Padrino López vieram sublinhar a sua fidelidade ao regime de Nicolás Maduro, ainda na terça-feira — e Iván Hernández Dala, que esteve em parte incerta durante mais de 48 horas, apareceu na quinta-feira de manhã ao lado de Nicolás Maduro, enquanto este discursava para cerca de 4 mil militares.
Porém, a oposição continua a crer na força do seu plano e crê que ele pode virar o jogo mais tarde ou mais cedo. “A ‘Operação Liberdade’ não é um movimento de um dia só, não é uma operação imediatista que busca a todo o custo um resultado”, explica em entrevista ao Observador Sergio Contreras, coordenador nacional da Voluntad Popular, partido de Juan Guaidó e Leopoldo López. “A oposição venezuelana anda a chamar pessoas para as ruas há vários anos, portanto nós sabemos perfeitamente como é o terreno em que nos movimentamos. Nós sabemos que nada aqui é imediato”, disse Sergio Contreras, que já esteve preso na prisão militar de Ramo Verde e está atualmente exilado em Espanha.
Apostando numa perspetiva de médio prazo, Sergio Contreras explica que, embora as altas patentes sejam difíceis de convencer a revoltarem-se contra Nicolás Maduro — os altos comandos militares têm nas mãos o negócio da importação de comida, do petróleo, do ouro e também do narcotráfico utilizando cada um desses mercados para enriquecer na economia paralela — o mesmo já não acontecerá com os baixos e médios cargos militares. “As receitas do petróleo são as únicas que estão a chegar aos militares e o maior cliente, os EUA, está a boicotá-los. Desta forma, os militares irão, nos próximos meses, deixar de poder cobrar os seus salários”, diz. A agudizar esta questão poderão estar ainda as greves agendadas por Juan Guaidó para os próximos dias.
"As condições de Maduro com os militares são cada vez mais débeis, tendo em conta o seu medo de uma fratura nas forças armadas e de traições que possam acontecer nos seus cargos de liderança"
Por isso, no campo militar, a oposição espera mais tarde ou mais cedo que a falta de condições de vida por parte dos militares — que são, até hoje, um setor com privilégios relativamente ao grosso da população — irá criar um sentimento nos quartéis contra Nicolás Maduro. Ainda assim, este procurou cortar qualquer possibilidade nesse sentido desde que tomou posse — entre 2013 e 2018, Maduro transformou os 9 comandos regionais militares em 24 zonas; passou os destacamentos de 73 para 236; dividiu 159 companhias noutras 514 mais pequenas. O objetivo será dividir para reinar.
A diretora da ONG Control Ciudadano, Rocío San Miguel, diz que neste momento “não há paz nas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas [FANB]” e que “há espaços importantes para uma transição”. Porém, em declarações ao Observador, admite que “Maduro ainda tem condições” para preencher esses mesmos espaços — mas a tendência é para que as vá perdendo. “As suas condições são cada vez mais débeis, tendo em conta o seu medo de uma fratura nas FANB e de traições que possam acontecer nos seus cargos de liderança”. Além disso, alinhando com a expectativa de Sergio Contreras, Rocío San Miguel sublinha que “os incentivos para a lealdade são poucos, a ponto de quase serem inexistentes para a maioria das FANB”.
Depois, há a vertente judicial deste plano, que teria de passar pelas mãos de Maikel Moreno e numa decisão por ele tomada de invalidar o mandato de Nicolás Maduro. Para Rocío San Miguel, este desfecho é improvável. “Tendo em conta a composição e dinâmica do TSJ, não irá para a frente. Também há a hipótese do Tribunal Penal Internacional, mas também está muito distante de poder perspetivar uma saída efetiva de Maduro”, disse.
Porém, Sergio Contreras descreve uma situação em que o regime de Nicolás Maduro está encostado a um canto do qual dificilmente consegue sair. Essa observação é feita em particular sobre o facto de Maikel Moreno, Vladímir Padrino López e Iván Hernández Dala não terem sido detidos.
“Quem é que teria de materializar esta detenção? Teria de ser o TSJ, de Maikel Moreno. E foi esse mesmo Maikel Moreno e esse mesmo TSJ que ordenaram a proibição de saída de Juan Guaidó do país e que, no seu regresso, acabaram por não o capturar”, diz, referindo-se ao facto de, em fevereiro, Juan Guaidó ter saído da Venezuela e voltado dias depois num voo comercial que aterrou em Caracas.
Esta quarta-feira, como já tinha feito antes, Nicolás Maduro prometeu a prisão de Juan Guaidó e de Leopoldo López. “Estão a fugir, de embaixada em embaixada. A justiça está à procura deles e mais tarde ou mais cedo vão pagar na justiça pelas suas traições”, disse.
Porém, Sergio Contreras explica que essas promessas poderão não passar de bluff. “Se por acaso houvesse uma detenção do ministro da Defesa, isso aceleraria o processo de reversão da usurpação”, diz, referindo a expressão utilizada pela oposição para se referir ao fim do governo de Nicolás Maduro. “Da mesma forma, se Maikel Moreno fosse detido, seria de esperar que muitos magistrados saíssem do país.”
Um acordo entre EUA e Guaidó de um lado, e a China e a Rússia do outro
É longa a lista de países que, em todo o mundo, já se pronunciou sobre o seu apoio a Nicolás Maduro ou a Juan Guaidó na atual crise venezuelana. Porém, destas largas dezenas, há verdadeiramente três que importam mais do que quaisquer outros: os EUA do lado de Juan Guaidó; a China e a Rússia do lado de Nicolás Maduro. Os interesses de cada um destes países na Venezuela emaranham-se uns nos outros.
Destes três, os EUA são o país que está geograficamente mais perto da Venezuela e, por isso, convém-lhe impedir qualquer crise migratória, provocada por um agudizar ainda maior da crise. Além disso, há investimentos de monta de petrolíferas norte-americanas na Venezuela — estão lá, por exemplo, a Chevron, a Valero e a PBF. Este último fator, porém, tem perdido tração: não só está em vigor um embargo dos EUA ao petróleo da Venezuela como os EUA, ao longo dos últimos 15 anos, inverteram a sua tendência anterior e passaram de país importador para exportador de energia.
Já a Rússia e a China envolveram-se, cada um à sua maneira, com o sustento financeiro do regime chavista — investindo sobretudo na indústria petrolífera. Segundo as estimativas do economista venezuelano Asdruval R. Oliveros, divulgadas num post, no final de janeiro deste ano, a dívida da Venezuela com a Rússia está nos 10 mil milhões de dólares (8,94 mil milhões de euros) e nos 21 mil milhões de dólares (18,78 mil milhões de euros) com a China.
Neste momento, a Venezuela não tem condições para pagar esta dívida — a única maneira que tem de fazê-lo é em espécie, a um ritmo lento e inseguro, à medida que a capacidade de extração e refinação de petróleo da Venezuela diminui com o agudizar da crise.
A esperança do lado de Juan Guaidó é que tanto a China como a Rússia ganhem mais apego ao dinheiro do que às vantagens geopolíticas de ter um aliado rico em recursos no quintal dos EUA. Por agora, têm surgido sinais por parte daqueles dois países de que não estão dispostos a gastar mais dinheiro com a Venezuela, mas ainda assim o compromisso com o regime de Nicolás Maduro da parte de Moscovo e Pequim parece ser sólido.
Um dos receios da China e da Rússia no caso de o regime de Nicolás Maduro ser derrubado é a possibilidade de a dívida contraída ao longo dos últimos anos ser declarada ilegal — e, por isso, nenhum governo consequente se comprometer com esse pagamento. Se assim for, estão dadas razões de sobra para Moscovo e Pequim se manterem ao lado de Nicolás Maduro. Porém, se um governo pós-chavista garantir esse pagamento em troca do fim do apoio ao atual regime, isso pode mudar. E, de acordo com o que Sergio Contreras avançou ao Observador, essa pode ser uma opção a explorar por Juan Guaidó em negociações junto de Moscovo e Pequim.
“Se for preciso reconhecer a dívida com a Rússia e com a China para poder restabelecer a democracia na Venezuela, creio que os venezuelanos terão de pensar nesse acordo como um sacrifício para garantir a liberdade dos venezuelanos”, disse aquele responsável.
"Se for preciso reconhecer a dívida com a Rússia e com a China para poder restabelecer a democracia na Venezuela, creio que os venezuelanos terão de pensar nesse acordo como um sacrifício para garantir a liberdade dos venezuelanos."
Por fim, tanto a China como a Rússia podem ser vitais para que Nicolás Maduro, sob pressão, aceite abdicar do seu cargo. “A única forma de Nicolás Maduro ser afastado sem que se gere uma situação de conflito é abandonar o país. Mas, para isso acontecer, ele tem de ir para algum sítio”, diz. Sergio Contreras refere a Rússia como um destino “provável” para o ditador venezuelano, ao contrário de Cuba. “Nicolás Maduro sabe que em Cuba, que é uma ilha submetida a uma série de controlos financeiros, não lhe seria permitido gerir a enorme quantidade de recursos financeiros que conquistou de forma corrupta”, disse.
Movimentações dentro do regime
Além das movimentações externas, existem as movimentações internas que podem prejudicar Nicolás Maduro. O Presidente tem dentro do seu próprio partido — o PSUV — o seu maior rival: Diosdado Cabello, ex-vice-Presidente, atual presidente da Assembleia Nacional Constituinte e número dois do PSUV.
A 28 de outubro de 2018, a rivalidade entre os dois chegou a um nível inaudito, segundo conta o jornal Venezuela al Día. À altura, a caravana presidencial de Nicolás Maduro foi intercetada por quatro funcionários do SEBIN, então liderado por Gustavo González López, homem da confiança de Diosdado Cabello. Aqueles funcionários estariam armados quando levaram a cabo aquela suposta operação — mas não chegaram a fazer nada, já que foram manietados e detidos pelos militares que estavam na caravana do Presidente.
Dois dias depois, Maduro destituiu Gustavo González López da chefia do SEBIN, que dirigia já desde 2014, e pôs no seu lugar Cristopher Figuera — precisamente o diretor do SEBIN que, na segunda-feira, se rebelou contra Maduro, acabando mais tarde por ser detido.
No dia em que tudo isto decorreu, Nicolás Maduro demorou a reagir publicamente à “Operação Liberdade”, falando apenas sensivelmente 15 horas depois da libertação de Leopoldo López. Porém, Diosdado Cabello fê-lo mais cedo, apelando aos colectivos e aos civis que fossem para o palácio de Miraflores “defender a revolução”. Quando Maduro falou, acabou por anunciar a destituição do “seu” Cristopher Figuera da liderança do SEBIN e adiantou ainda que Gustavo González López era reconduzido ao cargo.
Esta troca pode denunciar um ascendente de Diosdado Cabello (que tem um mandado de busca e captura dos EUA por ligações ao narcotráfico) sobre o setor madurista. Por isso, não está de todo descartado um cenário em que Diosdado Cabello assume o poder na Venezuela, servindo-se para isso da sua posição como número 2 do PSUV e presidente da Assembleia Nacional Constituinte.
Além disso, é também aventada a hipótese de Nicolás Maduro gerir um processo de transferência de poderes para alguns dos seus aliados políticos, como são Rafael Lacava (governador de Carabobo), Arnaldo Arocha (governador de Miranda) ou Jesús Suárez Chourio (comandante geral do exército).
Nenhuma destas opções, porém, é admitida por parte de Juan Guaidó e dos seus próximos, para os quais não é hipótese uma passagem de um líder chavista para outro sem que, pelo meio, haja eleições. “Seria uma agressão histórica aos partidos políticos que foram inabilitados e perseguidos. Não faria sentido haver um presidente por negociação depois de terem sido negados os direitos políticos de pessoas como Leopoldo López, Henrique Capriles, María Corinna Machado ou Antonio Ledezma”, afirma Sergio Contreras. “Não é um cenário aceitável”, disse. Porém, isso não quer dizer que o chavismo não o esteja a preparar.
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