terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Aspectos-chave do “golpe” da dívida ilegal, de acordo com a acusação federal americana contra Manuel Chang e outros alegadamente implicados

 Introdução O documento acusatório contra o antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang, e quatro outras figuras já visadas pela justiça americana, nomeadamente três ex-bancários do Credit Suisse e um gestor sénior do grupo Privinvest, de Abu Dhabi, mostra detalhes sórdidos de uma conspiração montada para defraudar o Estado. O documento explica, em vários momentos : i) como foi feita a “venda” da ideia de um projecto de grande investimento na protecção costeira de Moçambique, mostrando elementos sobre a compra da “vontade política” para se ganhar a aprovação do projecto; ii) a artimanha corrupta para assegurar as garantias ilegais do governo para o projecto Proindicus; iii) a conspiração para se contornar os procedimentos de controlo interno do Credit Suisse e iv) a conspiração para se modificar as condições dos empréstimos da Proindicus. As Entidades Principais moçambicanas referidas no documento são a Proindicus, a EMATUM e a MAM. Todas as três foram formadas para levarem a cabo projectos marítimos especificamente, a Proindicus para fazer vigilância costeira, a EMATUM para pesca de atum e a MAM para construir estaleiros navais e fazer manutenção de embarcações. Para além de Manuel Chang (que recebeu 5 milhões de USD) na operação Proindicus, o CIP tem informação que os outros dois acusados de nacionalidade moçambicana são António Carlos de Rosário e Teofilo Nhangumele que foi o individuo que apresentou o projecto ao Governo no ano de 2011. O documento cita três co-conspiradores moçambicanos. Depois de uma aturada investigação, o CIP está em condições de suspeitar das suas identidades (atendendo as funções públicas que desempenham/desempenhavam e que são descritas no libelo acusatório), nos seguintes termos: Um funcionário do Estado que procurou a aprovação do Governo para o projecto Proindicus, o CIP ainda não conseguiu apurar a possível identidade do conspirador 1. 1. Um parente de um alto funcionário em Moçambique, que recebeu 9,7 milhões de USD. Ainda não conseguimos apurar a sua possível identidade 2. Um alto funcionário do Ministério das Finanças de Moçambique, que já foi director da EMATUM. 2 (Suspeitamos que seja Henrique Gamito ou Isaltina Lucas Sales). Os dois tiveram funções de relevo tanto na EMATUM como no Ministério do Plano e Finanças. A acusação americana diz que este co-conspirador recebeu 2 milhões de USD. As entidades estrangeiras visadas no documento acusatório são o Privinvest Group, uma holding de Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos (EAU), composta por várias subsidiárias (colectivamente, “Privinvest”), incluindo Privinvest Shipbuilding SAL, Abu Dhabi MAR (“ADM”), Logistics International e Palomar Capital Advisors e Palomar Holdings Ltd. (colectivamente, “Palomar”). Há também três pessoas implicadas, ligadas à Privinvest, nomeadamente: Jean Boustani, o principal negociador da Privinvest. O co-conspirador 1 da Privinvest foi contratado pela Privinvest para desenvolver negócios em países africanos, através de conexões com funcionários governamentais e o coconspirador 2 da Privinvest, que suspeitamos que seja Iskandar Safa. Há também o Banco de Investimento 1, o Credit Suisse (CS) e o Banco de Investimento 2, o russo VTB Capital (VTB). Os três antigos funcionários bancários do Credit Suisse acusados são: Andrew Pearse, de nacionalidade neozelandesa, ex-director executivo do banco Credit Suisse e chefe do Global Financing Group da CS; Surjan Singh, nacionalidade britânica, o antigo director do Global Financing Group da CS e Deletina Subeva, nacionalidade búlgara, vice-presidente do Global Financing Group. Para o benefício do grande público moçambicano, o CIP recupera, com base na acusação, alguns dos elementos marcantes de uma conspiração que originou uma crise sem precedentes na economia moçambicana e na vida dos moçambicanos. Síntese Entre 2013 e 2016, a Proindicus, a EMATUM e o MAM obtiveram, em conjunto, pouco mais de 2 bilhões de USD em empréstimos. O dinheiro era de investidores estrangeiros (incluindo investidores americanos) e foi contratado pelo banco Credit Suisse e pelo banco russo VTB. Os empréstimos foram garantidos pelo Governo Moçambicano, embora as garantias não tenham sido divulgadas publicamente (nem aprovadas pela Assembleia da República, quando o “golpe” foi descoberto). A alegação central é a de que as três empresas defraudaram os investidores porque faltaram a verdade sobre o destino real dos fundos, que acabaram sendo usados para pagar subornos a funcionários do governo local e do banco Credit Suisse. Cada uma das três empresas estatais contratou a Privinvest para realizar projectos marítimos. Os três bancários do Credit Suisse faziam parte da “equipa de negociação” (Deal Team) do projecto Proindicus. Surjan Singh fazia também parte da “equipa de negócios” do projecto EMATUM. De acordo com o documento indiciário, os acusados criaram os projectos marítimos como um ardil para enriquecimento ilícito. Desviaram parte dos recursos da dívida para pagar pelo menos 200 milhões de USD em subornos e propinas a si mesmos e a funcionários do Governo Moçambicano. A Privinvest cobrava preços inflaccionados pelos equipamentos e serviços que fornecia e os valores foram usados, pelo menos em parte, para pagar subornos e propinas. E a Proindicus, a Ematum e a MAM nunca levantaram voo. 3 O investimento na Proindicus Janeiro de 2013: a Proindicus celebrou um contrato com a Privinvest para “fornecer materiais e treinamento para proteger as águas territoriais de Moçambique”. Valor do contrato: 366 milhões de USD. Fevereiro de 2013: O banco Credit Suisse concordou em arranjar um empréstimo sindicado para a Proindicus, mas devia ter a garantia do Governo de Moçambique. Valor do empréstimo: 372 milhões de USD. Singh assinou o contrato de empréstimo em nome do Credit Suisse, António Rosário terá assinado em nome da Proindicus e Manuel Chang assinou a garantia do governo. Junho - Agosto de 2013: o Credit Suisse aumentou o empréstimo da Proindicus em 132 milhões de USD. Novembro 2013: o VTB concedeu outro empréstimo à Proindicus na ordem dos 118 milhões de USD. O empréstimo total atingiu os 622 milhões de USD. Mas, de acordo com a acusação, “a Proindicus nunca realizou operações significativas, não gerou receitas e não cumpriu com o primeiro reembolso de juros e capital aprazado para 21 de Março de 2017”. A montagem do esquema do suborno inicial: A partir de 2011, Boustani e um dos acusados não identificados (que se suspeita ser António Carlos Rosário) tentaram convencer funcionários do Governo moçambicano a estabelecer um sistema de monitoramento costeiro por meio de um contrato com a Privinvest. Imediatamente, Boustani e António Rosário e Teofilo Nhangumele negociaram a primeira tranche de pagamento de suborno e propinas que a Privinvest teria que fazer em benefício dos funcionários do Governo moçambicano (não identificados nos autos), para que o projecto fosse aprovado. Eis a troca de emails entre as principais figuras: Email de 11 de Novembro de 2011, suspeitando-se que seja Rosário, enviado para Boustani: “Para garantir que o projecto seja aprovado pelo Chefe de Estado, um pagamento tem que ser acordado antes de chegarmos ao objectivo final (...). Quaisquer pagamentos adiantados antes do projecto, poderão ser recuperados”. Email de 11 de Novembro de 2011, de Boustani em resposta ao anterior: “uma questão muito importante que precisa ser clara: tivemos várias experiências negativas na África. Especialmente relacionadas com pagamentos de ´taxas de sucesso´. Portanto, temos uma política rígida no grupo, de não desembolsar nenhuma ‘taxa de sucesso’ antes da assinatura do contrato do projecto”. E-mail: 14 de Novembro de 2011, supostamente de Rosário, em resposta a Boustani: “Fabuloso, eu concordo consigo em princípio. Mas vamos olhar para o projecto em dois momentos distintos. O primeiro momento é o de massagear o sistema e obter a vontade política de avançar com o projecto. O segundo momento é a implementação/ execução do projecto. Concordo consigo que qualquer dinheiro só pode ser pago após a assinatura do projecto. Isso deve ser tratado separadamente da implementação do projecto...porque para a implementação do projecto, haverá outros jogadores cujo interesse terá que ser cuidado, como por exemplo o Ministério da Defesa, o Ministério do Interior, a Força Aérea, etc. ... em governos democráticos como o nosso, as pessoas vêm e vão...e todos os envolvidos vão querer ter a sua parte do negócio no momento em que estão no poder. Uma vez fora do poder, já será difícil. Por isso é importante que a ‘taxa de sucesso’ de assinatura do contrato seja acordada e paga de uma só vez, após a assinatura do contrato.” Email: 28 de Dezembro de 2011, supostamente do Rosário para Boustani: “Bom irmão. Eu consultei e por favor coloque 50 milhões de frangos. Quaisquer que sejam os números que você tenha na sua capoeira, acrescenta 50 milhões 4 da minha raça”: [Interpretação do Departamento de Justiça: 50 milhões de USD seriam pagos em propinas a funcionários do Governo moçambicano e outros 12 milhões de USD seriam pagos aos co-conspiradores da Privinvest.] Email: 28 de Dezembro de 2011, Boustani para o pessoal da Privinvest: “50M para eles e 12M para [Privinvest co-conspirator 1] (5%) ==> total de 62M no topo.” Entretanto, levou mais de um ano para que o contrato entre a Proindicus e a Privinvest fosse negociado e assinado. Cinco dias após a assinatura do contrato, Boustani instruiu um banco nos Emirados Árabes Unidos que, assim que a Privinvest recebesse um pagamento mínimo de 317 milhões de USD dois pagamentos deveriam ser feitos: 5,1 milhões de USD para um dos acusados e 5,1 milhões para o coconspirador 1 de Moçambique. O banco também foi instruído a pagar a cada um deles outros 3,4 milhões de USD numa data posterior. Negociações para a contratação da dívida e aparição de Manuel Chang As negociações para a contratação da dívida começaram a ter lugar em Setembro de 2012. Boustani abordou o banco Credit Suisse para providenciar o empréstimo. Nesse mesmo mês de Setembro de 2012, Andrew Pearse voou para os Emirados Árabes Unidos para se encontrar com Boustani, António Rosário e um familiar próximo de um alto funcionário do Governo moçambicano entre outros. [Nota: o empréstimo foi desencadeado pelo fornecedor e não pelo cliente. Por outro lado, tinha de ficar claro nesse encontro que o crédito tinha de ter garantia do Governo de Moçambique. No encontro, Boustani e um co-acusado não identificado mencionaram o nome de Manuel Chang, dando a entender que já tinham abordado o então Ministro das Finanças para tratar de assinar a garantia. Dias depois, Chang escreveu uma carta a um executivo da Privinvest dizendo que o FMI impusera certas limitações a Moçambique, nomeadamente a de que os projectos comerciais só poderiam ser financiados por crédito comercial. Para contornar essa limitação, Chang sugeriu que se criasse um SPV (Special Purpose Vehicle, uma sociedade de propósito específico, cuja actividade é bastante restrita, podendo em alguns casos ter um prazo de existência determinado, normalmente utilizada para isolar o risco financeiro da actividade desenvolvida). Em Fevereiro de 2013, Chang viria a assinar a garantia do governo para o empréstimo, tendo recebido por isso pelo menos 5 milhões de USD em subornos feitos a partir de uma conta bancária nos Emirados Árabes Unidos para uma conta bancária na Espanha. O pagamento foi encaminhado por bancos americanos, como todos os pagamentos em USD. Os bancários do Credit Suisse O departamento de “compliance” do Credit Suisse identificou sinais suspeitos de corrupção no início do acordo com a Proindicus. Um dos alertas foi que não tinha havido um concurso público na escolha do fornecedor. Em resposta a uma pergunta dos bancários do Credit Suisse sobre se tinha havido um concurso, Boustani disse que o contrato “não resultou de uma oferta competitiva mas foi um esquema “entre a Privinvest e o Governo moçambicano”. O banco não fez nada para impedir que o processo avançasse, aliás, seus funcionários relevantes já estavam a entrar no esquema. Também foram identificadas suspeitas de corrupção envolvendo o co-conspirador 2 da Privinvest (o executivo, que nós identificamos como Iskandar Safa). Um funcionário do Credit Suisse disse a Surjan Singh que o conspirador 2 da Privinvest já havia sido identificado como “um cliente indesejável” pelo banco. O funcionário sustentou essa alegação com cerca de 10 artigos de notícias sugerindo links para corrupção 5 envolvendo a pessoa. Os três banqueiros são acusados de esconder informações cruciais que deviam ser partilhadas com o “compliance”. Por exemplo, a equipa de negociação consultou um executivo sénior do Credit Suisse sobre se o negócio da Proindicus tinha pernas para andar. O executivo disse “não” à combinação de Moçambique e seu amigo [o co-conspirador do Privinvest 2, Iskandar Safa]. Mas Pearse, que já estava metido no esquema, disse a um colega: “então precisamos de estruturálo fora do quadro”. Na verdade, o próprio relatório de “due diligence” da Credit Suisse relativamente a este negócio tinha descrito Safa como um mestre em fazer subornos. Mas ainda não é claro se o departamento de conformidade fez vista grossa a essas evidências, pois os relatórios de “due dilligence” do Credit Suisse devem ser feitos e mantidos pela equipa do “compliance”. Num outro exemplo, a equipa de negócios do Credit Suisse contratou uma firma externa para conduzir uma “due dilligence” a uma lista proposta de nomes para o Conselho de Administração da Proindicus. Quando os auditores externos souberam que um dos nomes não era recomendável, eles foram substituídos. Uma nova equipa de auditoria acabou aprovando o nome não recomendável, que foi depois sancionado por um departamento relevante do Credit Suisse. “Para esconder o esquema fraudulento e evitar o escrutínio”, os três banqueiros também removeram algumas das condições associadas ao empréstimo. Uma das supressões cruciais era que o ProcuradorGeral da República precisava confirmar que a garantia do governo era válida. Foi Boustani quem achou essa ideia perigosa. Num email de 18 de Fevereiro de 2013, dirigido a Subeva, ele disse o seguinte: “Acredito que isso (envolver o PGR) não será aceite pela Proindicus, pois ela quer contornar procedimentos burocráticos públicos e normais desde o primeiro dia, e por isso criaram uma entidade privada. Eles nunca aceitarão informar ao Procurador-Geral”. A exigência foi removida pelos banqueiros e o empréstimo foi assinado. Os banqueiros também removeram a condição de que o FMI precisava ser informado sobre o empréstimo. O FMI, que prestava ajuda financeira ao governo, só descobriu o empréstimo em 2016. O Credit Suisse reteve 44 milhões de USD em taxas pelo primeiro valor do empréstimo. [Nota: Não é explicitamente declarado se todas as taxas foram para o banco ou se foram divididas com outros escritórios de advocacia, etc.) A Privinvest usou então parte do empréstimo para pagar subornos a Pearse. Em Abril de 2013, Pearse abriu uma conta bancária em Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos. Nos 14 meses seguintes, “a Privinvest encaminhou pagamentos de suborno de mais de US 45 milhões de USD” para a conta bancária de Pearse nos Emirados Árabes Unidos. A maioria dos 14 pagamentos foi em parcelas exactas de 1 milhão de USD e foi registada como “pagamento parcial de um contrato de consultoria”. Um dos maiores pagamentos, cerca de 15,6 milhões de USD, foi declarado como “pagamento de dividendos”. A acusação alega que Pearse transferiu 2,2 milhões de USD para outra conta bancária nos EAU, em nome de Subeva. O investimento EMATUM De acordo com o libelo acusatório, eis as datas mais relevantes para a Ematum: Agosto de 2013: a EMATUM celebrou um contrato com a Privinvest para comprar embarcações, equipamentos e formação. Valor do contrato: 785 milhões de USD. Agosto de 2013: o Credit Suisse concordou em providenciar o empréstimo, desde que ele fosse blindado por uma garantia do governo. Valor: 850 milhões de USD. De acordo com a acusação, “uma parte significativa dos fundos adicionais seria canalizada para a Privinvest e depois desviada, tendo servido para fazer pagamentos adicionais, pagar lucros inflaccionados e evitar a descoberta do esquema fraudulento dos coconspiradores. Setembro de 2013: O Credit Suisse concordou em 6 emprestar apenas 500 milhões de USD à EMATUM, de modo que a empresa teve de comprar outros 350 milhões de USD à VTB Capital. Em Julho de 2013, Pearse anunciou a sua renúncia. Ele ficaria até Setembro. No entanto, na mesma época, o banco colocou Detelina Subeva sob licença. Um mês depois, em Agosto, ela foi demitida. (Nota: a acusação não diz quase nada sobre o que motivou a renúncia de Pearse ou a demissão de Subeva). No entanto, nos bastidores, Pearse e Subeva estavam já a trabalhar em conjunto no seu derradeiro “deal”: o acordo EMATUM. Emails obtidos pelo Departamento de Justiça dos EUA mostram que, durante Julho de 2013, os executivos séniores dos bancos estavam em comunicação com Boustani, usando suas contas de email pessoais. Num dos emails, Pearse enviou a Boustani uma proposta para desenvolver uma frota de embarcações de pesca de atum. Email: 4 de Julho de 2013, Boustani responde a Pearse dizendo que um dos acusados não nomeados iria “seguir em frente em todas as sugestões necessárias para maximizar o tamanho do financiamento”. Em finais de Julho de 2013, o plano EMATUM já estava em vigor. O projecto, de acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, foi concebido para satisfazer a ganância de algumas pessoas em vez de satisfazer as necessidades legítimas da EMATUM. Email: 21 de Julho de 2013, Boustani escreve a Pearse e Subeva: “vamos para 800 milhões de USD, então mantemos uma margem para o pagamento de juros da Proindicus no próximo ano”. [Nota: isto sugere que o financiamento da EMATUM seria usado para fazer pagamentos de juros da Proindicus]. Embora Pearse e Subeva ainda tivessem alguma ligação com o Credit Suisse, eles agora estavam a jogar dos dois lados da cerca. Para esconder o seu envolvimento externo na negociação da EMATUM, eles usaram contas de email pessoais e também alertaram os executivos da EMATUM para removerem os documentos e emails que poderiam sugerir o seu envolvimento do outro lado da cerca. Email: 27 de Julho de 2013, Pearse para Boustani (com CC para Subeva): “Por favor, não encaminhe apenas os emails. Crie novos emails e anexe os documentos. É muito sensível os nossos nomes envolvidos.” Email: 27 de Julho de 2013, Pearse para Subeva: “Se entrares nas propriedades de cada documento, ele vai mostrar quem é o autor. Podes excluir esses dados e reenviar? Email: 27 de Julho de 2013, Subeva para Pearse: “Tenho a certeza que Surj [Singh] pode sanear o pior e apagar o autor.” Email: 31 de Julho de 2013, Pearse para Boustani e Subeva: “Pessoal, abaixo está o argumento que eu acho que nós (ou melhor, o Mutuário) deveríamos apresentar ao Credit Suisse na semana que vem, para explicar porque a Privinvest ganhou o contrato sem concurso. Os patrocinadores do Mutuário (ou seja, os vários ministérios, mas principalmente o SISE), a pedido do presidente, enviarem propostas (de cotações) a 4 estaleiros [precisamos ter nomes] para o fabrico de uma frota. Não havia a necessidade legal de ter um concurso público, uma vez que as regras de contratação não se aplicam a empresas privadas, mas, mesmo assim, procuraram várias propostas. APENAS A ADM [entidade da Privinvest] respondeu com o pacote completo e ofereceu uma solução integrada com vigilância de pesca, centro de comando e barcos”. Email: 31 de Julho de 2013, Boustani responde a Pearse e Subeva. “Digam que eles entraram em contato com estaleiros sul-africanos, espanhol e português. Sem nomear. O libelo da justiça americana acusa Singh de fabricar “informações falsas sobre propostas num memorando que escreveu e enviou ao Credit Suisse em Agosto de 2013 para obter a aprovação do empréstimo EMATUM, afirmando falsamente que a proposta da Privinvest foi considerada a mais competitiva em comparação com as licitações de outras três empresas internacionais”. Email: 4 de Agosto de 2013, Subeva escreve a Boustani: 7 “Lembrar para não mencionar Andrew [Pearse] e a mim à equipe! Eles não podem saber que estamos envolvidos neste projecto!!! Se houver um deslize...”. O empréstimo foi assinado no final de Agosto de 2013. Os investidores foram informados que o dinheiro seria usado para “a compra de infraestrutura de pesca, composta por 27 navios, um centro de operações e treinamento relacionado”. Apesar das projecções de que a EMATUM geraria receitas anuais de pesca de aproximadamente 224 milhões de USD até Dezembro de 2016, praticamente não gerou receita e, por volta do final de 2017, não realizou operações de pesca. A EMATUM ficou incapaz de efectuar o pagamento de financiamento com vencimento em/ou perto de 18 de janeiro de 2017. Singh também recebeu subornos. Em 20 de Outubro de 2013, Pearse enviou os detalhes da conta bancária de Singh para Boustani. Referindo-se a Singh como “tio”, Pearse disse: “se pudermos fazer alguma coisa nesta semana, ele agradeceria”. Email: 20 de outubro de 2013, de Pearse para Boustani: “Tio... Surjan. Total de 4. ” Nos quatro meses seguintes, a Privinvest transferiu 4,49 milhões de USD para a conta bancária de Singh. A maioria dos pagamentos foi de parcelas de 800.000 em USD e usou a referência de pagamento de “contrato de consultoria”. Em 8 de Abril de 2014, Boustani enviou um email com uma planilha com todos os subornos pagos pelos negócios da Proindicus e EMATUM, declarando que a Privinvest havia pago “125 milhões de USD para todos por tudo”. A planilha incluía 3 ou 7 milhões de USD para Chang. De acordo com a acusação, num esforço para esconder a natureza ilícita destes pagamentos, o réu, os arguidos Jean Boustani [e outros acusados anónimos] usaram entidades de terceiros e fabricaram facturas para distribuir dinheiro a funcionários do Governo Moçambicano”. Email: 17 de Outubro de 2013: Boustani escreve para um acusado sem nome: “Eu preciso de facturas mais cedo em nome de: Logistics International Abu Dhabi [uma empresa relacionada à Privinvest]. Facturas para tudo meu irmão. Cada uma mencionando o assunto (compra de imóveis, etc, etc...). Mesmo para Chang, um pequeno papel que diz “honorários de consultoria”. O investimento do MAM Maio de 2014: MAM e Privinvest assinaram um contrato para “construir um estaleiro, fornecer embarcações navais adicionais e actualizar duas instalações existentes para atender a Proindicus e navios EMATUM”. Valor do contrato: 500 milhões de USD. Uma planilha obtida pela justiça federal dos EUA parece mostrar que a Privinvest pagou subornos para garantir o contrato, incluindo 5 milhões de USD para Chang, 918.000 de USD para o co-conspirador 2 de Moçambique (o parente) e 1,8 milhão de USD para o co-conspirador 3 (o oficial sénior). A MAM projectou que faria 63 milhões de USD em receita operacional até ao final do seu primeiro ano. Em vez disso, praticamente não gerou receita e deixou de pagar os seus empréstimos em Maio de 2016. Em 2015, as três empresas públicas moçambicanas estavam em apuros. Tinham acumulado 2 bilhões de USD em empréstimos e tinham pouca, ou nenhuma, maneira de fazer pagamentos. Mais ou menos nessa época, o FMI também começou a fazer perguntas sobre o destino das receitas dos empréstimos. (O FMI provavelmente sabia sobre os empréstimos, mas não sobre as garantias do governo). Para prolongar o esquema, Boustani, Pearse, Subeva e outros elaboraram um plano: o Governo Moçambicano deveria emitir Eurobonds, que seriam trocados por notas EMATUM secretamente inúteis. O governo concordou e contratou o Credit Suisse e o VTB para executar a transação. A Palomar, representada por Pearse e Subeva, foi contratada para actuar como conselheira. O que as três entidades não conseguiram dizer aos investidores foi que o Governo de Moçambique tinha uma crise da dívida iminente graças aos empréstimos da Proindicus e da MAM com esses mesmos bancos e pessoas individuais os tinham vendido. Quando todo o castelo de cartas, inevitavelmente, entrou 8 em colapso as Eurobonds, apoiadas por garantias do governo, revelaram-se inúteis. Um mês após a troca ter sido feita, todas as três empresas estatais deixaram de pagar os seus empréstimos. Um ano depois eles entraram em default novamente. Estima-se que Boustani tenha recebido 15 milhões de USD do esquema fraudulento da Privinvest. Pearse recebeu 45 milhões, Singh 4,5 milhões e Subeva 2,2 milhões de USD. A acusação fornece poucas informações sobre o banco russo VTB e sua filial em Londres. Os negócios foram inicialmente acordados entre a Privinvest e o Credit Suisse. A VTB veio depois, adicionando dinheiro aos empréstimos Proindicus e Ematum. No terceiro empréstimo à Mozambique Asset Management, o Credit Suisse já não estava envolvido e o empréstimo era apenas da VTB. No entanto, a acusação tem pouca informação sobre o VTB e nenhum indivíduo do VTB parece estar sendo perseguido. Conclusões O endividamento oculto foi um massivo acto de corrupção gerado externamente. Um grupo privado de “investidores” baseado em Abu Dhabi contactou altos quadros do governo “vendendo” a ideia da urgência de investimento na protecção costeira. Era um isco. A elite política local engoliu o anzol. Com a descoberta do gás do Rovuma e as rendas com as mais-valias da transacção de capital no sector mineral e de hidrocarbonetos, as elites no governo alimentaram a percepção de que o Estado estava financeiramente capaz de contrair dívida comercial de altos montantes. Jean Boustany encontrou como se suspeita em António Carlos Rosário o homem certo para convencer as elites no governo a comprarem a ideia. Houve um pedido inicial de uma “taxa de sucesso” de 50 milhões de USD. A taxa de sucesso serviria para desencadear a vontade política. Esse pedido foi feito alegadamente por Rosário. Bostany e sua turma da Privinvest aceitaram pagar. O libelo acusatório não é claro sobre o destino desses 50 milhões de USD iniciais, mas por diversas vezes refere que houve suborno a muitos altos quadros do Estado. Quem são esses quadros? Serão os que aparecem encobertos na acusação ou existem outros? Como foram repartidos os 50 milhões de USD iniciais. Mas o facto de o projecto inicial da Proindicus ter avançado demonstra que a compra da “vontade política” ao mais alto nível foi conseguida. O libelo não assume categoricamente que Armando Guebuza recebeu subornos mas há referências circunstanciais que apontam que ele foi contactado logo no início do projecto. Essa clarificação vai ser feita quando a justiça americana conseguir a custódia dos restantes acusados. Para o CIP, é necessário que a justiça americana aja com urgência para que a responsabilização criminal seja feita e Moçambique saia do actual bloqueio orçamental. Uma ideia com que se fica depois de várias leituras exaustivas do documento é a de que, uma vez que a “vontade política” já tinha sido comprada, altos funcionários do governo envolvidos no esquema agiram sob a noção de que tinham toda a cobertura para tomar decisões ilegais e ilegítimas para vender projectos sem viabilidade assegurada e altamente prejudiciais para a economia. E, para que o assunto ficasse escondido num círculo restrito de pessoas, subornos foram pagos a uma lista extensa de quadros do Estado. E com a noção de uma vontade política comprada ao mais alto nível, Rosário, Chang, Teófilo Nhangumele e outros quadros sérios da administração pública e influentes membros da elite deram largas à sua ambição de enriquecer ilicitamente. Chang sabia que estava a ultrapassar os limites da prudência, mas mesmo assim não parou. O julgamento de Boustany, Chang e companhia vai ser fundamental para se compreender quem foram os restantes beneficiários do esquema. Mas uma coisa ficou demonstrada: a vulnerabilidade dos mecanismos de controlo interno e “compliance” do Credit Suisse, o que permitiu que o banco emprestasse dinheiro sem efectuar as obrigatórias diligências de conformidade. Ou seja, este endividamento oculto teria sido evitado 9 se o Credit Suisse se tivesse portado como um banco sério, o que não ocorreu. Pese embora aja espaço para a presunção de inocência dos acusados, esta situação coloca novas questões para o debate à volta da dívida oculta. Os dados mostram e confirmam aquilo que sempre dissemos: que a dívida era ilegal e por isso os moçambicanos não devem pagar por ela. O Credit Suisse agiu corruptamente, ganhando comissões astronómicas na concessão de empréstimos com taxas de juro elevadíssimas e, por isso, deve abdicar de continuar a exigir que Moçambique pague uma dívida perversa. As evidências colhidas pela justiça americana são suficientes para que o governo declare de uma vez por todas que esta dívida oculta é impagável. E também o Conselho Constitucional que foi demandado para o efeito, deve-se pronunciar. Quem deve pagar a dívida é o Credit Suisse, os moçambicanos que beneficiaram do esquema e os estrangeiros que participaram no calote, incluindo Iskander Safa, um dos donos da Privinvest, que posou para a fotografia publicamente com Armando Guebuza na altura como presidente da República de Moçambique e François Hollande, antigo presidente francês num estaleiro de fabrico de barcos na França.

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