Introdução
O documento acusatório contra o antigo Ministro
das Finanças, Manuel Chang, e quatro outras figuras
já visadas pela justiça americana, nomeadamente
três ex-bancários do Credit Suisse e um gestor sénior
do grupo Privinvest, de Abu Dhabi, mostra detalhes
sórdidos de uma conspiração montada para defraudar
o Estado.
O documento explica, em vários momentos : i) como
foi feita a “venda” da ideia de um projecto de grande
investimento na protecção costeira de Moçambique,
mostrando elementos sobre a compra da “vontade
política” para se ganhar a aprovação do projecto; ii)
a artimanha corrupta para assegurar as garantias
ilegais do governo para o projecto Proindicus; iii) a
conspiração para se contornar os procedimentos de
controlo interno do Credit Suisse e iv) a conspiração
para se modificar as condições dos empréstimos da
Proindicus.
As Entidades Principais moçambicanas referidas no
documento são a Proindicus, a EMATUM e a MAM.
Todas as três foram formadas para levarem a cabo
projectos marítimos especificamente, a Proindicus
para fazer vigilância costeira, a EMATUM para pesca de
atum e a MAM para construir estaleiros navais e fazer
manutenção de embarcações.
Para além de Manuel Chang (que recebeu 5
milhões de USD) na operação Proindicus, o CIP
tem informação que os outros dois acusados de
nacionalidade moçambicana são António Carlos de
Rosário e Teofilo Nhangumele que foi o individuo
que apresentou o projecto ao Governo no ano
de 2011. O documento cita três co-conspiradores
moçambicanos. Depois de uma aturada investigação,
o CIP está em condições de suspeitar das suas
identidades (atendendo as funções públicas que
desempenham/desempenhavam e que são descritas
no libelo acusatório), nos seguintes termos:
Um funcionário do Estado que procurou a aprovação
do Governo para o projecto Proindicus, o CIP ainda
não conseguiu apurar a possível identidade do
conspirador 1.
1. Um parente de um alto funcionário em Moçambique,
que recebeu 9,7 milhões de USD. Ainda não
conseguimos apurar a sua possível identidade
2. Um alto funcionário do Ministério das Finanças
de Moçambique, que já foi director da EMATUM.
2
(Suspeitamos que seja Henrique Gamito ou Isaltina
Lucas Sales). Os dois tiveram funções de relevo tanto
na EMATUM como no Ministério do Plano e Finanças.
A acusação americana diz que este co-conspirador
recebeu 2 milhões de USD.
As entidades estrangeiras visadas no documento
acusatório são o Privinvest Group, uma holding de
Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos (EAU), composta
por várias subsidiárias (colectivamente, “Privinvest”),
incluindo Privinvest Shipbuilding SAL, Abu Dhabi MAR
(“ADM”), Logistics International e Palomar Capital
Advisors e Palomar Holdings Ltd. (colectivamente,
“Palomar”). Há também três pessoas implicadas,
ligadas à Privinvest, nomeadamente: Jean Boustani, o
principal negociador da Privinvest. O co-conspirador
1 da Privinvest foi contratado pela Privinvest para
desenvolver negócios em países africanos, através de
conexões com funcionários governamentais e o coconspirador 2 da Privinvest, que suspeitamos que seja
Iskandar Safa.
Há também o Banco de Investimento 1, o Credit Suisse
(CS) e o Banco de Investimento 2, o russo VTB Capital
(VTB). Os três antigos funcionários bancários do Credit
Suisse acusados são: Andrew Pearse, de nacionalidade
neozelandesa, ex-director executivo do banco Credit
Suisse e chefe do Global Financing Group da CS;
Surjan Singh, nacionalidade britânica, o antigo director
do Global Financing Group da CS e Deletina Subeva,
nacionalidade búlgara, vice-presidente do Global
Financing Group.
Para o benefício do grande público moçambicano,
o CIP recupera, com base na acusação, alguns dos
elementos marcantes de uma conspiração que
originou uma crise sem precedentes na economia
moçambicana e na vida dos moçambicanos.
Síntese
Entre 2013 e 2016, a Proindicus, a EMATUM e o MAM
obtiveram, em conjunto, pouco mais de 2 bilhões de
USD em empréstimos. O dinheiro era de investidores
estrangeiros (incluindo investidores americanos)
e foi contratado pelo banco Credit Suisse e pelo
banco russo VTB. Os empréstimos foram garantidos
pelo Governo Moçambicano, embora as garantias
não tenham sido divulgadas publicamente (nem
aprovadas pela Assembleia da República, quando o
“golpe” foi descoberto). A alegação central é a de que
as três empresas defraudaram os investidores porque
faltaram a verdade sobre o destino real dos fundos,
que acabaram sendo usados para pagar subornos
a funcionários do governo local e do banco Credit
Suisse. Cada uma das três empresas estatais contratou
a Privinvest para realizar projectos marítimos.
Os três bancários do Credit Suisse faziam parte da
“equipa de negociação” (Deal Team) do projecto
Proindicus. Surjan Singh fazia também parte da
“equipa de negócios” do projecto EMATUM. De
acordo com o documento indiciário, os acusados
criaram os projectos marítimos como um ardil para
enriquecimento ilícito. Desviaram parte dos recursos
da dívida para pagar pelo menos 200 milhões de
USD em subornos e propinas a si mesmos e a
funcionários do Governo Moçambicano. A Privinvest
cobrava preços inflaccionados pelos equipamentos e
serviços que fornecia e os valores foram usados, pelo
menos em parte, para pagar subornos e propinas. E
a Proindicus, a Ematum e a MAM nunca levantaram
voo.
3
O investimento na Proindicus
Janeiro de 2013: a Proindicus celebrou um contrato
com a Privinvest para “fornecer materiais e treinamento
para proteger as águas territoriais de Moçambique”.
Valor do contrato: 366 milhões de USD.
Fevereiro de 2013: O banco Credit Suisse concordou
em arranjar um empréstimo sindicado para a
Proindicus, mas devia ter a garantia do Governo de
Moçambique. Valor do empréstimo: 372 milhões de
USD.
Singh assinou o contrato de empréstimo em nome do
Credit Suisse, António Rosário terá assinado em nome
da Proindicus e Manuel Chang assinou a garantia do
governo.
Junho - Agosto de 2013: o Credit Suisse aumentou
o empréstimo da Proindicus em 132 milhões de USD.
Novembro 2013: o VTB concedeu outro empréstimo
à Proindicus na ordem dos 118 milhões de USD. O
empréstimo total atingiu os 622 milhões de USD.
Mas, de acordo com a acusação, “a Proindicus nunca
realizou operações significativas, não gerou receitas e
não cumpriu com o primeiro reembolso de juros e
capital aprazado para 21 de Março de 2017”.
A montagem do esquema do
suborno inicial:
A partir de 2011, Boustani e um dos acusados não
identificados (que se suspeita ser António Carlos
Rosário) tentaram convencer funcionários do
Governo moçambicano a estabelecer um sistema de
monitoramento costeiro por meio de um contrato
com a Privinvest. Imediatamente, Boustani e António
Rosário e Teofilo Nhangumele negociaram a primeira
tranche de pagamento de suborno e propinas que a
Privinvest teria que fazer em benefício dos funcionários
do Governo moçambicano (não identificados nos
autos), para que o projecto fosse aprovado.
Eis a troca de emails entre as principais figuras:
Email de 11 de Novembro de 2011, suspeitando-se
que seja Rosário, enviado para Boustani:
“Para garantir que o projecto seja aprovado pelo Chefe
de Estado, um pagamento tem que ser acordado
antes de chegarmos ao objectivo final (...). Quaisquer
pagamentos adiantados antes do projecto, poderão
ser recuperados”.
Email de 11 de Novembro de 2011, de Boustani em
resposta ao anterior: “uma questão muito importante
que precisa ser clara: tivemos várias experiências
negativas na África. Especialmente relacionadas com
pagamentos de ´taxas de sucesso´. Portanto, temos
uma política rígida no grupo, de não desembolsar
nenhuma ‘taxa de sucesso’ antes da assinatura do
contrato do projecto”.
E-mail: 14 de Novembro de 2011, supostamente de
Rosário, em resposta a Boustani:
“Fabuloso, eu concordo consigo em princípio. Mas
vamos olhar para o projecto em dois momentos
distintos. O primeiro momento é o de massagear o
sistema e obter a vontade política de avançar com o
projecto. O segundo momento é a implementação/
execução do projecto. Concordo consigo que
qualquer dinheiro só pode ser pago após a assinatura
do projecto. Isso deve ser tratado separadamente
da implementação do projecto...porque para a
implementação do projecto, haverá outros jogadores
cujo interesse terá que ser cuidado, como por exemplo
o Ministério da Defesa, o Ministério do Interior, a Força
Aérea, etc. ... em governos democráticos como o
nosso, as pessoas vêm e vão...e todos os envolvidos
vão querer ter a sua parte do negócio no momento
em que estão no poder. Uma vez fora do poder, já será
difícil. Por isso é importante que a ‘taxa de sucesso’ de
assinatura do contrato seja acordada e paga de uma
só vez, após a assinatura do contrato.”
Email: 28 de Dezembro de 2011, supostamente do
Rosário para Boustani:
“Bom irmão. Eu consultei e por favor coloque 50
milhões de frangos. Quaisquer que sejam os números
que você tenha na sua capoeira, acrescenta 50 milhões
4
da minha raça”:
[Interpretação do Departamento de Justiça: 50
milhões de USD seriam pagos em propinas a
funcionários do Governo moçambicano e outros 12
milhões de USD seriam pagos aos co-conspiradores
da Privinvest.]
Email: 28 de Dezembro de 2011, Boustani para o
pessoal da Privinvest:
“50M para eles e 12M para [Privinvest co-conspirator 1]
(5%) ==> total de 62M no topo.”
Entretanto, levou mais de um ano para que o contrato
entre a Proindicus e a Privinvest fosse negociado e
assinado. Cinco dias após a assinatura do contrato,
Boustani instruiu um banco nos Emirados Árabes
Unidos que, assim que a Privinvest recebesse um
pagamento mínimo de 317 milhões de USD dois
pagamentos deveriam ser feitos: 5,1 milhões de
USD para um dos acusados e 5,1 milhões para o coconspirador 1 de Moçambique. O banco também foi
instruído a pagar a cada um deles outros 3,4 milhões
de USD numa data posterior.
Negociações para a contratação
da dívida e aparição de Manuel
Chang
As negociações para a contratação da dívida
começaram a ter lugar em Setembro de 2012. Boustani
abordou o banco Credit Suisse para providenciar o
empréstimo. Nesse mesmo mês de Setembro de 2012,
Andrew Pearse voou para os Emirados Árabes Unidos
para se encontrar com Boustani, António Rosário e um
familiar próximo de um alto funcionário do Governo
moçambicano entre outros. [Nota: o empréstimo foi
desencadeado pelo fornecedor e não pelo cliente.
Por outro lado, tinha de ficar claro nesse encontro
que o crédito tinha de ter garantia do Governo de
Moçambique.
No encontro, Boustani e um co-acusado não
identificado mencionaram o nome de Manuel Chang,
dando a entender que já tinham abordado o então
Ministro das Finanças para tratar de assinar a garantia.
Dias depois, Chang escreveu uma carta a um executivo
da Privinvest dizendo que o FMI impusera certas
limitações a Moçambique, nomeadamente a de que
os projectos comerciais só poderiam ser financiados
por crédito comercial. Para contornar essa limitação,
Chang sugeriu que se criasse um SPV (Special Purpose
Vehicle, uma sociedade de propósito específico, cuja
actividade é bastante restrita, podendo em alguns
casos ter um prazo de existência determinado,
normalmente utilizada para isolar o risco financeiro da
actividade desenvolvida).
Em Fevereiro de 2013, Chang viria a assinar a garantia
do governo para o empréstimo, tendo recebido por
isso pelo menos 5 milhões de USD em subornos feitos
a partir de uma conta bancária nos Emirados Árabes
Unidos para uma conta bancária na Espanha. O
pagamento foi encaminhado por bancos americanos,
como todos os pagamentos em USD.
Os bancários do Credit Suisse
O departamento de “compliance” do Credit Suisse
identificou sinais suspeitos de corrupção no início
do acordo com a Proindicus. Um dos alertas foi que
não tinha havido um concurso público na escolha
do fornecedor. Em resposta a uma pergunta dos
bancários do Credit Suisse sobre se tinha havido um
concurso, Boustani disse que o contrato “não resultou
de uma oferta competitiva mas foi um esquema “entre
a Privinvest e o Governo moçambicano”. O banco não
fez nada para impedir que o processo avançasse, aliás,
seus funcionários relevantes já estavam a entrar no
esquema.
Também foram identificadas suspeitas de corrupção
envolvendo o co-conspirador 2 da Privinvest (o
executivo, que nós identificamos como Iskandar
Safa). Um funcionário do Credit Suisse disse a Surjan
Singh que o conspirador 2 da Privinvest já havia sido
identificado como “um cliente indesejável” pelo banco.
O funcionário sustentou essa alegação com cerca de
10 artigos de notícias sugerindo links para corrupção
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envolvendo a pessoa.
Os três banqueiros são acusados de esconder
informações cruciais que deviam ser partilhadas com
o “compliance”. Por exemplo, a equipa de negociação
consultou um executivo sénior do Credit Suisse sobre
se o negócio da Proindicus tinha pernas para andar. O
executivo disse “não” à combinação de Moçambique e
seu amigo [o co-conspirador do Privinvest 2, Iskandar
Safa]. Mas Pearse, que já estava metido no esquema,
disse a um colega: “então precisamos de estruturálo fora do quadro”. Na verdade, o próprio relatório de
“due diligence” da Credit Suisse relativamente a este
negócio tinha descrito Safa como um mestre em fazer
subornos. Mas ainda não é claro se o departamento de
conformidade fez vista grossa a essas evidências, pois
os relatórios de “due dilligence” do Credit Suisse devem
ser feitos e mantidos pela equipa do “compliance”.
Num outro exemplo, a equipa de negócios do Credit
Suisse contratou uma firma externa para conduzir uma
“due dilligence” a uma lista proposta de nomes para
o Conselho de Administração da Proindicus. Quando
os auditores externos souberam que um dos nomes
não era recomendável, eles foram substituídos. Uma
nova equipa de auditoria acabou aprovando o nome
não recomendável, que foi depois sancionado por um
departamento relevante do Credit Suisse.
“Para esconder o esquema fraudulento e evitar o
escrutínio”, os três banqueiros também removeram
algumas das condições associadas ao empréstimo.
Uma das supressões cruciais era que o ProcuradorGeral da República precisava confirmar que a garantia
do governo era válida.
Foi Boustani quem achou essa ideia perigosa. Num
email de 18 de Fevereiro de 2013, dirigido a Subeva,
ele disse o seguinte: “Acredito que isso (envolver o
PGR) não será aceite pela Proindicus, pois ela quer
contornar procedimentos burocráticos públicos e
normais desde o primeiro dia, e por isso criaram
uma entidade privada. Eles nunca aceitarão informar
ao Procurador-Geral”. A exigência foi removida
pelos banqueiros e o empréstimo foi assinado. Os
banqueiros também removeram a condição de que
o FMI precisava ser informado sobre o empréstimo.
O FMI, que prestava ajuda financeira ao governo, só
descobriu o empréstimo em 2016. O Credit Suisse
reteve 44 milhões de USD em taxas pelo primeiro
valor do empréstimo. [Nota: Não é explicitamente
declarado se todas as taxas foram para o banco ou se
foram divididas com outros escritórios de advocacia,
etc.) A Privinvest usou então parte do empréstimo
para pagar subornos a Pearse.
Em Abril de 2013, Pearse abriu uma conta bancária em
Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos. Nos 14 meses
seguintes, “a Privinvest encaminhou pagamentos de
suborno de mais de US 45 milhões de USD” para a
conta bancária de Pearse nos Emirados Árabes Unidos.
A maioria dos 14 pagamentos foi em parcelas exactas
de 1 milhão de USD e foi registada como “pagamento
parcial de um contrato de consultoria”. Um dos
maiores pagamentos, cerca de 15,6 milhões de USD,
foi declarado como “pagamento de dividendos”. A
acusação alega que Pearse transferiu 2,2 milhões de
USD para outra conta bancária nos EAU, em nome de
Subeva.
O investimento EMATUM
De acordo com o libelo acusatório, eis as datas mais
relevantes para a Ematum:
Agosto de 2013: a EMATUM celebrou um contrato com
a Privinvest para comprar embarcações, equipamentos
e formação. Valor do contrato: 785 milhões de USD.
Agosto de 2013: o Credit Suisse concordou em
providenciar o empréstimo, desde que ele fosse
blindado por uma garantia do governo. Valor: 850
milhões de USD.
De acordo com a acusação, “uma parte significativa
dos fundos adicionais seria canalizada para a
Privinvest e depois desviada, tendo servido para fazer
pagamentos adicionais, pagar lucros inflaccionados e
evitar a descoberta do esquema fraudulento dos coconspiradores.
Setembro de 2013: O Credit Suisse concordou em
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emprestar apenas 500 milhões de USD à EMATUM,
de modo que a empresa teve de comprar outros 350
milhões de USD à VTB Capital.
Em Julho de 2013, Pearse anunciou a sua renúncia. Ele
ficaria até Setembro. No entanto, na mesma época, o
banco colocou Detelina Subeva sob licença. Um mês
depois, em Agosto, ela foi demitida. (Nota: a acusação
não diz quase nada sobre o que motivou a renúncia
de Pearse ou a demissão de Subeva).
No entanto, nos bastidores, Pearse e Subeva estavam
já a trabalhar em conjunto no seu derradeiro “deal”: o
acordo EMATUM.
Emails obtidos pelo Departamento de Justiça dos EUA
mostram que, durante Julho de 2013, os executivos
séniores dos bancos estavam em comunicação com
Boustani, usando suas contas de email pessoais. Num
dos emails, Pearse enviou a Boustani uma proposta
para desenvolver uma frota de embarcações de pesca
de atum.
Email: 4 de Julho de 2013, Boustani responde a Pearse
dizendo que um dos acusados não nomeados iria
“seguir em frente em todas as sugestões necessárias
para maximizar o tamanho do financiamento”. Em
finais de Julho de 2013, o plano EMATUM já estava
em vigor. O projecto, de acordo com o Departamento
de Justiça dos EUA, foi concebido para satisfazer a
ganância de algumas pessoas em vez de satisfazer as
necessidades legítimas da EMATUM.
Email: 21 de Julho de 2013, Boustani escreve a Pearse
e Subeva: “vamos para 800 milhões de USD, então
mantemos uma margem para o pagamento de juros
da Proindicus no próximo ano”. [Nota: isto sugere que
o financiamento da EMATUM seria usado para fazer
pagamentos de juros da Proindicus].
Embora Pearse e Subeva ainda tivessem alguma
ligação com o Credit Suisse, eles agora estavam a
jogar dos dois lados da cerca. Para esconder o seu
envolvimento externo na negociação da EMATUM,
eles usaram contas de email pessoais e também
alertaram os executivos da EMATUM para removerem
os documentos e emails que poderiam sugerir o seu
envolvimento do outro lado da cerca.
Email: 27 de Julho de 2013, Pearse para Boustani (com
CC para Subeva): “Por favor, não encaminhe apenas os
emails. Crie novos emails e anexe os documentos. É
muito sensível os nossos nomes envolvidos.”
Email: 27 de Julho de 2013, Pearse para Subeva: “Se
entrares nas propriedades de cada documento, ele vai
mostrar quem é o autor. Podes excluir esses dados e
reenviar?
Email: 27 de Julho de 2013, Subeva para Pearse: “Tenho
a certeza que Surj [Singh] pode sanear o pior e apagar
o autor.”
Email: 31 de Julho de 2013, Pearse para Boustani e
Subeva: “Pessoal, abaixo está o argumento que eu
acho que nós (ou melhor, o Mutuário) deveríamos
apresentar ao Credit Suisse na semana que vem,
para explicar porque a Privinvest ganhou o contrato
sem concurso. Os patrocinadores do Mutuário (ou
seja, os vários ministérios, mas principalmente o
SISE), a pedido do presidente, enviarem propostas (de
cotações) a 4 estaleiros [precisamos ter nomes] para
o fabrico de uma frota. Não havia a necessidade legal
de ter um concurso público, uma vez que as regras de
contratação não se aplicam a empresas privadas, mas,
mesmo assim, procuraram várias propostas. APENAS
A ADM [entidade da Privinvest] respondeu com o
pacote completo e ofereceu uma solução integrada
com vigilância de pesca, centro de comando e barcos”.
Email: 31 de Julho de 2013, Boustani responde a
Pearse e Subeva.
“Digam que eles entraram em contato com estaleiros
sul-africanos, espanhol e português. Sem nomear. O
libelo da justiça americana acusa Singh de fabricar
“informações falsas sobre propostas num memorando
que escreveu e enviou ao Credit Suisse em Agosto de
2013 para obter a aprovação do empréstimo EMATUM,
afirmando falsamente que a proposta da Privinvest foi
considerada a mais competitiva em comparação com
as licitações de outras três empresas internacionais”.
Email: 4 de Agosto de 2013, Subeva escreve a Boustani:
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“Lembrar para não mencionar Andrew [Pearse] e a
mim à equipe! Eles não podem saber que estamos
envolvidos neste projecto!!! Se houver um deslize...”.
O empréstimo foi assinado no final de Agosto de 2013.
Os investidores foram informados que o dinheiro
seria usado para “a compra de infraestrutura de pesca,
composta por 27 navios, um centro de operações e
treinamento relacionado”.
Apesar das projecções de que a EMATUM geraria
receitas anuais de pesca de aproximadamente 224
milhões de USD até Dezembro de 2016, praticamente
não gerou receita e, por volta do final de 2017, não
realizou operações de pesca. A EMATUM ficou incapaz
de efectuar o pagamento de financiamento com
vencimento em/ou perto de 18 de janeiro de 2017.
Singh também recebeu subornos. Em 20 de Outubro
de 2013, Pearse enviou os detalhes da conta bancária
de Singh para Boustani. Referindo-se a Singh como
“tio”, Pearse disse: “se pudermos fazer alguma coisa
nesta semana, ele agradeceria”. Email: 20 de outubro
de 2013, de Pearse para Boustani: “Tio... Surjan. Total de
4. ” Nos quatro meses seguintes, a Privinvest transferiu
4,49 milhões de USD para a conta bancária de Singh.
A maioria dos pagamentos foi de parcelas de 800.000
em USD e usou a referência de pagamento de “contrato
de consultoria”.
Em 8 de Abril de 2014, Boustani enviou um email com
uma planilha com todos os subornos pagos pelos
negócios da Proindicus e EMATUM, declarando que a
Privinvest havia pago “125 milhões de USD para todos
por tudo”. A planilha incluía 3 ou 7 milhões de USD
para Chang. De acordo com a acusação, num esforço
para esconder a natureza ilícita destes pagamentos,
o réu, os arguidos Jean Boustani [e outros acusados
anónimos] usaram entidades de terceiros e fabricaram
facturas para distribuir dinheiro a funcionários do
Governo Moçambicano”.
Email: 17 de Outubro de 2013: Boustani escreve para
um acusado sem nome: “Eu preciso de facturas mais
cedo em nome de: Logistics International Abu Dhabi
[uma empresa relacionada à Privinvest]. Facturas para
tudo meu irmão. Cada uma mencionando o assunto
(compra de imóveis, etc, etc...). Mesmo para Chang,
um pequeno papel que diz “honorários de consultoria”.
O investimento do MAM
Maio de 2014: MAM e Privinvest assinaram um
contrato para “construir um estaleiro, fornecer
embarcações navais adicionais e actualizar duas
instalações existentes para atender a Proindicus e
navios EMATUM”. Valor do contrato: 500 milhões de
USD. Uma planilha obtida pela justiça federal dos EUA
parece mostrar que a Privinvest pagou subornos para
garantir o contrato, incluindo 5 milhões de USD para
Chang, 918.000 de USD para o co-conspirador 2 de
Moçambique (o parente) e 1,8 milhão de USD para o
co-conspirador 3 (o oficial sénior).
A MAM projectou que faria 63 milhões de USD em
receita operacional até ao final do seu primeiro ano.
Em vez disso, praticamente não gerou receita e deixou
de pagar os seus empréstimos em Maio de 2016.
Em 2015, as três empresas públicas moçambicanas
estavam em apuros. Tinham acumulado 2 bilhões de
USD em empréstimos e tinham pouca, ou nenhuma,
maneira de fazer pagamentos. Mais ou menos nessa
época, o FMI também começou a fazer perguntas
sobre o destino das receitas dos empréstimos. (O FMI
provavelmente sabia sobre os empréstimos, mas não
sobre as garantias do governo).
Para prolongar o esquema, Boustani, Pearse, Subeva e
outros elaboraram um plano: o Governo Moçambicano
deveria emitir Eurobonds, que seriam trocados por notas
EMATUM secretamente inúteis. O governo concordou
e contratou o Credit Suisse e o VTB para executar
a transação. A Palomar, representada por Pearse e
Subeva, foi contratada para actuar como conselheira.
O que as três entidades não conseguiram dizer aos
investidores foi que o Governo de Moçambique tinha
uma crise da dívida iminente graças aos empréstimos
da Proindicus e da MAM com esses mesmos bancos
e pessoas individuais os tinham vendido. Quando
todo o castelo de cartas, inevitavelmente, entrou
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em colapso as Eurobonds, apoiadas por garantias do
governo, revelaram-se inúteis. Um mês após a troca
ter sido feita, todas as três empresas estatais deixaram
de pagar os seus empréstimos. Um ano depois eles
entraram em default novamente.
Estima-se que Boustani tenha recebido 15 milhões
de USD do esquema fraudulento da Privinvest.
Pearse recebeu 45 milhões, Singh 4,5 milhões e
Subeva 2,2 milhões de USD.
A acusação fornece poucas informações sobre o
banco russo VTB e sua filial em Londres. Os negócios
foram inicialmente acordados entre a Privinvest e o
Credit Suisse. A VTB veio depois, adicionando dinheiro
aos empréstimos Proindicus e Ematum. No terceiro
empréstimo à Mozambique Asset Management, o
Credit Suisse já não estava envolvido e o empréstimo
era apenas da VTB. No entanto, a acusação tem pouca
informação sobre o VTB e nenhum indivíduo do VTB
parece estar sendo perseguido.
Conclusões
O endividamento oculto foi um massivo acto de
corrupção gerado externamente. Um grupo privado
de “investidores” baseado em Abu Dhabi contactou
altos quadros do governo “vendendo” a ideia da
urgência de investimento na protecção costeira. Era
um isco. A elite política local engoliu o anzol. Com
a descoberta do gás do Rovuma e as rendas com
as mais-valias da transacção de capital no sector
mineral e de hidrocarbonetos, as elites no governo
alimentaram a percepção de que o Estado estava
financeiramente capaz de contrair dívida comercial
de altos montantes.
Jean Boustany encontrou como se suspeita em
António Carlos Rosário o homem certo para
convencer as elites no governo a comprarem a ideia.
Houve um pedido inicial de uma “taxa de sucesso” de
50 milhões de USD. A taxa de sucesso serviria para
desencadear a vontade política. Esse pedido foi feito
alegadamente por Rosário. Bostany e sua turma da
Privinvest aceitaram pagar.
O libelo acusatório não é claro sobre o destino desses
50 milhões de USD iniciais, mas por diversas vezes
refere que houve suborno a muitos altos quadros
do Estado. Quem são esses quadros? Serão os que
aparecem encobertos na acusação ou existem
outros? Como foram repartidos os 50 milhões de
USD iniciais. Mas o facto de o projecto inicial da
Proindicus ter avançado demonstra que a compra da
“vontade política” ao mais alto nível foi conseguida.
O libelo não assume categoricamente que Armando
Guebuza recebeu subornos mas há referências
circunstanciais que apontam que ele foi contactado
logo no início do projecto. Essa clarificação vai ser
feita quando a justiça americana conseguir a custódia
dos restantes acusados. Para o CIP, é necessário que
a justiça americana aja com urgência para que a
responsabilização criminal seja feita e Moçambique
saia do actual bloqueio orçamental.
Uma ideia com que se fica depois de várias leituras
exaustivas do documento é a de que, uma vez que
a “vontade política” já tinha sido comprada, altos
funcionários do governo envolvidos no esquema
agiram sob a noção de que tinham toda a cobertura
para tomar decisões ilegais e ilegítimas para vender
projectos sem viabilidade assegurada e altamente
prejudiciais para a economia. E, para que o assunto
ficasse escondido num círculo restrito de pessoas,
subornos foram pagos a uma lista extensa de quadros
do Estado. E com a noção de uma vontade política
comprada ao mais alto nível, Rosário, Chang, Teófilo
Nhangumele e outros quadros sérios da administração
pública e influentes membros da elite deram largas à
sua ambição de enriquecer ilicitamente. Chang sabia
que estava a ultrapassar os limites da prudência, mas
mesmo assim não parou.
O julgamento de Boustany, Chang e companhia vai
ser fundamental para se compreender quem foram os
restantes beneficiários do esquema. Mas uma coisa
ficou demonstrada: a vulnerabilidade dos mecanismos
de controlo interno e “compliance” do Credit Suisse, o
que permitiu que o banco emprestasse dinheiro sem
efectuar as obrigatórias diligências de conformidade.
Ou seja, este endividamento oculto teria sido evitado
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se o Credit Suisse se tivesse portado como um banco
sério, o que não ocorreu.
Pese embora aja espaço para a presunção de inocência
dos acusados, esta situação coloca novas questões
para o debate à volta da dívida oculta. Os dados
mostram e confirmam aquilo que sempre dissemos:
que a dívida era ilegal e por isso os moçambicanos
não devem pagar por ela. O Credit Suisse agiu
corruptamente, ganhando comissões astronómicas
na concessão de empréstimos com taxas de juro
elevadíssimas e, por isso, deve abdicar de continuar
a exigir que Moçambique pague uma dívida perversa.
As evidências colhidas pela justiça americana são
suficientes para que o governo declare de uma vez por
todas que esta dívida oculta é impagável. E também o
Conselho Constitucional que foi demandado para o
efeito, deve-se pronunciar. Quem deve pagar a dívida
é o Credit Suisse, os moçambicanos que beneficiaram
do esquema e os estrangeiros que participaram no
calote, incluindo Iskander Safa, um dos donos da
Privinvest, que posou para a fotografia publicamente
com Armando Guebuza na altura como presidente da
República de Moçambique e François Hollande, antigo
presidente francês num estaleiro de fabrico de barcos
na França.
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