Foi um antigo deputado da Frelimo que disse, durante um debate na magna casa do povo, que uma sociedade que não controla os seus criminosos corre o risco de um dia vir a ser controlada por eles.
Isto foi nos tempos em que na Assembleia da República, mesmo na circunstância das restrições impostas pela disciplina partidária, os deputados gozavam de uma verdadeira liberdade parlamentar, e o parlamento uma casa de robustos debates sobre a vida do país, com uma irrestrita capacidade de confrontar e questionar o executivo.
A sessão em que estas palavras foram pronunciadas debatia sobre mais uma fuga de um dos mais notáveis criminosos da praça, conhecido por Anibalzinho, envolvido na morte do jornalista Carlos Cardoso.
O Ministro do Interior de então, Almerino Manhenje, pretendendo encontrar alguma explicação para a referida fuga, teria sugerido que em todos os países há criminosos que fogem das cadeias.
Hoje, o parlamento, subvertido e transformado numa espécie de notário e caixa de ressonância do executivo, dificilmente faria um debate com a mesma robustez. Mudaram-se os tempos, e, como é óbvio, as vontades também.
Pode ter levado algum tempo para convencer, mas com a prisão de Manuel Chang, no dia 29 de Dezembro de 2018, na África do Sul, e as subsequentes revelações sobre o seu envolvimento no escândalo das dívidas ocultas, será difícil acreditar que a profecia de Teodato Hunguana não se tenha ainda materializado.
Já se torna difícil ignorar o nível de sequestro a que o Estado moçambicano e uma grande parte das suas instituições foram submetidos.
Não só pelos factos materiais que se alegam, mas também por todos os esforços empreendidos para proteger os criminosos, garantir a sua impunidade e ocultar a verdade ao povo. Desde o parlamento que legalizou o que era ilegal, passando pelo Conselho Constitucional que arrastou o pé sobre um pedido de declaração de inconstitucionalidade, até à Procuradoria Geral da República que se mostrou indisponível para ir em busca da verdade, os moçambicanos foram obrigados a viver debaixo de uma mentira que uns, ingenuamente engoliram a seco, enquanto outros, apropriando-se de mais patriotismo que ninguém, defendiam fanaticamente.
A verdade é que não houve projecto nenhum destinado a reforçar a segurança do Estado, como muitas vezes foi dito. Tudo foi um plano diabólico visando ludibriar povo e enriquecer à sua custa e em seu nome.
Se ontem era possível dar-se o benefício da dúvida, considerando que tivesse havido um legítimo projecto integrado de segurança do Estado em que alguns dos intervenientes pretenderam tirar benefícios pessoais, na forma das famosas comissões que se tornaram parte da nossa cultura de serviço público, hoje está mais do que evidente que tudo o que foi feito a favor do Estado foi acidental. O objectivo fundamental de toda esta engrenagem era mesmo para o enriquecimento ilícito. De tal forma que mesmo quando se tornou claro que não havia projecto nenhum em andamento, o dinheiro continuou a fluir livremente entre a Europa, Abu Dhabi e Maputo.
Foi assim que quando se aproximava a data de maturação da primeira prestação do crédito da Proíndicus, e depois de se terem distribuído todo o dinheiro sem terem feito nada, a solução que encontraram foi pedir mais uma garantia soberana de 850 milhões de dólares para criar a EMATUM. Ou seja, a EMATUM nunca foi concebida para a pesca de atum, ou qualquer outra actividade útil para o país. É por isso que nunca foi solicitado o apoio das instituições ligadas ao sector das pescas para a indicação das especificidades técnicas apropriadas para a obtenção da respectiva licença. É por isso que foram adquiridos, a preços altamente inflacionados, barcos inapropriados, hoje em avançado estado de deterioração no porto de Maputo. É por isso que nunca houve um plano de negócios credível para fazer funcionar a empresa, incluindo uma provisão para a aquisição da lula, a principal isca do atum.
Na verdade, hoje ficamos a saber, a EMATUM foi concebida apenas com o intuito de acobertar o escândalo que já estava em marcha. Acto contínuo, a MAM (que pode ser abreviatura de mamar).
A MAM foi supostamente criada para adquirir e reabilitar estaleiros navais para prestar serviços à Proíndicus e à EMATUM. Depois de se distribuírem entre eles os 540 milhões dólares, nenhum estaleiro ficou para contar a história.
Quando se aperceberam que o esquema já era do domínio publico, criaram os esquadrões da morte para intimidar todos os que ousassem falar sobre o assunto, ao mesmo tempo que desactivavam e subvertiam todas as instituições de administração da justiça, para impedir que fossem chamados à responsabilidade.
Esta mega fraude não aconteceu porque os sistemas de controlo falharam.
Ela foi mesmo desenhada para impedir que eles funcionassem. É assim como actua o colarinho branco. O aviso já tinha sido dado há anos.
Mas podemos dizer que temos toda a verdade? Parece que não. É essa outra parte da verdade que precisa de ser esclarecida.
A verdade dói, mas liberta.
SAVANA – 18.01.2019
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