sexta-feira, 17 de março de 2017

“Constituição garante superioridade à Frelimo”, Adriano Nuvunga

Pontos-De-Ordem: Não comecemos pela Lei. Comecemos pela atitude.
De acordo com o Jornal “O Pais”, o Professor Adriano Nuvunga afirma que a “Constituição da República garante superioridade à Frelimo”. Ele disse isso durante uma palestra na Beira, durante a cerimónia de lançamento de um estudo sobre cidadania urbana. Bem, não irei cingir-me sobre todo seu argumento mas apenas neste específico. Quero crer que o que aconteceu foi mesmo um lapsus lunguae (ato falhado ou lapso freudiano ou parapráxis, é um erro na fala, na memória, na escrita ou numa acção física que seria supostamente causada pelo inconsciente). Não consigo ver no seu argumento algo que consubstancia a sua conclusão.
Comecemos assim:
1. O Professor Nuvunga sabe que a FRELIMO que libertou o país não é juridicamente a mesma FRELIMO que hoje dirige o país. Como o Professor bem recorda, o Partido Frelimo nasceu em 1977 na Casa Militar, em Maputo.
2. A Constituição refere-se a Frelimo – MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO – e não ao partido Frelimo.
3. EU próprio recordo-me de ter sido dos poucos cidadãos que levantou o debate da verdadeira idade do partido Frelimo em 2004, apresentando para tal documentos jurídicos válidos. Posso trazê-los de volta havendo necessidade.
Portanto, o que existe não é necessariamente a vantagem concedida pela constituição à Frelimo mas sim o APROVEITAMENTO que a instituição Partido Frelimo faz da história, tirando partido de três factores importantes: Primeiro, a ideia de “continuidade” – que tenta passar ao povo (maioritariamente ignorante e muito atarefado em garantir a sua sobrevivência como seres vivos) - dado a predominância de quase mesma estrutura e actores pertencentes ao anterior movimento de libertação; Segundo, o legado dos dez anos do socialismo falhado, durante o qual o povo moçambicano sofreu os mais duros golpes da violência psicológica, física, verbal e até emocional, aliado à guerra de desestabilização e em terceiro lugar – eu apostaria em levar todos sobrevivente da Guerra à tratamentos pós traumáticos. Em terceiro lugar, uma transição democrática falhada e que enfrenta problemas sérios ao nível da institucionalização dos partidos políticos da oposição, da despartidarização das instituições do estado e por último da ausência dos partidos políticos da oposição nas arenas políticas. Explico isso a seguir esse último nível, só para concluir.
• O discurso político dos partidos políticos e principalmente da Renamo é um discurso de auto-exclusão. Da mesma forma que o discurso da Frelimo puxa para si a autoria da independência de Moçambique, a Renamo insistentemente puxa para si a autoria da democracia multipartidária. Da unidade nacional fica um vazio, preenchido por pessoas não muito relevantes.
• Desde 1992, foram pouquíssimas senão raras as ocasiões em que a Renamo esteve em cerimónias de estado. Para além de Yaqub Sibindy, Mabote, Massango e outros extraparlamentares, participar em cerimónias públicas passou a ser visto como estando ao serviço do regime ou sua marioneta. Eu sei que o protocolo do Estado deve a obrigação de convidar a todos mas que alguns para lá nunca foram (autoexclusão). Ou seja, a teoria de mudança que se cristaliza no seio destes organismos é de que não há nenhuma possibilidade de mudança e democratização senão com a extirpação da Frelimo. No final, todos os partidos políticos nutrem um sentimento de mútua rejeição. E passam esse “veneno” as suas bases, criando um sentimento de desengajamento mesmo quando as condições exigem o contrário.
• Para mim, uma outra história é possível com a socialização dos valores da democracia. Enquanto vivermos uma sociedade polarizada e instrumentalizada pelas ideologias excludentes, dificilmente chegaremos tão cedo ao que pretendemos. Numa eventual vitória da Renamo, se nós não mudarmos hoje, a nova história será por substituição, onde antigos vilões serão heróis e os heróis de hoje os vilões.
Espero ler bem o livro lançado para também pronunciar-me. Quanto ao resto do seu argumento estou plenamente de acordo e saúdo-o pela audácia.
UMA SOCIEDADE SÓ TEM CHANCES DE MELHORAR QUANDO HOMENS DE BEM TIVEREM A MESMA AUDÁCIA A DOS CORRUPTOS.
Não haverá despartidarização nem da história muito menos das instituições se as entidades que por vocação devem agir não o fizerem. Mais do que supor, urge aproveitar o momento de tréguas para nos aproximar, conhecermo-nos bem nas nossas ideias, intenções para com o país e os nossos maiores medos, compartilhar esses medos, receios, discuti-los em públicos para depois escolhermos as melhores ideias, os melhores filhos e as melhores organizações e pô-las ao serviço da nação.
Obrigado.
Os temas que fazem a actualidade Moçambicana e Internacional em várias áreas de interesse. Os destaques do dia.
opais.sapo.mz
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Académico falava durante o lançamento do estudo “Cidadania Urbana”
Na cerimónia de lançamento do estudo “Cidadania Urbana”, Adriano Nuvunga foi convidado para fazer comentários sobre o tema, mas o académico foi muito além. Na sua longa e incisiva intervenção, Nuvunga defendeu que não faz sentido falar-se de uma história da luta de libertação nacional, porque os seus actores continuam a dominar o processo político. Problematizou a Constituição da República, afirmando que ela garante à Frelimo uma superioridade em relação aos outros partidos. Mas o director do Centro de Integridade Pública (CIP) foi hilariante quando descreveu o protótipo do dirigente moçambicano: “quer ser adulado, quer sentir que o povo está com medo dele, gosta que as mamanas (senhoras) dancem para ele. Em todos os aeroportos moçambicanos, basta chegar um dirigente, seja quem for, quer que as mamanas vão lá dançar. É preciso que as pessoas comecem a negar que as suas mães e irmãs vão dançar para os dirigentes. Cumprem mal o seu dever e querem que as pessoas vão dançar para eles. Se dançar é bom, que levem as suas irmãs”.
Categórico na definição de cidadania, Nuvunga defendeu que quem não paga imposto não é cidadão. Mas, atenção: o académico lembra que não é por culpa própria que milhões de moçambicanos não pagam. Falta-lhes emprego. Além do desemprego, o analfabetismo e a pobreza extrema também condicionam o exercício da cidadania. Concluindo, Nuvunga disse que os instrumentos de manutenção e legitimação do poder em Moçambique não são potenciadores da cidadania, mas sim do “silêncio, do encolher dos ombros e de esquemas individuais de sobrevivência”.
Superioridade da Frelimo na constituição da república
“Historicamente, a cidadania em Moçambique esteve ligada ao processo de luta armada de libertação nacional e, no pós-independência, em torno das ODM - Organizações Democráticas de Massas. As reformas democráticas de 1990 abriram e alargaram o espaço político, ao consagrar a garantia das liberdades individuais, políticas, de vida e de segurança, mas também o direito 
à diferença e ao pluralismo social. Porém, a Constituição de 1990 garantiu à Frelimo a superioridade perante os demais partidos e isso mantém-se até hoje. Basta ler o preâmbulo da nossa Constituição, que fala da luta heróica do povo moçambicano pela libertação nacional. E os livros de história, desde a 3ª à 12ª classes, falam da Frelimo heróica que conduziu a luta armada de libertação nacional. Quando combinados, estes dois instrumentos estão a dizer que é este o partido que libertou o país. E libertou reivindicando parte da nossa história colectiva. A Frelimo diz que tem mais de 50 anos, mas a verdade é que este partido nasceu em 1977. Tirou-nos a história do movimento de libertação nacional e chamou para si. E isto está lá na Constituição, que acaba superiorizando a Frelimo em relação aos outros partidos”.
Actores da luta de libertação na política
“O Estado moçambicano nasceu em 1975, por via de uma luta de libertação nacional. E os actores desta luta ainda estão na direcção do processo político moçambicano, portanto, a história da luta de libertação nacional ainda não é história. É parte estruturante do processo político presente. As feridas desse processo ainda estão abertas e muito do que se pode e não se pode dizer hoje na arena política nacional, ou seja, o permitido e o não permitido, é ainda marcado por essas feridas. O multipartidarismo, que nasceu de uma guerra civil, entrincheirou-se nas clivagens políticas deixadas pela luta de libertação nacional. Com o multipartidarismo, nasceram zonas de influência política da Frelimo e da oposição, predominantemente a Renamo. Em termos da economia política de governação, isso não é neutro. Tem implicações na relação (das pessoas) com o Governo, que controla o Estado. Se você é de uma zona marcadamente da Frelimo ou da Renamo, tem um tipo de relação com o Governo ou com o Estado, e isso tem implicação directa nas possibilidades do exercício da cidadania.” 
Falta de emprego “versus” cidadania
“Nas zonas urbanas, há níveis elevados de desemprego e, como resultado, estudos mostram que apenas 10 por cento da população paga imposto. Você não pode ser cidadão se não paga imposto. Mas não paga imposto não porque não quer, porque não tem emprego. O sector público, que é o maior empregador, é dominado por uma politização das instituições e por uma falta de clareza sobre os critérios de promoção e de mobilidade social. Através do clientelismo, do culto ao paternalismo e ao ´lambebotismo´, enfatiza-se o silêncio - que é contrário à cidadania - como caminho para a ascensão social. Do nada, uma pessoa torna-se ministro. Mas como? Qual é o critério mínimo?”
Corrupção e falta de segurança dos cidadãos
“A cidadania defende a separação entre o público e o privado e nega a apropriação do público pelas elites. A corrupção não somente mata a cidadania por aquilo que os dirigentes tiram para eles, mas sobretudo porque ela nega ao Estado a possibilidade do desenvolvimento socioeconómico. E essa é a base material para que uma cidadania se desenvolva. O que se pode esperar de um Estado onde um professor da maior e mais antiga universidade pública é atirado ao chão e baleado e as coisas continuam a andar como se nada tivesse acontecido. O Estado tinha que se sentir ofendido por isso. Mas não, a universidade continuou a dar aulas e tudo andou normalmente. Isso é uma mensagem para os demais. Mas nós temos um Presidente da República jovem e tolerante. Ele tem tudo para se afirmar como Estadista e criar condições para o desenvolvimento de uma cidadania.”

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