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As dificuldades de ocupar territórios distantes daRússia, palcos de alguns dos protestos que abalaramo Kremlin no domingo (26), não impediram aressurreição de um movimento popular entrenacionalistas mais radicais no país: aquele que pedea devolução do Alasca.Há 150 anos, completados nesta quinta (30), ogoverno imperial de Moscou vendeu o território paraa administração norte-americana por US$ 7,2 milhões, valor hoje equivalentea US$ 123 milhões.
Reprodução | ||
Gravura do século 19 relata a assinatura do tratado de compra do Alasca entre Rússia e Estados Unidos |
Nada disso era conhecido em 1867, contudo. A Rússia estava enfraquecidapela guerra contra os britânicos na Crimeia (1853-56) e temia perder seuterritório na América do Norte sem compensações adequadas.
Já os EUA queriam expandir as fronteiras após sua violenta guerra civil(1861-65).
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ÁREA 1,71 milhão de km2 (pouco maior que o Amazonas)
POPULAÇÃO 740 mil (equivalente ao Amapá)
DENSIDADE 0,49 habitante/km2
ECONOMIA 80% petróleo e gás, pesca e outros
CRONOLOGIA
Século 17
Primeiras expedições russas
1799
Estabelecimento da Companhia Russo-Americana
1804
Estabelecimento da América Russa
1867
Venda para os EUA
1959
Território vira Estado
1968
Descoberta de petróleo
1989
Acidente com petroleiro Exxon Valdez
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O então Aliaska, nome russo retirado da designação nativa da região para apenínsula junto às ilhas Aleutas, fornecia retaguarda contra tentativasbritânicas ou francesas de recolonização da América do Norte.Isso não impediu forte resistência doméstica ao negócio, considerado pelaimprensa e por congressistas como uma proverbial "fria". O principalproponente do negócios nos EUA, o secretário de Estado William Seward,virou personagem clássico de cartuns satíricos nos quais o czar Alexandre 2ºtirava vantagens da venda de um "pedaço de terra gelada".
TEORIA CONSPIRATÓRIA
Isso é o que a historiografia clássica diz. Para alguns nacionalistas russos, oque ocorreu foi um golpe palaciano dado pelo irmão mais novo do czar, ogrão-duque Konstantin, que teria então embolsado o pagamento com algunscomparsas.
A tese era popular na União Soviética, que buscava demonizar todos osaspectos do czarismo que veio a substituir em 1917, mas caiu em desuso. Masa ascensão do nacionalismo da era de Vladimir Putin no poder, a partir de2000, a reavivou.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Cartum mostra pedaço de gelo sendo entregue no Congresso dos EUA, "para esfriar a maioria" |
Não existe, contudo, muita produção acadêmica a tentar sustentar a ideia. Umlivro foi lançado em 2014 alinhavando os pontos da teoria, "A traição e oroubo do Alasca", do historiador Ivan Mironov.
Lá estão a ideia da conspiração palaciana e argumentos contrários à ideia deque a Rússia estava fraca: ela tinha ajudado o governo de Abraham Lincoln(1861-1865) durante a guerra civil, e os gastos no Alasca eram exclusivos dosinvestidores da Companhia Russo-Americana.
A empresa administrava a região e explorava o comércio de peles desde 1799,tendo 2.500 russos e 8.000 locais sob seu comando —havia também cerca de50 mil nativos no território.
Para o historiador, os descendentes de acionistas, que não ganharam nadacom a venda, deveriam buscar reparação judicial.
Mironov é um nacionalista amalucado que ficou dois anos preso por tentarmatar o pai do programa de privatizações pós-soviéticas, Anatoli Tchubais,em 2005.
Mas um leitor em especial comprou sua ideia e até escreveu o prefácio dolivro: Dmitri Rogozin. Líder de um partido nacionalista, o Rodina, ele foialçado por Putin ao poderoso cargo de vice-premiê responsável pela indústriade defesa do país.
É um radical, mas não um qualquer, com acesso ao centro do poder. O que ochefe dele acha da ideia? Há três anos, Putin ouviu uma piada durante umaentrevista coletiva sobre o Alasca ser um "ice cream", palavra inglesa parasorvete que, numa mistura fonética com o russo, soa como "Crimeia gelada".
Putin acabara de anexar a Crimeia, península na Ucrânia, na esteira domovimento que derrubou o governo que o apoiava em Kiev.
Na entrevista, o presidente apenas riu sobre a insinuação de invadir o Alasca edisse que já era muito difícil subsidiar as regiões distantes da Rússia. "Émuito frio lá."
A Rússia tem outras questões territoriais abertas, como a disputa por ilhascom o Japão. E Putin está efetivamente reconstruindo a zona de influência daantiga União Soviética.
Mas daí a imaginar que ele buscaria reaver o maior Estado do país maispoderoso do mundo há uma distância bem maior do que os 82 quilômetros doestreito de Bering, que a separa da antiga colônia.
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