FOTOGRAFIA
Nick Ut retirou-se esta quinta-feira da profissão de fotojornalista. É dele a foto de Phan Thị Kim Phùc, a criança nua, chorando e queimada por napalm na Guerra do Vietname.
8 de junho de 1972. Aldeia de Trang Bang, a norte de Saigão. Phan Thị Kim Phùc tinha somente nove anos. Phùc, como praticamente todo os habitantes que naquela aldeia vietnamita resistiam ainda à longa e desbastadora guerra, refugiara-se num templo. Logo que escutaram o ruído dos aviões a sobrevoá-lo, e temendo ser bombardeados e acabar soterrados e mortos, todos saíram a correr. Nesse instante caíram as bombas em seu redor, bombas de napalm, que tudo queimaram: templo, vegetação, corpos, a aldeia.
Nick Ut era fotojornalista da Associated Press. Tinha 21 anos à época. Resolveria cobrir à Guerra do Vietnam de objetiva sempre empunhada depois da morte do irmão, também ele fotojornalista, às mãos dos Viet Cong em 1965. Ele, Nick, nunca temeu a morte. E contaria, anos depois: “Sabia que também podia morrer. A qualquer momento, em qualquer dia. Mas todos morremos um dia, não é? Foi por isso que nunca me preocupei muito com a morte. Tinha um trabalho para cumprir e cumpri”.
É dele, Nick Ut, a fotografia de Phan Thị Kim Phùc, nua, frágil, com as costas e braços totalmente queimados por napalm, a correr estrada fora, rodeada de gente mas singular na objetiva de Nick. Com essa fotografia tornar-se-ia reconhecido pelos seus pares e mundo fora. Venceria um prémio Pulitzer. Mas o verdadeiro “prémio” de Nick foi ter salvado a vida de Phan e demais crianças de Trang Bang.
“Olhei pelo visor da máquina fotográfica e vi aquela rapariga a sair de entre o fumo, um fumo negro. Vinha nua. Corri até lá e fotografei-a. Depois pousei a máquina e deitei-lhe água sobre as queimaduras. Levei as crianças até à minha carrinha e daí até ao hospital. ‘Estou a morrer, estou a morrer’, dizia-me ela [Phan Thị Kim Phùc] durante a viagem”, relataria o fotojornalista.
Chegados ao hospital, os médicos alegavam que a enfermaria estava sobrelotada, recusando-se a socorrer as crianças de Trang Bang. Então, Nick Ut identificou-se como fotógrafo e ameaçou que caso não as socorressem divulgaria as fotografias que tirou naquele mesmo dia. As crianças foram, por fim, socorridas. E Nick divulgaria as fotografias pouco depois. Fotografias que, de tão crua e cruelmente relatarem a Guerra do Vietname, contribuiriam, nove meses depois, para a assinatura dos Acordos de Paris que poriam fim à mesma.
Finda a guerra, Nick voltou ao Estados Unidos e a Los Angeles. Continuaria a trabalhar como fotojornalista, tendo igualmente feito a cobertura, por exemplo, do julgamento de O.J. Simpson — entre outros momentos marcantes da história norte-americana e mundial. Phan Thị Kim Phùc mudar-se-ia, tempos depois, para o Canadá – onde ainda vive. Os dois continuam a contactar-se. Phan trata-o carinhosamente por “Tio Nick”.
Esta quinta-feira, e quase 51 anos depois de ter começado a dedica-se ao fotojornalismo, Nick Ut deixou a Associated Press e pousou a máquina. Talvez não definitivamente. Mas profissionalmente sim. A ele, obrigado. Pelas fotografias. Por Phan.