Ao fazer o balanço do ano que passou, o chefe da diplomacia da Rússia falou sobre o atual nível das relações da Rússia com os EUA e a União Europeia, as perspetivas da resolução da crise ucraniana, o problema da Síria, assim como sobre o vetor oriental da política russa.
– Um dos resultados principais deste ano foi a brusca deterioração das relações russo-americanas. Alguns peritos dizem que essas relações são semelhantes ao nível que existia durante a Guerra Fria. Na sua opinião, até que ponto essa análise está correta? O que será necessário para a melhoria dessas relações e estará a Rússia disposta a dar o primeiro passo?
– O presidente Vladimir Putin sublinhou, em sua mensagem à Assembleia Federal, que a política de contenção do nosso país não foi inventada ontem – cada vez que alguém considera que a Rússia se tornou demasiado forte, autônoma, são imediatamente acionados os mecanismos respetivos.
Os problemas no nosso relacionamento com os EUA começaram se acumulando ainda antes da crise na Ucrânia, e não foi por culpa nossa. Recordemos, por exemplo, a famigerada Lei Magnitsky, aprovada em 2012. Contudo, aquilo que se tem passado desde o início deste ano é ainda mais deprimente. A Casa Branca escolheu o caminho do confronto, tendo acusado a Rússia de todos os pecados em relação à crise ucraniana, que eles próprios provocaram em grande parte.
Contra a Rússia foram acionadas sanções contrárias ao direito internacional e às normas da OMC e que abrangeram, até este momento, 50 cidadãos da Rússia e 47 empresas e bancos. Tudo isso é acompanhado por declarações agressivas emitidas por Washington, incluindo a classificação da Rússia como uma das principais ameaças internacionais, ao nível do Estado Islâmico e do vírus ebola.
Essa retórica pode, realmente, criar determinadas associações de ideias. Contudo, os tempos em que as relações internacionais eram definidas por duas ou uma superpotência já pertencem ao passado. No mundo moderno, no qual funcionam vários centros de força independentes, as tentativas para isolar algum dos principais jogadores, ou para impor receitas unilaterais a partir de posições de alguma “excecionalidade ” dos EUA, não permitirão obter resultados.
Segundo referiu o presidente Putin, é inútil falar com a Rússia a partir de uma posição de força. Nós recordamos que esta quebra nas relações entre os nossos países está longe de ser a primeira. Mais de uma vez as ruidosas explosões de emoções russófobas de Washington deram lugar ao bom senso e à compreensão que é muito mais viável cooperar conosco. Especialmente se considerarmos as consequências que podem resultar das disputas entre potências nucleares para a segurança internacional e para a paridade estratégica.
Da nossa parte, estamos sempre abertos a um diálogo construtivo e honesto com os EUA, tanto sobre assuntos bilaterais, como na arena internacional, onde os nossos países têm uma responsabilidade especial pela segurança e estabilidade mundial.
A questão está em saber quando estará Washington disponível para uma cooperação baseada nos princípios da verdadeira igualdade e respeito pelos interesses russos, que nós não estamos dispostos a ceder em nenhumas circunstâncias.
– As relações entre a Rússia e a OTAN também se ressentiram seriamente durante o último ano, tendo praticamente regredido até ao ponto zero, ou mesmo abaixo disso. Nessas condições será útil manter uma presença de alto nível (representação permanente) junto da Aliança e uma da OTAN na Rússia (centro de imprensa)? A Rússia está planejando manter o funcionamento dessas instituições?
– As relações entre a Rússia e a OTAN atravessam hoje a mais grave crise desde o fim da Guerra Fria. A Aliança mantém seu rumo de “contenção” da Rússia, são empreendidos passos para reforçar o potencial bélico e para aumentar de forma consequente a presença militar desse bloco junto das fronteiras da Rússia. Foi decidido suspender a cooperação prática com o nosso país nas áreas militar e civil. Esse tipo de ações, sem dúvida, favorece o aumento de tensão e minam a estabilidade da região euro-atlântica.
Apesar disso, nós consideramos como necessário manter abertos os canais para um diálogo político. Essa tarefa é neste momento o objetivo da atividade da Representação Permanente da Rússia na OTAN.
Quanto ao centro de imprensa da OTAN em Moscou, ele exerce sua atividade de acordo com as disposições do Ato Fundador Rússia-OTAN, que o nosso país cumpre rigorosamente. Neste momento nós não vemos fundamentos para a revisão da nossa posição relativamente a essa questão.
– Recentemente, em uma entrevista à mídia norte-americana, o primeiro-ministro Dmitri Medvedev divulgou dados segundo os quais os EUA já não tencionam derrubar o presidente Bashar Assad, mas sim procurar caminhos para realizar negociações separadas com Damasco, inclusive para o combate aos terroristas do EI. Poderá a Rússia ajudar nesses contatos e teriam os norte-americanos dirigido a Moscou esse pedido? Estará Moscou disposta a analisar o projeto de resolução do Conselho de Segurança da ONU para combater o EI, se esse documento estiver agendado para discussão? Em que condições a Rússia o apoiaria?
– Antes de mais, gostaria de salientar que Washington não nos via como um participante direto da coalizão contra o EI, que eles formaram de acordo com suas próprias regras e parâmetros, estritamente adaptada a seus interesses, sem olhar para o direito internacional. Além disso, o presidente Obama se referiu, por diversas vezes, à Rússia como estando no mesmo plano das ameaças globais com esse mesmo EI e o vírus ebola.
Nesse contexto, os apelos que se ouvem de tempos a tempos da parte de outros representantes norte-americanos, para “unir esforços” na luta contra os terroristas do EI, são pouco convincentes.
Os norte-americanos não nos pediram colaboração para estabelecerem contatos com Damasco. Pelo contrário – somos nós que apelamos constantemente para que eles não ignorem as autoridades sírias no combate ao EI. Washington, contudo, continua afirmando teimosamente a “impossibilidade de princípio” de os EUA poderem “legitimar” o regime de Assad, mesmo que indiretamente.
Eles continuam demonizando Assad e se reservam simultaneamente o direito de usar a força em qualquer lugar, e em qualquer altura, de forma unilateral. Foi por isso que a administração Obama não se dirigiu ao Conselho de Segurança da ONU quando fundou a coalizão contra o EI.
Como se sabe, a Rússia defende ativamente a consolidação de esforços internacionais no combate ao terrorismo e ao extremismo, incluindo no Oriente Médio. Isso é comprovado, nomeadamente, pelo nosso papel na aprovação das resoluções 2170 e 2178 do Conselho de Segurança da ONU.
Entretanto, nós insistimos para que esses esforços adquiram um caráter universal e abrangente, se baseiem nos fundamentos existentes do direito internacional e em mecanismos legítimos. Não se pode combater o terrorismo com sucesso no território de um país sem uma coordenação com suas autoridades legítimas.
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