Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Moçambique aguenta, mas sente-se o chão a tremer.
Teremos um terramoto de grande dimensão na escala de Richter, ou será um sismo daqueles que abanam, mas não deixam rastos de destruição?
Eleições suspeitas na Faculdade de Direito da UEM são continuação de uma música que os moçambicanos conhecem.
Distinções internacionais de empresários e empresárias de sucesso é coisa que diz pouco aos moçambicanos, nem afecta a sua auto-estima. O seu dia-a-dia é tão penoso que nem se lembram o que significa premiar, receber prémios ou encomendar distinções de organismos internacionais relevantes ou sem tanto relevo.
“Nós Matámos o Cão-Tinhoso” merece um prémio, é uma daquelas verdades em que quase todos acreditam, e o seu valor histórico é incomensurável. Vem tarde o reconhecimento, mas julgo que existe unanimidade quanto à singeleza e singularidade deste pequeno grande livro. Tanto do ponto de vista político como histórico, exceptuando a poesia de Craveirinha, é difícil, senão complicadíssimo, encontrar quem tenha produzido coisa com tanta qualidade e impacto no país. Julgo que está no direito de qualquer concordar ou discordar.
Agora o que não concordo é com manifestas engenharias eleitorais, seja ao nível de eleições gerais, presidenciais e provinciais, seja ao nível de uma agremiação desportiva ou faculdade de ensino superior, pública ou privada.
“Pronunciamentos” de supostos gurus da política externa moçambicana, patronos de instituições que se pretendem de relevo e com história, também são simplesmente um direito dessas pessoas e instituições. Ninguém é obrigado a concordar com o que diz fulano ou beltrano sobre a História de Moçambique ou dos seus partidos políticos.
É preciso que se entenda que o que diz Joaquim Chissano sobre a Renamo é influenciado por factores objectivos relacionados com a sua sobrevivência política e histórica.
Quando a AIM e outros órgãos de informação públicos ou privados alinham pela “beatificação” de um simples mortal, colocando-o na categoria dos infalíveis, isso deve ser visto como um instrumento de ampla estratégia de condicionamento da opinião pública. Foi o “grande Chissano que disse, então é verdade”.
Quanto aos distinguidos por supostas actividades e sucessos, é uma vergonha que se premeie e se distingam mascaradas empresariais que não passam de resultados de tráfico de influências e de acesso privilegiado e exclusivo a situações de enriquecimento.
Tenhamos a honradez de reconhecer que, tanto árabes como europeus e americanos, bem como chineses, aprenderam que amaciar africanos é elogiá-los e, de vez em quando, atribuir-lhes uma distinção ou prémio. Antes era a cruz, as missangas e o álcool barato. Depois evoluiu PARA Mercedes Benz, Jaguar, Range Rover e “whiskies” de 18 anos e mais de idade. Tudo como passaporte PARA os recursos naturais africanos. Neste caso, moçambicanos.
Não concordo liminarmente com distinções a quem nada fez. Não concordo com “prémios enchidos” ou com distinções contranatura.
Uma elite entorpecida pelo fausto e luxo, pela incúria e pelas ilicitudes, que se permeiam entre si, perdeu capacidade de visualizar e contribuir para a adopção de vias que galvanizem o desenvolvimento político e económico do país. Tudo é visto como uma questão de mais benefícios para ela própria. Mesmo que isso acelere o desabar dos seus “impérios de areia”.
Faz pena e dó que gente adulta não se desfaça dos seus complexos de superioridade e encare o Moçambique de hoje com uma realidade diferente daqueles tempos em que se deambulava entre Dar, Argel, Nachingwea e Moscovo ou Pequim. Marionetes de uma Guerra Fria que se desenvolvia ao sabor dos ditames dos beligerantes principais deveriam ter aprendido a lição. Ao invés de cobrarem reconhecimento perpétuo, deveriam estar na vanguarda da luta pela concórdia nacional genuína, que passa pela reconciliação efectiva. Pensadores como David Aloni, Lourenço do Rosário, um defendendo o fim das assimetrias, e outro reconhecendo que falta reconciliação entre nós, têm poucos escutando-os.
Há uma avidez de acumulação de riqueza que favorece o surgimento de hordas de mercenários camuflados de activistas políticos, enganando tudo e todos para o seu benefício individual.
Enquanto o povo na sua maioria sofre os efeitos de uma governação desnorteada ou propositadamente centrada em beneficiar os titulares de cargos governamentais, não se vislumbram soluções para os inúmeros problemas que abalam e fazem estremecer o país.
Os parceiros externos, os “pivots” do fim das hostilidades recentes parecem esperar que o barco mais uma vez resvale e comece a “meter água”. Afinal há que enfraquecer a vítima, para ser mais fácil o seu abate. Neste caso, o abate refere-se ao acesso aos recursos naturais que o país possui. Os contratos assinados com o actual Governo correm o risco de ser revogados, se a situação se alterar drasticamente.
E enquanto isso não acontece, os que se apoderaram de lucrativas minas de pedras preciosas saboreiam já a sua posição de vantagem. O país possui rubis de qualidade mundial, mas um sistema de saúde típico do chamado Terceiro Mundo. Milhões de dólares por uma pedra, mas o centro de saúde vizinho ao campo de onde se extraem os rubis, as turmalinas e esmeraldas não possui nem paracetamol.
Só quem não quer ver é que pode considerar sustentável a situação de um país em que se teima em enraizar uma cultura de falsificações. Exames, resultados, eleições, cartas de condução, registo criminal, certificados de habilitações, B.I., passaportes, tudo se falsifica, e isso já é tido como normal.
Se a II República foi a génese de “o cabrito come onde está amarrado”, a III República deve ser tida como a da entronização da fraude e do tráfico de influências.
Uma voracidade incrível ao estilo de Hosni Mubarak aprofunda a crise política, e eventualmente veremos o país escorregando PARA mais um ciclo de violência.
Os que se julgam protegidos e inatingíveis que se cuidem, porque a ira de um povo é superior aos aparatos defensivos ou bélicos. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 02.12.2014
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