EDITORIAL
O Comité Central do partido Frelimo decidiu, domingo último, no encerramento da sua VII e última sessão antes do congresso, que o membro Armando Guebuza, actual presidente da República e do partido, é o único candidato à sua própria sucessão na liderança do partido.
É, na verdade, uma decisão há muito anunciada pelos seus fanáticos – Filipe Chimoio Paúnde, Margarida Talapa e outros.
A confirmação foi efusivamente festejada nos círculos mais próximos a Guebuza, mas também foi contestada em outros círculos no seio dos camaradas. Os que comemoraram a eternização de Guebuza no poder, são pessoas ou grupos de pessoas que desde que Guebuza assumiu a liderança do partido e do Estado, cresceram social e financeiramente, de uma forma tão rápida e repentina como se de cogumelos em tempo de chuva se tratassem.
Enquanto os “amigos do rei” comemoram a vitória do “status quo”, há também muitos que lamentam. Há muitos moçambicanos que estão preocupados com esta tentativa de Guebuza de se manter no poder.
A partir de dentro do próprio partido
Frelimo, há personalidades que estão agastadas com a intenção de Guebuza de
ignorar o costume do partido e querer, por meios ortodoxos, se manter no poder
após terminar o mandato na Presidência da República.
Argumenta-se que na história da
Frelimo, o presidente da República sempre foi o presidente do partido Frelimo.
Mas Guebuza quer quebrar esse princípio costumeiro e a partir da próxima
governação (2014) quer se manter como presidente do partido e controlar o
Presidente da República – óbvio, caso este seja do partido Frelimo.
Esta situação preocupa muitos
camaradas, mas não só. Preocupa muitos moçambicanos porque conhecem o carácter
de Guebuza. As suas obras já foram vistas durante os 8 anos que esteve no
poder, e ninguém quer continuar a viver essa situação.
Nesta edição do Canal de Moçambique,
trazemos muitos exemplos de porquê as pessoas estão preocupadas com a
manutenção de Guebuza no poder. De dentro do partido Frelimo, o coronel Sérgio
Vieira, um membro histórico do partido Frelimo, fala de “oportunistas” e
explica que há “tentativa de utilizar o partido para se servir a si próprio e não
ao povo”. Por uma questão de bom-senso, o coronel Sérgio Vieira não diz quem
está a usar o partido para fins pessoais, mas é óbvio que só pode “utilizar o
partido” quem o tem sob sua alçada. Um membro que não dirige o partido não
poderá usá-lo.
Sérgio Vieira é quem teve coragem de
abrir a boca e falar publicamente através do nosso jornal. Mas há tantos outros
membros irritados com a liderança de Guebuza. Por exemplo, fala-se que Guebuza dividiu
a comissão política da Frelimo em dois grupos. O grupo dos “amigos do rei” que
se reúne na Ponta Vermelha, toma decisões e depois vai anunciá-las à comissão
política “alargada” a outros membros.
Isso é interpretado como tentativa do
actual presidente da Frelimo de controlar o poder, optando pela velha táctica
de “dividir para reinar”.
Ainda nesta edição trazemos a
preocupação da Conferência Episcopal de Moçambique, representando órgão que
integra os bispos católicos de Moçambique. Em Nota Pastoral, os bispos
denunciam que ganância de acumular a riqueza pela parte de quem está no poder
está a perigar a paz em Moçambique.
“A ganância é sinónimo de ‘pobreza
espiritual’. Ela é a raiz da injustiça e de outros males e crimes. Por isso,
urge falar-se não só de combater a pobreza económica, mas também a pobreza do
coração, a pobreza moral e espiritual. É a ‘pobreza do espírito’, ou seja, a
falta e a subversão dos valores que leva a pensar que com a acumulação do
dinheiro e de bens materiais em quantidades excessivas teremos todos os nossos
problemas resolvidos e viveremos em paz. É necessário impedir a transformação
de Moçambique num supermercado, a comercialização do nosso país e dos seus
recursos naturais”, escrevem entretanto os bispos numa nota que pode ler as
partes que julgamos mais interessantes nesta edição.
Mais uma vez, esta mensagem dos bispos
é dirigida a quem detém o poder. Só quem está no poder pode “transformar o país
em supermercado”, só quem está a controlar o poder estatal pode “vender os
nossos recursos naturais” e como se pode ver ainda neste jornal, só quem está no
poder pode acumular e de facto “acumula riquezas excessivas”.
Nesta edição, tratamos ainda da
princesa milionária, como a revista norte-americana FORBES descreve a filha de
quem está no poder, a filha de Guebuza, a princesa Valentina.
Nesta revista, que trata geralmente de
personalidades ricas a custa de trabalho socialmente reconhecidos, como
actores, músicos, apresentadores de televisão, desportistas, magnatas que
acumularam dinheiro com o trabalho, na sua edição de Agosto destacou uma
personalidade rica, mas que nunca fez um trabalho que alguém conheça.
A FORBES diz que Valentina Guebuza
iniciou a gestão empresarial em 2006, quando assumiu a gestão da empresa
familiar ‘FOCUS 21’.
Ora, o empreendedorismo da “princesa
milionária” desponta precisamente quando o seu pai já era chefe de Estado. Em
2006, Armando Guebuza ia no segundo ano do mandato. Que bela “coincidência”!
Outra “coincidência” é que a expansão
dos negócios do grupo ‘FOCUS 21’ acontece também no período em que Guebuza está
no poder.
As parcerias da ‘FOCUS 21’ com a Star
Time e Cervejas de Moçambique são do período em que o patriarca da família
Guebuza, Armando Guebuza, já assumira o cargo do topo da gestão dos impostos
dos moçambicanos, como chefe de Estado.
A revista FORBES fala de uma “princesa
milionária”, cujo seu trabalho se desconhece. Na Reportagem, a “princesa” diz
que antes de sê-la, enquanto estudante, trabalhou em restaurante e como secretária,
mas estranhamente não menciona os nomes nem do restaurante nem da empresa onde
desempenhou tais funções de secretária.
Na verdade, o trabalho da revista
FORBES não traz muitas novidades sobre a riqueza de Valentina Guebuza bem como
de toda a família Guebuza, que não seja de domínio de muitos moçambicanos. A Reportagem
que ocupou três páginas (51, 52 e 53) da famosa revista FORBES parece mais uma
encomenda da família Guebuza para elevar o nome de Valentina para patamares internacionais.
O autor da Reportagem não se preocupou
em investigar e mencionar onde Valentina teria conseguido tanta riqueza para
hoje perfilar nas páginas de uma revista que geralmente publicita personalidade
que ganharam riqueza com trabalho próprio e visível.
Toda esta situação faz pensar em quem
será a pessoa que ou as pessoas que “estão a tentar usar o partido para se
servir a si próprios”, como disse Sérgio Vieira. Faz pensar em quem são os “dirigentes
gananciosos que acumulam a riqueza e fazem do país um supermercado”.
Afinal a resposta pode estar na
revista FORBES.
A perpetuação de Guebuza no poder pode
ser um perigo anunciado.
Não falta(ra)m sinais de aviso.
Canal de
Moçambique – 29.08.2012