Em 1975, um grupo de presos após outro
foi mandado das prisões de Maputo para o norte, ao passo que outros chegavam
para tomar seu lugar. Daí, em fins de fevereiro de 1976, o governo decidiu
acabar com o incessante translado de Testemunhas presas.
Poucos meses depois, o Presidente
Samora Machel fez uma visita à prisão central de Maputo. A irmã Celeste
Muthemba, uma das presas, aproveitou a oportunidade para dar testemunho ao
presidente. Ele deu atenção de forma amistosa, mas depois da sua partida, a
irmã foi fortemente censurada pelas autoridades carcerárias. No entanto, uma
semana mais tarde, veio uma ordem para que ela fosse posta em liberdade, junto
com um documento que lhe garantia proteção contra hostilizações por motivos
políticos e o direito ao seu anterior emprego no Hospital Central. Além disso,
deu-se autorização para a libertação de todas as Testemunhas de Jeová daquela
prisão.
Os irmãos em Maputo organizaram-se em
congregações. Em pouco tempo, formaram-se 24 congregações num circuito que
se estendia de Maputo ao nordeste, até Inhambane. Fidelino Dengo foi designado
para visitá-las. Além disso, a congênere na África do Sul designou uma comissão
de anciãos para cuidar das necessidades espirituais daqueles grupos.
Desenvolveram métodos cautelosos de dar testemunho informal. Fizeram arranjos
para os irmãos assistirem a congressos na vizinha Suazilândia. E no
próprio Moçambique, quando alguns retornaram do Carico, os irmãos realizaram
assembléias disfarçadas em festas de “boas-vindas”.
E no Carico? Que arranjos se fizeram
ali para atividades espirituais?
Comissão “ON” supervisiona os campos
Os irmãos malauianos, sob a supervisão
da congênere em Zimbábue, tinham formado uma comissão especial para cuidar das
necessidades espirituais nos campos. Quando irmãos do sul de Moçambique foram
levados ao Carico, eles também tiraram proveito do arranjo já em funcionamento
ali. Dois irmãos do sul, Fernando Muthemba e Filipe Matola, foram acrescentados
à comissão.
Os da Comissão ON (Ofisi ya Ntchito: Escritório de Serviço, em
chicheua) se correspondiam com a Sociedade, e organizavam assembléias e congressos.
Compilavam os relatórios de todo o campo e se reuniam periodicamente com os
anciãos das aldeias. Supervisionavam também o trabalho dos 11 circuitos.
Era uma grande responsabilidade, especialmente em vista do relacionamento
precário dos irmãos com as autoridades governamentais.
Pregando e fazendo discípulos nos campos
Um número considerável de interessados
e de estudantes da Bíblia que acompanharam os irmãos até Milange, em 1975,
foram batizados em novembro de 1976.
Muitos dos que tinham sido pioneiros
regulares continuaram a pregar ali mesmo durante o seu encarceramento e depois
da sua transferência para os campos. Mas a quem pregavam? No começo, estudavam
com os que ainda não eram batizados, inclusive com os filhos dos irmãos. Uma
família com muitos filhos era considerada um “bom território”. Os pais
estudavam com alguns dos filhos, e os demais eram divididos entre os
publicadores solteiros. Foi assim que muitos se mantiveram ativos na obra de
fazer discípulos.
Mas isso não era suficiente para os que
realmente tinham espírito evangelizador. Um pioneiro zeloso começou a procurar
território fora dos campos. Naturalmente, isso tinha seus riscos, por causa das
limitações impostas pelas autoridades do campo. Deu-se conta de que precisava
arranjar um pretexto para sair dos campos. O que podia fazer? Tendo orado
a Jeová pedindo orientação, decidiu vender sal e outros bens de consumo às
pessoas fora dos campos. Ele pedia um preço elevado para evitar qualquer
transação comercial, ao passo que criava assim um meio para dar testemunho.
Este método pegou. Com o tempo, viam-se muitos desses “vendedores” oferecendo
seus produtos fora dos campos. Cobrir o território disperso envolvia longas
caminhadas, saindo eles de madrugada e retornando de noite. Era pouca “vegetação”
para tantos “gafanhotos”. Mas deste modo, muitas pessoas daquela região
aprenderam a verdade.
“Centro de Produção da Zambézia”
Devido ao trabalho diligente desses
laboriosos “reeducandos” e as benditas chuvas que regavam aquela região, a
produção agrícola floresceu. As Testemunhas nos campos passaram a ter fartas
colheitas de milho, arroz, mandioca, mapira (milhete), batata-doce,
cana-de-açúcar, feijão e frutas tais como mafura. Os celeiros do Círculo do
Carico transbordavam. A criação de aves e de animais de pequeno porte,
tais como galinhas, patos, pombos, coelhos e porcos enriquecia a alimentação
com proteínas. A fome que passaram no início tornou-se coisa do passado.
Em contraste, o restante do país atravessava a maior falta de alimentos da sua
história. — Note Amós 4:7.
Em reconhecimento deste sucesso
agrícola, o governo passou a chamar a região desses campos de “Centro de
Produção da Zambézia”. Com a receita resultante do excedente de produtos, os
irmãos puderam adquirir roupas, e até mesmo alguns rádios e bicicletas. Embora
presos, estavam bem equipados por causa da sua diligência. Acatavam
escrupulosamente as leis de impostos do governo; de fato, estavam entre os
maiores contribuintes da região. Em harmonia com as normas bíblicas, o
pagamento consciencioso de impostos, mesmo nestas circunstâncias, era um dos
requisitos para alguém ser considerado apto para quaisquer privilégios na
congregação. — Rom. 13:7; 1 Tim. 3:1, 8, 9.
Intercâmbio cultural
Ali no Carico houve um intercâmbio
mútuo de habilidades e de cultura. Muitos aprenderam novos ofícios, tais como o
de pedreiro, de carpinteiro e de escultor de madeira. Juntos desenvolveram a
habilidade de fabricar ferramentas, fundir ferro, fazer mobília de qualidade, e
mais. Além de se beneficiarem pessoalmente com os ofícios aprendidos ou
refinados, esta atividade lhes deu mais uma fonte de renda.
O maior desafio no intercâmbio cultural
envolvia línguas. Os moçambicanos aprenderam chicheua, falado pelos malauianos.
Esta tornou-se a língua predominante falada nos campos, e a maioria das
publicações disponíveis eram em chicheua. Aos poucos e com jeito, os malauianos
também aprenderam tsonga e suas variações, faladas no sul de Moçambique. Muitos
aprenderam também inglês e português, que ia servir-lhes mais tarde em
privilégios especiais de serviço. Lembra um ancião: “Podia cruzar com algum
irmão ou irmã falando fluentemente sua língua, sem saber se era malauiano ou
moçambicano.”
Como o alimento espiritual chegava aos campos?
Vinha da Zâmbia via Malaui. De que maneira?
Um superintendente de circuito respondeu: “Só Jeová sabe.” Nos campos, a
Comissão ON designava jovens malauianos, muitos deles pioneiros, para que
atravessassem a fronteira de bicicleta e, num lugar combinado de antemão, se
encontrassem com os enviados para lhes entregar correspondência e publicações.
Assim se supriam as congregações com o alimento espiritual corrente.
Além disso, os membros da Comissão ON
atravessavam a fronteira para a Zâmbia ou para o Zimbábue, a fim de aproveitar
as visitas anuais dos superintendentes zonais enviados pelo Corpo Governante.
Por estes e outros modos, os irmãos no Carico mantinham fortes laços com a
organização visível de Jeová e assim permaneciam unidos na Sua adoração.
As reuniões congregacionais exigiam
arranjos especiais. Visto que os irmãos eram constantemente vigiados, muitas
das reuniões eram realizadas de madrugada, ou mais cedo. Os presentes
reuniam-se do lado de fora, como que comendo “papinhas” no pátio, enquanto o
orador se postava dentro da casa. Algumas reuniões eram realizadas em vales de
rios e ao abrigo de crateras naturais. No entanto, os preparativos de
congressos exigiam muito mais.
Como se organizavam congressos
Após receber da Sociedade toda a
matéria do programa, a Comissão ON recolhia-se por algumas semanas à aldeia
n.° 9. Neste lugar relativamente remoto, trabalhava noites adentro sob a
luz dum lampião, traduzindo os esboços de discursos, gravando dramas e
designando oradores. Muito útil foi um duplicador manual, recebido de Zimbábue.
Não paravam de trabalhar até completar o programa inteiro para a série de seis
congressos.
Além disso, designava-se uma equipe
para encontrar e preparar um local que serviria para o congresso. Podia ser na
encosta duma montanha ou dentro do mato, mas não menos de 10 quilômetros
distantes dos campos. Tudo tinha de ser feito sem o conhecimento das
autoridades ou dos “rebeldes”. Pequenos rádios portáteis eram tomados
emprestados e à base destes se montava um sistema sonoro para assistências
superiores a 3.000. Sempre havia nas proximidades um riacho, no qual se podia
preparar uma piscina batismal por se fazer uma barragem. Palco, auditório,
limpeza e manutenção eram todos preparados de antemão. Por fim, o local do
congresso estava pronto, cada ano num lugar diferente.
Elaborava-se um arranjo que permitia a
todos nas aldeias assistir. Isso funcionava bem, porque os irmãos demonstravam
um maravilhoso espírito de cooperação. Nem todos podiam assistir ao mesmo
tempo; uma aldeia deserta teria atraído a atenção das autoridades. Portanto, os
vizinhos se revezavam — uma família assistia num dia e a outra no dia
seguinte. A família que ficava fazia movimentos na casa dos vizinhos;
assim, ninguém notava a ausência da família. Significava isso que alguns
perdiam partes do congresso? Não, porque o programa de cada dia era apresentado
duas vezes. De modo que um congresso de três dias durava seis; e uma assembléia
de dois dias, quatro.
Uma corrente de indicadores atentos
fornecia uma rede de comunicação. Ela se estendia desde o centro administrativo
do campo até o lugar do congresso, com um homem postado a cada 500 metros.
Qualquer movimento suspeito que pudesse constituir uma ameaça para o congresso
acionava esta linha de comunicação, transmitindo a mensagem por uma distância de
30 ou 40 quilômetros em apenas 30 minutos. Isto dava tempo suficiente à
administração do congresso para tomar uma decisão. Podia significar encerrar a
assembléia e esconder-se no mato.
José Bana, ancião da Beira, conta: “Em
uma ocasião, na véspera de uma assembléia, um policial advertiu que já tinham
conhecimento da nossa assembléia e que iriam desfazê-la. O assunto foi
levado ao conhecimento dos irmãos responsáveis. Deviam cancelar a assembléia?
Oraram a Jeová e resolveram esperar o amanhecer do outro dia. A resposta
veio — uma chuva torrencial durante a noite fez transbordar o rio Munduzi,
transformando-o num mar. Visto que a polícia estava do outro lado do rio, todos
puderam assistir à assembléia, sem que alguém precisasse ficar em casa e sem a
necessidade da corrente humana de comunicação. Entoamos cânticos do Reino à
vontade.”
Apostasia e a aldeia
n.° 10
Um movimento que causou muitas
dificuldades foi iniciado por um grupo apóstata que se autodenominou de “os
ungidos”. Originando-se principalmente das aldeias malauianas, este grupo
afirmava que o “tempo dos anciãos” tinha chegado ao fim em 1975 e que eles,
como “os ungidos”, deviam tomar a dianteira. A matéria no livro Vida Eterna
na Liberdade dos Filhos de Deus foi de muita
ajuda para auxiliar alguns dos que tinham dúvidas a entender o que estava
envolvido na genuína unção. Mas a influência dos apóstatas se espalhou e muitos
dos que lhes deram atenção foram desviados. Como parte da sua doutrina, diziam
que não era necessário enviar relatórios à Sociedade. Eles simplesmente os
lançavam no ar depois duma oração.
Calcula-se que cerca de 500 foram
desassociados em resultado desta influência apóstata. Decidiram, com a
permissão das autoridades, construir sua própria aldeia. Esta passou a ser a
aldeia n.° 10. Mais tarde, o líder do movimento era servido por um cortejo
de moças, engravidando ele a muitas delas.
A aldeia n.° 10 e seu grupo
continuaram a existir durante todo o período restante da vida nos campos.
Causaram muitas dificuldades aos irmãos fiéis. Alguns dos que no começo se
deixaram influenciar para se juntar a esse grupo arrependeram-se mais tarde e
retornaram à organização de Jeová. A comunidade apóstata foi finalmente
desfeita quando se deixou de viver nos campos.
“O campo é nossa
cadeia e as casas são nossas celas”
Até o começo de 1983, a vida nos campos
tinha certa semelhança com a normalidade. Mas os irmãos não se esqueceram de
que eram prisioneiros. É verdade que alguns, por seus próprios meios,
conseguiram retornar às suas cidades. Outros iam e vinham. Mas a comunidade
como um todo permanecia. Era apenas natural que tivessem saudade de casa.
Trocavam correspondência através do sistema postal ou pela mão dos poucos
irmãos que se atreviam a visitar os campos para visitar familiares ou velhos
amigos — embora alguns deles fossem apanhados e presos.
Xavier Dengo costumava prosar: “Vocês
malauianos são refugiados, mas nós somos prisioneiros. O campo é nossa cadeia e
as casas são nossas celas.” Na realidade, porém, a situação dos nossos irmãos
malauianos era quase a mesma. Qualquer normalidade que as aldeias pareciam ter
iria em breve chegar a um abrupto fim.
Invasão armada causa pânico e morte
No começo de 1983, membros armados do
movimento de resistência começaram a invadir a região do Carico, obrigando o
comandante do centro administrativo a refugiar-se na sede do distrito em
Milange, 30 quilômetros distante. Por um período relativamente curto, os
irmãos pareciam respirar aliviados, embora continuassem ainda sob alguma
vigilância das autoridades.
Mas a tragédia sobreveio em 7 de
outubro de 1984, enquanto se terminavam os preparativos para um congresso de
distrito. Um grupo armado aproximou-se do leste. Ao cruzarem a aldeia
n.° 9, deixaram atrás um rastro de pânico, sangue e morte. Depois de
matarem o irmão Mutola, na aldeia malauiana n.° 7, mataram Augusto Novela
na aldeia moçambicana n.° 4. Na aldeia moçambicana n.° 5, o irmão
Muthemba foi alertado pelo tiroteio. Quando viu o corpo dum irmão no chão,
clamou a Jeová por ajuda. Os homens armados saquearam e queimaram as casas.
Homens, mulheres e crianças corriam desordenados procurando desesperadamente
esconder-se. Este ataque violento foi apenas o prelúdio do que havia de vir.
Depois de atravessar os campos, o grupo escolheu uma área logo ao norte da
aldeia n.° 1 para estabelecer a sua base.
Nos dias seguintes, fizeram incursões
diárias nos campos — roubando, queimando casas e matando. Numa dessas
ocasiões, mataram seis Testemunhas malauianas, inclusive a esposa de Fideli
Ndalama, superintendente de circuito.
Outros foram levados presos à base do
campo. Especialmente os jovens foram submetidos a esforços para integrá-los no
seu movimento militarizado. Muitos dos jovens fugiram das aldeias para se
esconder nas machambas (seus campos
cultivados) e os familiares lhes levavam alimentos. Moças passaram a ser
recrutadas como cozinheiras, mas então os invasores procuravam obrigá-las a
servir como “amantes”. Hilda Banze foi uma das que resistiram à pressão e, por
conseguinte, foi espancada tão severamente, que foi dada como morta.
Felizmente, ela se recuperou.
O grupo armado exigia ser sustentado
pela população e que carregasse suas bagagens. Os irmãos achavam esta exigência
incompatível com a sua posição de neutralidade cristã e por isso se negaram.
Sua recusa provocou furor. Neutralidade e direitos humanos estavam fora de
questão num mundo isolado em que o espancamento e as armas eram a única lei
reconhecida. Cerca de 30 irmãos morreram durante este período turbulento. Um
deles foi Alberto Chissano, que se negou a dar apoio e que tentou explicar:
“Não faço parte da política, esta é a razão pela qual fui trazido de Maputo
para cá. Já recusei no passado e não será diferente agora.” (Note João 18:36.)
Isto era demais para os opressores, que furiosamente o levaram embora arrastado.
Sabendo o que certamente o aguardava, o irmão Chissano despediu-se dos irmãos
com uma expressão de inabalável fé. “Até o novo mundo”, foram as suas últimas
palavras antes de ser severamente espancado e mortalmente ferido. Os irmãos da
equipe médica ainda tentaram salvá-lo, mas sem êxito. Seria de fato “até o novo
mundo”, pois nem mesmo a ameaça de morte conseguiu quebrantar-lhe a fé.
— Atos 24:15.
Libertados da fornalha de fogo
Algo tinha de ser feito para aliviar a
insuportável tensão. A Comissão ON reuniu-se com os anciãos e os
servos ministeriais para considerar como tentar estabelecer um diálogo com o
movimento de resistência. Entretanto, homens do movimento de resistência já
tinham enviado um convite a todos da região para comparecer em sua base. Os
anciãos decidiram ir, junto com um grupo considerável de Testemunhas que se
ofereceu a acompanhá-los. Dois irmãos foram instruídos a servir de porta-vozes
de todas as aldeias. Isaque Maruli, um dos porta-vozes designados, passou pela
sua casa para informar sua jovem esposa e se despedir dela. Alarmada com o que
podia acontecer, ela tentou dissuadi-lo. Ele lhe falou consoladoramente e
disse: “Será que sobrevivemos até agora devido a alguma esperteza da nossa
parte? E será que somos mais valiosos do que os outros irmãos?” Ela
silenciosamente concordou. Fizeram juntos uma oração e se despediram.
Na reunião estavam presentes não só as
Testemunhas, mas também os que não eram Testemunhas, que estavam dispostos a
apoiar o movimento armado. O número dos irmãos, porém, era de 300,
excedendo os outros. Foi uma reunião acalorada, alguns gritando slogans políticos e cantando canções
militares. Fez-se o anúncio: “Hoje vamos gritar ‘Viva Renamo’ [Resistência
Nacional de Moçambique, movimento que combatia o governo Frelimo] até que caiam
as folhas destas árvores.” O comandante, os soldados e os que não eram
Testemunhas ficaram impacientes com o silêncio dos irmãos. O comissário
político que presidia à reunião explicou a ideologia do seu movimento. Falou da
determinação do alto comando de desmantelar as aldeias e de fazer todos
dispersar-se e morar nas machambas.
Deu então oportunidade para os presentes se expressarem. Nossos irmãos
explicaram sua posição neutra. Esperavam que seus motivos de não participar em
fornecer alimentos, carregar bagagem, e assim por diante, fossem compreendidos.
Quanto a se dispersarem das aldeias, já tinham sido obrigados a fazer isso.
O comandante não gostou nada da
resposta corajosa dos irmãos mas, providencialmente, o comissário era mais
compreensivo. Acalmou o comandante e mandou os irmãos embora em paz. Saíram
assim vivos do que descreveram como “fornalha de fogo”. (Note Daniel
3:26, 27.) Mas a paz não estava garantida. O evento único mais
abalador ainda estava por vir poucos dias depois.
O massacre da aldeia
n.° 7
O domingo, 14 de outubro de 1984,
apesar do sol brilhante, foi um dia tenebroso no Carico. Cedo naquele dia, os
irmãos tinham realizado sua reunião congregacional, alguns visitando depois as
aldeias para apanhar o restante dos suprimentos antes de rapidamente retornarem
às suas novas moradas nos campos. Sem aviso, um grupo armado deixou sua base e
foi na direção da aldeia moçambicana n.° 7. Capturaram um irmão nos
limites da aldeia n.° 5 e exigiram: “Mostre-nos o caminho da aldeia n.° 7;
você vai ver o que é a guerra.” Chegando à aldeia, prenderam a todos os que por
acaso estavam ali. Fizeram-nos sentar em círculo, por ordem do número da aldeia
a que pertenciam. Daí começou o interrogatório.
“Quem bateu em nosso mudjiba [um vigia ou informante
desarmado] e o roubou?” queriam saber. Os irmãos, não sabendo do que os homens
estavam falando, responderam que não sabiam. “Então, se ninguém vai falar,
vamos fazer um exemplo deste homem sentado aqui na frente.” E atiraram à
queima-roupa na testa do irmão. Todos ficaram abalados. A pergunta foi
repetida vez após vez, e sempre com uma nova vítima para ser fuzilada. As
mulheres, segurando seus bebês, se viam obrigadas a ver a execução bárbara dos
maridos, como se deu com a irmã Salomina, que viu seu marido Bernardino morrer.
Mulheres também foram assassinadas. Leia Bila, esposa de Luís Bila, que morrera
de ataque cardíaco no campo perto de Lichinga, foi uma delas, e seus filhos
pequenos ficaram assim orfanados. A execução nem poupou os jovens, tais
como Fernando Timbane, que mesmo baleado orou a Jeová e procurou encorajar os
demais.
Quando dez vítimas tinham sido
brutalmente executadas, surgiu um desacordo entre os executores, acabando com o
pesadelo. Às ordens deles, o irmão Nguenha, que teria sido a 11.a vítima,
levantou-se da “cadeira da morte”. Ele conta: “Eu tinha orado a Jeová para que
cuidasse da minha família sobrevivente, pois os meus dias tinham terminado. Daí
levantei-me e senti uma coragem incomum. Foi só depois que me sobreveio o abalo
emocional.”
Após isso, obrigaram os sobreviventes a
queimar as casas remanescentes na aldeia. Antes de partirem, os homens armados
advertiram: “Viemos com a ordem de matar 50 de vocês, mas estes já são
suficientes. Não devem ser enterrados. Vigiaremos, e se algum corpo
desaparecer, serão mortos dez por cada corpo que faltar.” Que ordem mais
estranha e hedionda!
Com o som dos tiros ecoando por toda a
área e a notícia se espalhando pelos que conseguiram escapar, gerou-se uma nova
onda de pânico nas aldeias. Os irmãos, em desespero, fugiram para o mato e para
as montanhas. Só depois se descobriu que as perguntas acusatórias que geraram o
massacre tinham sido instigadas por um desassociado que queria juntar-se ao
movimento de resistência. Ele também se tornara ladrão. Fizera as acusações
falsas contra os irmãos da sua própria aldeia, procurando granjear os favores e
a confiança do grupo. Mais tarde, quando os do grupo descobriram que tinham
sido enganados, prenderam o originador dessa mentira e o mataram da maneira
mais bárbara.
Começa a dispersão
O inteiro Círculo do Carico estava
pesaroso e confuso. Os anciãos, também em pranto, procuravam consolar as
famílias enlutadas pela perda dos entes queridos no massacre. A idéia de
continuar naquela região era insustentável. Assim, começou uma dispersão
natural. Congregações inteiras buscavam lugares de até 30 quilômetros
distantes, onde pudessem sentir-se mais seguras. Alguns decidiram ficar perto
das machambas. De modo que redobrou o
trabalho dos anciãos da Comissão ON. Tinham de andar muitos quilômetros
para zelar da união e da segurança física e espiritual do rebanho em todas as
congregações muito dispersas.
As notícias desses lamentáveis
acontecimentos chegaram à congênere da Sociedade em Zimbábue, que providenciou
que membros da congênere visitassem os irmãos e os edificassem. Consultou-se
também o Corpo Governante em Brooklyn sobre a necessidade de alimentos, roupa e
medicamentos nos campos em Milange. Com profunda preocupação com o bem-estar
dos irmãos, o Corpo Governante deu instruções de se usarem os recursos
financeiros disponíveis para cuidar das necessidades deles, inclusive de sair
da região de Milange e voltar para suas regiões de origem, se fosse
aconselhável. Essa opção parecia mesmo aconselhável.
No começo de 1985, membros da
Comissão ON, assim como haviam feito todos os anos, partiram de
Milange para se encontrar com o superintendente zonal, enviado pelo Corpo
Governante. Don Adams de Brooklyn estava ali. Numa reunião que incluía as
Comissões de Filial da Zâmbia e do Zimbábue, os membros da Comissão ON
expressaram suas preocupações referentes ao Círculo do Carico. Foram
aconselhados a considerar se era sábio continuar no Carico. Chamou-se atenção
para o princípio bíblico em Provérbios 22:3: “Argucioso é aquele que tem visto
a calamidade e passa a esconder-se.”
Com isto em mente, voltaram aos campos.
Sair? Como? E para
onde?
O conselho foi imediatamente
transmitido às congregações. Alguns agiram prontamente, como no caso de João
José, irmão solteiro que mais tarde participou na construção dos prédios para
as congêneres em Zâmbia e em Moçambique. Com um grupo de outros irmãos, cruzou
a fronteira para Malaui, chegando à Zâmbia sem maiores problemas.
Mas a situação não era tão fácil para
outros. Muitas famílias tinham filhos pequenos a considerar. Membros do
movimento de resistência vigiavam constantemente os caminhos, e quem os usasse
estava sujeito a ser atacado. A fronteira com Malaui apresentava outro
desafio, especialmente para os irmãos malauianos, visto que as Testemunhas de
Jeová ainda eram desprezadas e caçadas ali. Surgiram assim questões polêmicas:
Como sairiam? Aonde iriam? Tendo vivido por anos no mato e sem documentos, como
podiam cruzar fronteiras? “Nós também não sabemos”, foi a resposta dos membros
da Comissão ON numa reunião extremamente tensa com todos os anciãos. “Uma coisa
é certa — temos de nos dispersar”, enfatizaram. Concluíram: “Cada um faça
orações, planeje e aja.” — Note 2 Crônicas 20:12.
Nos meses à frente, esse foi o tema
dominante das reuniões. A maioria dos anciãos apoiava a idéia de sair e
incentivava os irmãos neste sentido. Outros decidiram ficar. Por fim, começou
um êxodo esparso. Os irmãos malauianos que tentaram voltar para casa foram
bloqueados na fronteira pelos motivos antigos e tiveram de voltar. Isto
diminuiu o entusiasmo dos que tinham decidido sair e reforçou o argumento dos a
favor de ficar. Um “convite” para outra “reunião importante” na base militar
passou a ser o fator decisivo para a maioria.
Êxodo em massa
Em 13 de setembro de 1985, apenas dois
dias antes da reunião anunciada, os irmãos Muthemba, Matola e Chicomo, os três
membros restantes da Comissão ON, reuniram-se mais uma vez. O que deviam
recomendar aos irmãos com respeito ao “convite”? A reunião durou toda a
noite. Depois de muita oração e ponderações, decidiram: “Teremos de fugir na
próxima noite.” Logo em seguida, no que foi possível, espalharam a notícia da
decisão, bem como a hora e o lugar de encontro. As congregações que decidiram
partir compareceram. Foi o último ato da Comissão ON nos campos.
A partir das 20h30, depois de fazer uma
oração, os irmãos começaram um êxodo cronometrado. Seu êxodo foi um segredo bem
guardado tanto dos soldados como dos “rebeldes”. Serem apanhados teria sido uma
calamidade. Sob a cobertura da noite, cada congregação tinha 15 minutos
para sair, concedendo-se a cada família 2 minutos. A longa fila
indiana se enveredou na mata silenciosamente, sem saber o que no amanhecer os
aguardaria na fronteira de Malaui, se conseguissem chegar lá. Os pastores
espirituais da Comissão ON foram os últimos a partir, à uma hora da madrugada.
— Atos 20:28.
Filipe Matola foi vencido pelo cansaço,
depois de uma caminhada de uns 40 quilômetros e de não ter dormido por
duas noites. Adormeceu à beira da trilha enquanto esperava os últimos dos
idosos passar. Podemos imaginar a alegria que sentiu quando o jovem Ernesto
Muchanga veio correndo da vanguarda com as boas novas: “‘Tio’, os irmãos estão
sendo recebidos em Malaui!” “Este é um exemplo”, exclamou Matola, “de como
Jeová abre o caminho, quando não parece haver saída, como no mar Vermelho”.
— Êxo. 14:21, 22; veja o Salmo 31:21-24.
Nos meses seguintes, sentiram o que
significa viver em campos de refugiados em Malaui e na Zâmbia, antes de
retornarem a Moçambique e de voltarem às suas cidades. Mas o que aconteceu aos
que ficaram na área do Carico?
Os que ficaram
A decisão da Comissão ON não chegou a
tempo a todas as congregações dispersas antes de começar o êxodo. Alguns dos
que o ouviram decidiram permanecer ali e ir à reunião na base militar.
A Congregação Maxaquene, junto com outras, não ouvira o anúncio, mas já
decidira fugir. Estes irmãos, antes de irem à reunião, deixaram sua família
preparada para fugir. Cerca de 500 irmãos compareceram à reunião. Esta foi breve
e ao ponto. O comandante disse: “Foi determinado pelos nossos superiores
que todos aqui presentes deverão comparecer à nossa base superior da região.
Será uma viagem longa. Por lá passarão até três meses.” E a viagem começou
naquele momento.
Valendo-se da vigilância relativamente
pouca da parte dos soldados, os irmãos decididos a fugir escaparam. Juntaram-se
a seus familiares e escaparam como puderam rumo à fronteira de Malaui. Outros,
quer no cumprimento das ordens do movimento armado, quer por falta de
oportunidade, empreenderam a viagem para o sudoeste até a base em Morrumbala,
chegando ali alguns dias depois. Ali foram outra vez pressionados para apoiarem
o movimento. Sua recusa resultou em severas torturas e inúmeros espancamentos,
de que pelo menos um irmão morreu. Três meses depois, receberam finalmente a
permissão para voltar às suas casas.
Muitos continuaram na região do Carico,
totalmente sob o controle do movimento de resistência. Viram-se isolados da
organização de Jeová pelos próximos sete anos. Eram um grupo bastante grande,
de cerca de 40 congregações. Sobreviveriam espiritualmente? Seria seu amor
a Deus forte o bastante para não sucumbirem ao desespero? Voltaremos a eles
mais tarde.
Campos de refugiados em Malaui e na
Zâmbia
Nem todos os que fugiram do Carico
foram prontamente recebidos em Malaui. A Congregação Maxaquene, depois de
cruzar a fronteira e descansar um pouco, foi descoberta pela polícia malauiana
e mandada voltar. Os irmãos suplicaram aos policiais, explicando que fugiam da
guerra na região onde havia morado. Os policiais não se deixaram comover.
Aparentemente sem opção e em desespero, alguém gritou: “Vamos chorar, irmãos!”
E foi exatamente o que fizeram, e choraram tão alto, que atraíram a
atenção da vizinhança. Os policiais, embaraçados, pediram que parassem. Uma
irmã rogou: “Deixem-nos pelo menos preparar algum alimento para as crianças.”
Os policiais concordaram, dizendo que voltariam mais tarde. Felizmente, nunca
voltaram. Mais tarde, uma autoridade veio em socorro das Testemunhas, trazendo
alimentos e encaminhando-os para o campo de refugiados onde estavam os demais
irmãos.
As Testemunhas de Jeová moçambicanas
estavam assim inundando os campos de refugiados em Malaui. O governo
malauiano as recebeu na condição de refugiados de guerra. A Cruz Vermelha
Internacional veio em auxílio, trazendo suprimentos para aliviar o desconforto
e as dificuldades causadas pelas intempéries nos campos a céu aberto. Alguns
foram para a Zâmbia, onde foram encaminhados a outros campos de refugiados.
Filipe Matola e Fernando Muthemba trabalharam então associados com membros da
Comissão de Malaui em busca dos irmãos moçambicanos nesses campos, a fim de
levar consolo espiritual e ajuda financeira, autorizada pelo Corpo Governante.
Em 12 de janeiro de 1986, A. D.
Schroeder, membro do Corpo Governante, deu a esses irmãos encorajamento
espiritual e lhes transmitiu o cordial amor do Corpo Governante. Não podendo
entrar nos campos, proferiu na Zâmbia um discurso que foi traduzido para o
chicheua, gravado e depois levado aos campos em que estavam os irmãos
moçambicanos.
Aos poucos, esses refugiados foram
ajudados a chegar à sua próxima parada, em Moçambique. Para muitos foi Moatize,
na província de Tete. Em Moçambique havia uma mudança na atitude do governo para
com as Testemunhas de Jeová, embora nem todas as autoridades locais ainda
evidenciassem isso.
De volta a Moçambique
Grupo após grupo começou a superlotar
os vilarejos ao leste da cidade de Tete. Vagões abandonados, antes usados como
sanitários públicos, foram usados para abrigá-los. Depois de limpar os vagões,
muitos deles foram usados como locais para celebrar a Comemoração da morte de
Cristo em 24 de março de 1986.
Irmãos de todo o Moçambique ficaram ali
por meses sem saber como seriam transportados de volta aos seus lugares de
origem. Esta espera tinha seu quinhão de tribulação. Tentaram improvisar algum
trabalho a fim de se sustentar ou de juntar algum dinheiro para uma passagem
aérea, mas sem muito sucesso. Por causa da guerra, não era possível seguir
pelas estradas. Nem sempre eram bem tratados pelas autoridades locais, que
ainda tentavam obrigá-los a repetir slogans
políticos. A isso os irmãos respondiam corajosamente: “Fomos levados para
o Carico por esta questão. Ali cumprimos a nossa pena e fomos abandonados à
mercê de atacantes armados. Escapamos pelos nossos próprios meios. O que
ainda querem de nós?” Depois de tal resposta, eram deixados em paz. No entanto,
os jovens ainda continuavam a ser hostilizados e encarcerados na tentativa de recrutá-los
para o exército do governo, a fim de combater a contínua insurgência armada na
região. Muitos irmãos jovens usavam de astúcia para fugir e viver escondidos.
A comissão em Malaui decidiu que
Fernando Muthemba devia ir a Tete para ajudar os irmãos ali. Quando o irmão
Muthemba chegou a Moatize, as autoridades decidiram inspecionar sua bagagem.
Bem a tempo, os irmãos conseguiram resgatar as publicações que tinha consigo.
Portanto, quando os policiais revistaram sua bagagem, o que encontraram?
“Apenas alguns trapos”, ele diz. A polícia desapontada perguntou: “É só
isso?” Sim, era só isso. Esta era toda a bagagem de um homem que arcara com
responsabilidades tão pesadas nos campos. Como todos os demais, voltara
despojado de tudo o que possuíra. De fato, naquele momento, a aparência física
dos irmãos não era nada agradável — sujos, maltrapilhos, famintos e
obviamente maltratados. Enquadravam-se bem na descrição inspirada de muitos dos
servos de Deus no passado: “Andavam vestidos de peles de ovelhas e de peles de cabras,
passando necessidade, . . . sofrendo maus-tratos; e o mundo não era
digno deles. Vagueavam pelos desertos, . . . e pelas cavernas, e
pelas covas da terra.” — Heb. 11:37, 38.
Por fim, transporte para Maputo
Em Maputo, uma comissão designada pela Sociedade
passou a contatar diversas agências governamentais e não-governamentais para
encontrar meios de translado dos irmãos em Tete e na Zâmbia. Quão felizes
ficaram Isaque Malate e Francisco Zunguza quando se dirigiram ao Alto
Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados e foram informados: “Já foram
autorizados mais de 50 vôos para trazer de volta as Testemunhas de Jeová”!
Ficaram gratos de que o governo dera a autorização.
Sem saber deste arranjo, os irmãos em
Tete, todos os acampados perto do aeroporto, iam todos os dias a ele na
esperança de que um avião de carga levasse pelo menos alguns deles. Comovido,
Fernando Muthemba fala sobre o dia 16 de maio de 1987: “Eram 7h30 da
manhã. Quando olhei para o aeroporto, vi dois grandes aviões Boeing que iam iniciar
a ‘ponte aérea’ para evacuar todas as Testemunhas de Jeová para Maputo.” Que
emoção! Depois de 12 anos retornar às suas cidades!
Infelizmente, sua aparência não era
nada apresentável. Emídio Mathe, ancião na Congregação Maxaquene, tomou
emprestado uma calça de alguém que tinha mais de uma, para chegar a Maputo mais
ou menos vestido. Os irmãos que esperavam a chegada dos refugiados em Maputo
também levavam roupa aos aviões, para que pudessem desembarcar com um pouco de
dignidade. Sentiam-se envergonhados? “Não”, responde Emídio, “embora tivéssemos
ficado materialmente despojados, tínhamos a esperança de que Jeová, um dia, nos
usasse para que seu nome fosse enaltecido. Não estávamos preocupados com bens
materiais; não nos sentíamos envergonhados. Andávamos esfarrapados, mas a nossa
fé em Jeová estava invicta.” Os irmãos na África do Sul e no Zimbábue
contribuíram de bom grado toneladas de alimentos e de roupa para seus irmãos
moçambicanos que retornaram.
O governo providenciou transporte
adicional às Testemunhas que voltavam para outras províncias. Para os que
retornaram à província de Sofala, à região conhecida como o Corredor da Beira
(por causa da proteção dada por soldados do Zimbábue), ainda ia haver
dificuldades. Dezoito deles, inclusive um ancião, foram capturados e levados à
base do movimento de resistência.
‘Jeová é grande, Jeová é grande!’
O comandante da base, depois de
interrogá-los e ficar sabendo que eram Testemunhas de Jeová, chamou um
religioso que dirigia uma igreja na região controlada pelo movimento de
resistência. Ele disse a este homem: “Estes são Testemunhas de Jeová e agora
vão orar com vocês. Trate-os bem.” Para a surpresa dos irmãos, este pastor (que
algum tempo antes obtivera publicações da Torre de Vigia no Zimbábue), meneou a
cabeça e exclamou: “Jeová é grande . . . Jeová é grande!” Prosseguiu:
“Oramos a Jeová para que enviasse pelo menos um para nos ensinar.”
No outro dia, ele reuniu os
62 membros da sua igreja e pediu que o ancião lhes falasse. O irmão
começou por dizer que todas as imagens deles tinham de ser removidas. (Deut.
7:25; 1 João 5:21) Eles prontamente obedeceram. Ele mostrou também que
Jeová não aprova e nem autoriza a expulsão de demônios por seus servos hoje em
dia e que o toque ritual de tambores não faz parte da verdadeira adoração
conforme delineada na Bíblia. (Mat. 7:22, 23; 1 Cor. 13:8-13) Na
conclusão, o líder do grupo levantou-se e disse: “A partir de hoje, eu e minha
família somos Testemunhas de Jeová.” Com exceção de um casal, a congregação inteira
expressou o mesmo desejo.
Nos quatro meses que os irmãos
permaneceram ali, realizaram regularmente reuniões. Quando chegou o tempo de
irem embora, levaram consigo um bom número deste grupo, muitos deles tendo sido
antes membros ativos das facções combatentes.
Muitos se juntaram ao povo de Jeová
durante este período, pois apesar das condições difíceis de vida, os irmãos
nunca deixaram de pregar as boas novas do Reino de Deus e de fazer discípulos.
— Mat. 24:14; 28:19, 20.
Retorno à vida nas cidades
Os irmãos eram gratos de estar de volta
nas cidades. Mas sem documentos, sem moradia ou serviço secular, a vida
continuava a ser difícil para eles. Era uma nova fase na sua vida cheia de
desafios. A própria nação passava por convulsões, flagelada por guerra
civil, fome, seca e desemprego. Conseguiria o povo de Jeová soerguer-se nestas
circunstâncias difíceis?
O governo veio em seu auxílio, criando
o Departamento de Reintegração Social. Muitas Testemunhas receberam de volta
seus empregos anteriores, ocupando posições importantes em empresas do setor
público e privado. Outros abriram seus próprios negócios.
Muitos puderam voltar às suas
residências anteriores, ainda ocupadas por parentes. Para outros, porém, a
situação não era fácil. Sua casa tinha sido ocupada por estranhos ou por
parentes inamistosos, ou tinha sido nacionalizada pelo Estado. Demonstrando
mansidão, as Testemunhas que voltaram decidiram não criar caso, contrário ao
que o governo talvez temesse. Testemunhas que não tinham sido enviadas aos
campos abriram seus lares, acolhendo seus irmãos sem teto. Aos poucos, acharam
ou construíram para si acomodações. Com a bênção de Jeová sobre a sua
diligência, muitos têm hoje uma boa casa, para a surpresa dos que tinham
observado a condição lastimável em que voltaram. É notável que no meio da
prevalecente pobreza, nenhuma Testemunha de Jeová teve de recorrer à
mendicância. Depois de poucos anos, quando se abriu a oportunidade para as
pessoas comprarem sua própria casa do Estado, a primeira pessoa em todo o país
a conseguir uma casa foi uma Testemunha de Jeová que estivera no Carico.
O depósito de publicações em Maputo funciona atualmente neste lugar.
No entanto, obter uma casa ou conseguir
outros benefícios materiais não era a principal preocupação dos irmãos. Mais
importante era achar locais para reuniões de adoração. Afinal, não era este o
principal motivo de Jeová os ter trazido a salvo para casa? Certamente era isso
o que os irmãos acreditavam firmemente. (Note Ageu 1:8.) Prontamente,
improvisaram todo tipo de Salão do Reino — em quintais, em salas de estar
e em cozinhas, em barracos de zinco e de sapé; às vezes — um luxo
— reuniam-se em salas de aula em escolas ou auditórios de hospitais.
É nestes Salões do Reino improvisados que a maioria das 438 congregações
em Moçambique se reúne até agora. Há raras exceções. Uma delas é na Beira onde,
com a ajuda da congênere da Sociedade no Zimbábue e da sua valente equipe de
construção, os irmãos superaram os muitos obstáculos e finalmente, em
19 de fevereiro de 1994, dedicaram em Moçambique seus primeiros dois
Salões do Reino construídos com tijolos.
Comissões especiais — reconhecimento legal
Com o objetivo de cuidar das
necessidades materiais e espirituais dos irmãos ao reorganizarem sua vida, o
Corpo Governante designou comissões especiais em Tete, na Beira e em Maputo,
supervisionadas pelas congêneres no Zimbábue e na África do Sul. Com este
arranjo, as congregações puderam receber mais atenção. Para fornecer as muito
necessitadas publicações bíblicas, estabeleceram-se depósitos nestas cidades.
Estes serviram também como centros de distribuição de alimentos e de roupa.
Organizaram-se assembléias e congressos, embora ainda fosse preciso vencer
alguns obstáculos antes que pudessem ser realizados abertamente.
Daí, em 11 de fevereiro de 1991,
correu uma notícia emocionante por todo o país, para a alegria do povo de Jeová
em todo o mundo. O governo de Moçambique concedera reconhecimento legal à
Associação das Testemunhas de Jeová de Moçambique. Fernando Muthemba, que
ajudara lealmente a cuidar dos irmãos no Carico, serviria como seu primeiro
presidente. O povo de Jeová em Moçambique regozijou-se também de ter no
seu meio os primeiros missionários treinados em Gileade. Estes ficavam em lares
missionários em Maputo e na Beira. Mas outro lar estava sendo preparado em
Tete, para receber mais missionários que iam chegar em breve.
Missionários alegram seus irmãos
Abriu-se em Moçambique um verdadeiro
campo missionário. Abnegados e desejosos de participar na reconstrução e
colheita espirituais em Moçambique, os formados em Gileade e pioneiros
especiais experientes que já serviram em outros campos aceitaram prontamente o
convite de servir aqui. Vieram de cinco continentes, muitos deles de países
onde se fala português, tais como o Brasil e Portugal. Sua nova designação não
deixava de ser um desafio, porque em 1990 e 1991 o país apenas estava começando
a sair do atoleiro econômico causado pela guerra e pela seca. Hans Jespersen,
missionário dinamarquês que servira no Brasil e que atualmente serve como superintendente
de distrito, conta: “Não havia praticamente nada nas lojas, e eram evidentes as
marcas da guerra e suas conseqüências.” No entanto, já se evidencia a constante
recuperação econômica. Apesar disso, muitos de nossos irmãos nas regiões norte e
rurais continuam a viver em condições extremamente difíceis.
Os missionários se confrontaram com
muito do que era novidade para eles. Por exemplo, antes da assinatura do acordo
de paz entre o governo Frelimo e a Renamo, as designações dos missionários às vezes
exigiam que viajassem em colunas (comboios compridos de veículos escoltados
pelas forças armadas do governo), e estes às vezes sofriam ataques. Mas tiveram
muita alegria em conhecer irmãos; e para muitos destes, conhecer Testemunhas de
outras raças e nacionalidades era a realização dum sonho.
Numa parte remota do norte, uma criança
andou o dia inteiro com o pai para ver um missionário que viera da Austrália.
Notando a expressão de admiração no rosto da criança, o pai disse: “Eu não lhe
disse que havia irmãos brancos?” Muitos, ao cumprimentar missionários,
expressavam sua satisfação dizendo: “Conhecíamos vocês apenas pelas
experiências no Anuário.” Testemunhas
moçambicanas, que em 1993 ainda estavam em campos de refugiados na Zâmbia,
disseram: “Quando ouvimos na Zâmbia que em Tete havia um lar missionário,
fizemos tudo para retornar, para ver isso com os nossos próprios olhos e para
continuar o serviço aqui, 18 anos depois de termos sido levados para o
Carico.”
O objetivo principal desses
missionários em Moçambique é pregar as boas novas do Reino de Deus. Isso tem
sido muito gratificante. Os primeiros missionários em Maputo e na Beira contam:
“A fome espiritual era tão grande, que quantidades enormes de publicações eram
colocadas diariamente.” As publicações da Sociedade, em quatro cores, são
novidade neste país e atraem muito a atenção do público. Os lares missionários
são muitas vezes usados como base central para dirigir estudos bíblicos, visto
que muitos estudantes parecem preferir isso.
Atualmente, há seis lares missionários
espalhados pelo país, com 50 missionários servindo em diferentes
designações. Alguns missionários viajam cada mês em rotas estabelecidas pela
filial para recolher relatórios e levar correspondências, revistas e outras
publicações. Estas rotas incluem o lugar onde antes havia o Círculo do Carico,
em Milange.
A propósito, o que aconteceu com as
Testemunhas que ficaram nessa região e que ficaram isolados do restante dos
seus irmãos?
Abre-se o Círculo do Carico
Em 4 de outubro de 1992, foi assinado
em Roma o Acordo Geral de Paz entre a Frelimo e a Renamo pondo fim oficial a
16 anos de guerra civil em Moçambique. Este evento amplamente festejado
possibilitou levantar a cortina que separava a região do anterior Círculo do
Carico. E o que se viu? Mais de 50 congregações das Testemunhas de
Jeová emergindo do isolamento que durara sete anos. Como sobreviveram
espiritualmente a este severo isolamento?
Em fevereiro de 1994, realizou-se em
Milange uma entrevista com 40 irmãos responsáveis. Também estavam presentes mil
outros que andaram mais de 30 quilômetros para ver os missionários. Os
anciãos que permaneceram depois do êxodo contaram: “Depois de muitos de nós
termos sofrido espancamentos naquela base militar, permitiram que voltássemos
para viver nas machambas das extintas
aldeias. Com o tempo, a Renamo autorizou-nos a construir Salões do Reino e
realizar reuniões. Prometeram — e o cumpriram — que enquanto
estivéssemos nos nossos salões ou em caminho para a nossa adoração, não
seríamos molestados. No entanto, não se responsabilizavam se num dia de reunião
alguém estivesse em casa ou mesmo fora do Salão do Reino.” E quanto à
pregação? A resposta dos irmãos é tocante: “Sem roupa e despojados,
vivíamos como bichos, mas não esquecíamos que éramos Testemunhas de Jeová e que
tínhamos a obrigação de pregar o Reino.” Que demonstração eloqüente de apreço e
de amor a Deus!
Em 1993, o superintendente de distrito
e sua esposa presenciaram um evento sem paralelo numa assembléia de circuito
realizada em Milange, algo que confirmou que esses irmãos deveras haviam
continuado a fazer discípulos. Quando o orador do discurso do batismo pediu que
os candidatos ficassem de pé, 505 se levantaram dentro duma assistência de
2.023, apresentando-se para o batismo! E tem mais.
O “Saulo” do Carico
Saulo de Tarso, ferrenho perseguidor
dos seguidores de Jesus Cristo no primeiro século EC, tornou-se servo
zeloso de Jeová. O Carico também teve seu “Saulo”. Ele é um homem de
traços finos e de aparência mansa, e é atualmente servo ministerial e pioneiro
regular. Não há nada que o diferencie dos seus colegas de trabalho quando estes
dão duro para ganhar o sustento. Mas escute-o ao contar sua história, ao fazer
uma pausa no seu trabalho:
“Em junho de 1981, a região em que eu
vivia foi tomada pelo movimento de resistência. Fui levado com outros homens ao
seu quartel. Foi-nos exposto o motivo da sua luta e a importância de apoiá-la
para a libertação de nosso povo. Recebi treinamento militarizado e participei
em combates bem-sucedidos. Esta tornou-se minha rotina nos próximos sete anos.
Dada a minha lealdade ao movimento, fui promovido a comandante. Chefiei sete
pequenos exércitos. Muitas regiões vieram a estar sob o nosso controle, e uma
delas era o Carico. Destaquei homens para penetrarem nas aldeias onde estavam
as Testemunhas de Jeová em busca do seu apoio. Autorizei a queima das suas
casas e que algumas delas fossem mortas. Meus comandados me disseram:
‘Mataremos a todos, mas nunca conseguiremos mudá-los.’ Com o tempo, fui
transferido para outras bases.”
Embora este comandante não tivesse
escrúpulos de perseguir o povo de Jeová, o próprio Jeová, na sua misericórdia,
deu-lhe a oportunidade de mudar. O homem explica: “Após sete anos sem ver
a minha esposa, pedi dispensa para visitá-la. E foi em Malaui, num campo
de refugiados, que tive meu primeiro contato com a verdade. Recusei
inicialmente. Depois, ao ouvir sobre o novo mundo, o Reino de Deus e um mundo
sem guerras, perguntei-me: ‘Pode alguém que fez tantas coisas más beneficiar-se
com isso?’ Foi-me respondido com a Bíblia: ‘Sim, por ter fé e obedecer a Deus.’
Aceitei um estudo bíblico, e em junho de 1990 fui batizado. Desde então tenho
sido pioneiro, ajudando a muitos dos meus colegas ex-combatentes. Só ali
naquele campo ajudei a 14 pessoas a se tornarem servos de Jeová. Tendo
servido onde há mais necessidade, já sofri o meu quinhão por motivos de
neutralidade. Sou muito grato a Jeová pela sua misericórdia e por não levar em
conta os tempos da minha ignorância, perdoando-me por meio do sacrifício de
Jesus Cristo.” (Atos 17:30) Este é apenas um dos muitos exemplos que mostram
por que os irmãos moçambicanos dizem tantas vezes com profundo apreço: “Jeová é
grande.” — Sal. 145:3.
Uma filial em Maputo
Quem diria? Aconteceu mais cedo do que
esperávamos. O Corpo Governante aprovou que houvesse uma filial em
Moçambique. Desde 1925, quando o mineiro Albino Mhelembe trouxe a verdade de
Johanesburgo, a obra em Moçambique havia sido cuidada pelas congêneres na
África do Sul, em Malaui e no Zimbábue. Finalmente, em Maputo, a partir de
1.° de setembro de 1992, numa grande casa que a Sociedade adquiriu e
renovou na área de muitas embaixadas, a filial moçambicana iniciou seu trabalho
de supervisionar este vasto campo. Começando com uma reduzida família de 7 membros,
a recém-designada Comissão de Filial tinha pela frente um trabalho desafiador.
Tinha de organizar a obra no campo, cuidar das necessidades espirituais
— e mesmo materiais — dos irmãos, ajudar na construção de Salões do
Reino e construir um novo prédio para a filial. Era uma tarefa e tanto. Mas
começou a chegar ajuda.
Equipes de voluntários internacionais
de construção, vindas de partes diferentes do mundo, participam agora com os
irmãos moçambicanos na construção do novo prédio da filial num lugar agradável
perto duma praia. A própria família de Betel aumentou para 26 membros
regulares. Irmãos e irmãs da região de Maputo também ajudam. Como grupo unido,
todos trabalham para enaltecer a adoração do verdadeiro Deus, Jeová, nesta
parte da Terra. — Isa. 2:2.
“Tende em estima a homens desta sorte”
Um trabalho desafiador é também
realizado pelos superintendentes viajantes. Mencionamos homens tais como Adson
Mbendera, que costumava visitar as congregações no norte e que depois serviu
como membro da Comissão ON nos campos; Lameck Nyavicondo, lembrado com
apreciação pelos irmãos de Sofala; Elias Mahenye, que veio da África do Sul
para servir, sofrendo atrocidades e advertindo: “A PIDE [a polícia colonial]
desapareceu, mas o avô dela, Satanás, o Diabo, ainda está por aí.
Fortaleçam-se e tomem coragem.” (1 Ped. 5:8) Sem contar com as comodidades
normais, renunciaram a quaisquer confortos que tivessem para servir aos seus
irmãos.
Há pouco tempo, na região de Milange,
onde estavam as aldeias “carcerárias”, formou-se um circuito. Os irmãos que
moram naquela região são especialmente gratos a Jeová por serem beneficiados
mais plenamente pelos cuidados providos por meio da Sua organização visível.
Orlando Phenga e sua esposa acharam ser um privilégio sair de Maputo para
servir ali, onde ele e milhares de outros tinham atuado no “Palco do Carico”.
Ao oeste da cidade de Tete, ajudando a reintegrar congregações que por anos
também ficaram isoladas pela guerra, Benjamin Jeremaiah e sua esposa viajam por
dias a pé a lugares onde muitos nunca viram um automóvel. Raymund Phiri,
solteiro abnegado, teve de dormir no alto duma montanha junto com os demais da
congregação que servia para escapar a possíveis ataques, e foi ali que preparou
seu relatório para o escritório. Também Hans e Anita Jespersen servem um
distrito que abrange o país todo e chegaram a conhecer tanto as riquezas
espirituais como a pobreza material dos seus irmãos.
Todos estes irmãos demonstraram ter o
espírito que induziu o apóstolo Paulo a escrever a respeito de Epafrodito:
“Tende em estima a homens desta sorte.” — Fil. 2:29.
Avanço com zelo piedoso
Os fiéis em Moçambique, além de terem
mantido a integridade em severas provas, têm manifestado seu amor a Deus e ao
próximo de outros modos. No ministério público, aproveitam bastante sua
recém-conseguida liberdade e as abundantes provisões de Jeová na forma de
revistas e de outras publicações. Podem ser vistos pregando livremente nas
ruas, nas praças públicas e em mercados tais como o de Xipamanine. Os resultados
são evidentes no aumento rápido do número de louvadores de Jeová.
Além do acréscimo de novos
publicadores, o aumento tem sido ampliado pelo retorno de irmãos dos campos de
refugiados em países vizinhos. Circuitos inteiros têm retornado. Constroem
rapidamente Salões do Reino com qualquer material disponível. Fazem isso até
mesmo em comunidades temporárias de refugiados, tais como Zóbuè, na fronteira
de Malaui, e Caboa-2, fora de Vila Ulongue. Sem esperar tempos melhores, muitos
se têm alistado como pioneiros. Há agora mais de 1.900 participando neste
serviço de tempo integral. Expressam grande apreciação pelo treinamento
recebido na Escola do Serviço de Pioneiro, em funcionamento aqui desde 1992.
Pode imaginar quem foram os instrutores
numa recente escola em Maputo, onde quase a turma inteira era daqueles que
estiveram no Círculo do Carico? Francisco Zunguza, recordista moçambicano do
número de vezes que foi preso por causa da sua fé, e Eugênio Macitela, preso e
mandado a Milange depois de ter estudado apenas por uma semana. Ambos servem
atualmente como superintendentes de circuito. E um dos estudantes foi
Ernesto Chilaule. Ele tem uma lembrança que gosta de contar: “Quando passo
naquela rua onde está o prédio da extinta PIDE, olho para aquela janela e
lembro — foi ali que os agentes me disseram: ‘Fica sabendo, Chilaule, que
aqui é Moçambique, e vocês nunca serão reconhecidos neste país.’ E logo
ali perto, rua abaixo, está a nossa filial legalizada!”
Como o irmão Chilaule deve sentir-se
recompensado, pois a sua pequena Alita, que costumava buscar alimentos das
provisões congregacionais enquanto seu pai estava na prisão de Machava, é agora
a esposa de Francisco Coana, um dos membros da Comissão de Filial! O irmão
Coana era aquele pioneiro zeloso no Carico que espertamente “vendia” produtos
aos de fora dos campos, para poder pregar-lhes. Por certo, Jeová tem abençoado
os milhares de fiéis que, lá no norte no distrito de Milange, no Círculo do
Carico, escreveram uma bela página repleta de amor, de fé e de integridade para
a honra e a glória de Jeová. — Pro. 27:11; Rev. 4:11.
Mas a batalha ainda não acabou. Há
novos perigos desafiadores. O espírito permissivo do mundo que se espalhou
pela Terra também pode fazer vítimas aqui e já os tem feito. Imoralidade,
materialismo e indiferença causados pelos tempos aparentemente mais fáceis, têm
causado dano. No entanto, os servos fiéis de Jeová, em Moçambique, continuam
fervorosamente a manter constante vigilância. Sobreviveram a tremendas provas
de fé. Estão decididos, com a ajuda de Jeová, a continuar a dar evidência
de que amam a Jeová de todo o coração, mente, alma e força, e que amam seu
próximo como a si mesmos. Têm fé inabalável em que o Reino de Deus em breve
transformará a Terra num paraíso, em que não somente não haverá guerra e fome,
mas que terão ali a grande alegria de acolher de volta os seus entes queridos
falecidos, inclusive todos os que se mostraram fiéis a Deus mesmo até a morte
no Círculo do Carico. — Pro. 3:5, 6; João 5:28, 29; Rom. 8:35-39.
[Foto/Mapas na
página 123]
(Para o texto formatado, veja a
publicação)
Mapa encaixado: Muitos
irmãos foram exilados para São Tomé, no oceano Atlântico, distante uns
3.900 quilômetros
ZÂMBIA
MALAUI
MOÇAMBIQUE
ZIMBÁBUE
ÁFRICA DO SUL
Milange
Carico
Mocuba
Inhaminga
Beira
Maxixe
Inhambane
Maputo
Tete
[Foto na
página 131]
Disseram a Ernesto Chilaule: “Vocês
nunca serão reconhecidos neste país. . . . Mas você esquece isso!”
[Fotos nas
páginas 140, 141]
No campo de refugiados no Carico,
nossos irmãos (1) cortavam lenha e (2) pisavam barro para a
fabricação de tijolos, ao passo que (3) as irmãs carregavam água.
(4) Achavam um meio de realizar assembléias. (5) Xavier Dengo,
(6) Filipe Matola e (7) Francisco Zunguza ajudavam por dar ali
supervisão espiritual como superintendentes de circuito. (8) Salão do
Reino construído ali por Testemunhas malauianas, ainda em uso.
[Foto na
página 175]
Testemunhas reunidas para o Congresso
de Distrito “Devoção Piedosa” perto de Maputo, em 1989, logo depois de
retornarem dos campos
[Fotos na
página 177]
Em cima: anciãos e superintendentes de
circuito no lugar onde missionários entregam cada mês publicações e
correspondência
Embaixo: missionários em Tete recebem
aulas de chicheua
[Fotos na
página 184]
Comissão de Filial (da esquerda: Emile
Kritzinger, Francisco Coana, Steffen Gebhardt) com foto dos prédios da filial
agora em construção em Maputo
[Gravura de
página inteira na página 116]