Canal de Opinião
por Noé Nhantumbo
Como explicar as divergências na Frelimo?
Não
queremos nos tornar num país de “carneiros obedientes”, cumpridores e
sem ideias próprias. Se alguém pensava que Moçambique era imutável e era
o “REICH dos MIL ANOS”, como um ex-combatente um dia disse, enganou-se
redondamente.
O
edifício monolítico do passado já não é mais. Na Frelimo dos dias de
hoje, o comportamento das figuras de proa parece ser mais de um
movimento do que de um partido político. O “Manifesto do Tofo”, de 1975,
foi definitivamente abandonado. E nem poderia ser de maneira diferente.
E
agora cada vez mais claramente tanto o presidente actual como o
presidente honorário se manifestam como “peso e contra-peso” dentro de
um mesmo partido. A chamada reforma do presidente honorário só foi “Sol
de pouca dura”.
Integrado
que está no contexto das nações, Moçambique, só poderia adiar a
emergência daquilo que as potências e interesses mais poderosos do
planeta tem definido como programa ou planos para concretização global.
O
percurso histórico recente foi caracterizado por uma guerra com
diferentes contornos e desenvolvimentos. A tese de guerra de
desestabilização defendida com unhas e dentes pela Frelimo não é
suficiente para explicar o conflito armado de triste memória. A tese de
guerra civil também tem as suas limitações. Que fomos colhidos na
encruzilhada de interesses característicos da Guerra-Fria é inegável.
Que também tem havido resistência e recusa em reconhecer que fomos
utilizados e geridos a partir do exterior é outra verdade.
A
julgar pelo comportamento de hoje das figuras dirigentes de ontem e de
hoje só se pode concluir que muito pouco marxismo ou leninismo existia
nas suas mentes.
Tudo
não passou de questão circunstancial e aquilo que definia
comportamentos ontem afinal não era de facto uma ideologia abraçada e
interiorizada. Poucos são aqueles que ao longo da luta pela
independência defendiam um ideal e que ainda se mantém fiéis ao mesmo.
Contra factos não há argumentos. Os capitalistas de hoje jamais foram
marxistas. Diziam-se marxistas porque convinha e era politicamente
correcto apresentarem-se como tal.
Tem
firmeza ideológica aquele que se recusa a receber um prémio por não
concordar com os seus critérios e com o seu júri. E quando alguém é
premiado por alegados feitos, exactamente por seus adversários
ideológicos do passado, é porque está cumprindo com aquilo que é agenda
dos que dão tal prémio.
Hoje
temos um Moçambique que não se pode considerar à propriamente à deriva
mas que possui muitos elementos característicos disso.
Muita
gente está “puxando a sardinha para a sua brasa” e nesse puxa-puxa
muitas vezes as cordas arrebentam e factos desconhecidos aparecem
boiando à superfície das águas. Afinal sempre é verdade que não há
segredos eternos.
De
todas as histórias de centralismo político existe uma herança residual
de longa duração. Entre nós as manifestações de diferentes quadrantes
são indicativo dessa realidade. Por parte do partido no poder conhecemos
um passado de decisões tomadas sem recurso a muita participação dos
membros. Quase sempre os caminhos a seguir eram decididos em círculos
restritos. Para a maioria cabia obedecer e isso era perfeitamente normal
devido à natureza político-militar do movimento/partido. Também da
parte da oposição armada ao regime instaurado no país as coisas e
procedimentos tinham uma forte característica militarizada e não podia
ser de outro modo.
A
transformação em partido político não foi completa e qualquer dos
partidos sempre manteve uma forte inspiração militar. Toda a aparente
abertura democrática só foi até onde os detentores do poder real
consideraram ou decidiram permitir.
Esquecer estas limitações ao exercício democrático no país é não querer ver o que sempre esteve claro.
Um
país desenvolve-se através de processos assumidos e muitas vezes não
observados. O que julgamos por vezes ter e viver não é aquilo que é ou
que foi decidido.
Na
actualidade assiste-se a novos desenvolvimentos do processo democrático
em que as iniciativas continuam a vir muitas vezes do partido no poder.
Por força de contradições internas cada vez mais inegáveis observam-se
posicionamentos divergentes entre pessoas que antes se diziam unidas e
solidárias. É interessante e importante para o país que as coisas
apareçam à luz do dia e dirigentes dos partidos se apresentem com um
discurso diferente. Quando se discutem questões como o conteúdo de
alegadas “gerações” ou quando a directiva do presidente actual é
manifestamente contra o posicionamento do ex-presidente no que se refere
ao “deixa andar” estamos perante factos e não meramente discussões
académicas ou comentários de jornalistas ou analistas curiosos ou ainda
intrometidos.
Alguma coisa está borbulhando no caldeirão do partido no poder.
As
visíveis contradições entre a liderança da Renamo e seus membros
proeminentes também são indicativos de saturação e de abertura de
brechas no castelo da disciplina montado nos tempos da guerrilha
anti-governamental.
O país só tem a ganhar quando existem questionamentos em relação às decisões tomadas.
Começa
a cair o véu da infalibilidade dos dirigentes. A abertura democrática
se ainda não é plena pelo menos já fez cair alguns “tabus” como o da
“Unidade Férrea” entre a liderança da Frelimo. O presidente honorário
não morre de amores pelo presidente do mesmo partido, apesar de ambos
andarem a tentar desmentir, e isso é visível a olho nú. Senão jamais
haveria a possibilidade de se apresentarem em público com discursos
divergentes e não previamente trabalhados. As chamadas referências
morais e ideológicas da Frelimo apresentam-se distantes da agenda do
presidente do seu partido. Mas a “corte” ou “fauna acompanhante” da
liderança deste partido acredita e pratica que tem de seguir o chefe e
ninguém se apresenta com coragem suficiente para se “suicidar”
politicamente. Esses são os “secretários” mesmo ao seu mais alto nível.
Quase todo o discurso discordante vem de pessoas que não tem nada a
perder e que ainda possuem algum poder efectivo nas fileiras de seu
partido. A continuação desta linha de confrontação vai trazer os seus
resultados e um deles deverá ter um conhecimento cada vez maior da
história nacional pois falando-se descobrem-se “linhas de passe” como
dizem os futebolistas.
Vivemos
um momento importante da nossa história que importa agarrar e utilizar
como passaporte para mais democracia. Não queremos nos tornar num país
de “carneiros obedientes”, cumpridores e sem ideias próprias.
Se
alguém pensava que Moçambique era imutável e o “REICH dos MIL ANOS”
como um ex-combatente um dia disse, enganou-se redondamente.
Induzidos
por diferenças de concepção e por aquilo que parece um processo de
transferência de poderes não tão pacífico como antes se quis dar a
entender aos moçambicanos, os dias de hoje estão sendo prenhes de
surpresas a partir de um lago em que por muito tempo se pensou que tudo
estava calmo, manso que nem um lago. Afinal da “ex-Pereira do Lago”
ainda temos de receber muitas novidades... (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 08.07.2010