domingo, 9 de setembro de 2012

Paz vai mais além da ausência de guerra e violência - Chissano

 

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Joaquim_chissano1O antigo presidente moçambicano, Joaquim Chissano, afirma que a paz é um fenómeno complexo que não se alcança apenas com o fim de uma guerra ou violência, tal como ocorreu com a guerra civil dos 16 anos, terminada oficialmente a 04 de Outubro de 1992 em Moçambique.
Chissano, que também é um dos dois signatários do Acordo Geral de Paz (AGP), explica que existem outros componentes pelos quais é preciso lutar.
Segundo Chissano, durante muito tempo as pessoas ignoravam esta guerra, que já se desenrolava em algumas regiões do Centro e Norte do país, desde Fevereiro de 1976, cerca de oito meses depois da proclamação da independência nacional.
Falando na semana passada, no programa “Em Foco” da Rádio Moçambique (RM), por ocasião do próximo dia 04 de Outubro, data em que o país celebra 20 anos de paz, Chissano descreveu pormenorizadamente e de forma didáctica o caminho percorrido pelos moçambicanos na busca de paz.
Segundo Chissano, o seu antecessor, o falecido presidente Samora Machel, já tinha encetado contactos com várias entidades e, particularmente, com o governo do Quénia onde a Renamo, o antigo movimento de resistência e hoje transformado no maior partido da oposição, tinha presença e apoio diplomático. Naquele país da África Oriental alguns membros da Renamo recebiam passaportes que garantiam a sua movimentação.
Para Chissano, Machel acreditou que esta era uma oportunidade para dialogar e conhecer melhor as pessoas que estavam a ser usadas na guerra civil em Moçambique. A independência do Zimbabwe, em 1980, fez acreditar que a paz estava mais perto, o que efectivamente não aconteceu.
Mesmo assim, Samora não desistiu e tentou outros caminhos para influenciar a Renamo a parar com a guerra. Com a independência do Zimbabwe, a Renamo transferiu a sua base para a África do Sul do extinto regime apartheid.
Foi na tentativa de acabar com a guerra que Machel acabou por assinar o “Acordo de Nkomati”, em 1984.
Depois do acordo, segundo Chissano, foram criadas condições para um diálogo com a Renamo o que veio a acontecer em Pretória, na Africa do Sul. Estas negociações pareciam também ser positivas. Tudo indicava que seria possível alcançar um acordo que, infelizmente, não aconteceu.
Segundo o entrevistado, a Renamo tomou uma atitude contrária ao desenrolar das negociações. “Ficou um acordo fracassado que desembocou no rápido alastramento da violência em todo o território nacional, porque parecia que o regime do apartheid queria se livrar da Renamo o que só facilitou que este movimento se espalhasse por todo o país”.
Muitos moçambicanos acreditam, erradamente, que a busca de caminhos para as conversações de Roma, na Itália, que deram lugar ao AGP, iniciaram depois do assassinato de Samora Machel, num acidente aéreo ocorrido em Mbuzini na África do Sul a 19 de Outubro de 1986.
ENVOLVIMENTO DE CHISSANO NA ACÇÃO PELO FIM DA GUERRA CIVIL
O alastramento da guerra exigia, segundo Chissano, novos esforços, e o presidente Machel voltou a contactar as autoridades quenianas na pessoa do antigo Presidente Daniel Arap Moi para mais um diálogo. Mesmo sem avançar datas precisas, Chissano disse ter sido desta vez que ele também se associou, procurando formas de trazer a paz para Moçambique.
Na entrevista, Chissano esclareceu que nesta acção não chegou a sentir discordância por parte de outros membros da Frelimo, até mesmo em questões mais delicadas como a mudança da Constituição.
“Tivemos um debate em que houve pontos de vista diferentes mas acabamos convergindo na criação do multipartidarismo em Moçambique”, disse.
Até a altura que tivemos que pensar na alteração da Constituição era para criarmos a base para um diálogo aceitável no país”, disse Joaquim Chissano, que assumiu a presidência de Moçambique aos 46 anos de idade.
“Houve várias tentativas de diálogo com a Renamo, tentativas indirectas através de intermediários e, numa reflexão profunda em 1988, eu cheguei a conclusão de que era preciso mudarmos a Constituição”, acrescentou.
A revisão começou cerca de ano depois e terminou em 1990, trabalho que foi dirigido pela Assembleia Popular e depois pela própria Frelimo como forma de maior abrangência pois esta formação política tinha longa experiencia adquirida durante a luta pela independência nacional e tinha forte influência no seio das bases.
Para Chissano, esta estratégia veio a coincidir porque durante a libertação nacional ficou claro que a luta não era só militar, por isso a designação politico -militar. Na luta de libertação houve várias frentes como a diplomática, armada, política, económica e mesmo cultural.
“Para se alcançar a paz tínhamos também que fazer convergir tudo isso. Enquanto combatíamos e para não deixar que a guerra continuasse a matar gente, também encontrávamos formas de exercer a diplomacia para que todas as forcas internacionais convergissem na busca da paz”, afirmou Chissano.
Chissano acredita que os dois anos que as conversações levaram em Roma foi bom para o país, pois permitiu construir um edifício sólido. O acordo, segundo Chissano, tinha que ser bem discutido para se chegar a um consenso, apesar de alguns dos consensos terem sido mais tarde mal interpretados, “mas serviu para que mantivéssemos a paz até agora que vamos celebrar 20 anos”.
O PRIMEIRO FRENTE A FRENTE COM AFONSO DHLAKAMA
Chissano disse que o primeiro encontro com Afonso Dhlakama, líder da Renamo, e signatário do AGP, ocorreu nos finais de Agosto de 1992, menos de dois meses do AGP, num hotel em Roma, onde se hospedava o Presidente Robert Mugabe do Zimbabwe. Dhlakama foi transferido para a sala onde Chissano e Mugabe se encontravam pelo empresário Tiny Rowlands.
“A primeira pergunta que lhe fiz foi se ele queria a paz. Ele respondeu que sim queria a paz. Estendi-lhe a mão e lhe disse que a paz está aqui e, agora, vamos sentar para discutir sobre os detalhes porque a paz já estava garantida com o primeiro aperto de mau entre nós”, explicou Joaquim Chissano.
Para a assinatura do AGP, Chissano diz ter insistido em ir a Roma mesmo depois de indicações de que Dhlakama não se faria presente.
“A nossa delegação em Roma estava inquieta e pensava que seria uma desfeita eu chegar lá sozinho se Dhlakama não aparecesse. Mas tínhamos que deixar as coisas claras, se todos nos queríamos a paz ou não e, para mostrar que queríamos a paz, lá fui. Eu pensava que a minha presença em Roma ajudaria a clarificar alguns pontos que fizessem com que o próprio Dhlakama mudasse de ideia. Era uma forma de persuadi-lo a ir a Roma, o que faria melhor estando lá do que em Maputo. Até porque eu sabia que alguns presidentes da região estariam lá presentes”, explicou Chissano.
Chissano reconheceu ter havido pontos de discórdia que provocaram sucessivos impasses, nomeadamente sobre quem passaria a governar as “ditas zonas libertadas”.
“É uma proposta que veio da Renamo a última da hora e eu próprio elaborei três protocolos e um deles era sobre a administração. Todos foram aceites pelos mediadores e estes não chegaram de informar a contraparte da Renamo de que os protocolos eram da nossa autoria (governo). Se tivessem o dito, a Renamo teria rejeitado”, referiu.
Ele acrescentou que os mediadores foram apresentar um projecto que “eu próprio elaborei, dizendo que era da mediação. Dhlakama quase que aceitou sem discussão, o mesmo aconteceu com os outros protocolos sobre a informação e sobre polícia. Foram todos elaborados por mim e foram todos os três aceites tal como os tinha apresentado”.
PARTE MAIS INTENSA DA BUSCA DA PAZ FOI COM JOAQUIM CHISSANO
Chissano diz não haver dúvida nenhuma de que a parte mais intensa da busca da paz foi feita por ele, depois de todo o historial iniciado pelo falecido presidente Samora Machel.
“Não há dúvida nenhuma que a parte mais intensa da busca da paz, depois de todo o historial iniciado por Machel, foi feita por mim. As novas estratégias aplicadas também foram pensadas por mim e a própria negociação foi orientada por mim. O Camarada Armando Guebuza era o mediador principal, o chefe da mediação, mas teve orientação e retaguarda feitas por mim”, vincou o antigo estadista moçambicano.
Chissano disse que alteração da Constituição moçambicana também foi sua obra e se a nação se lembrar da sua pessoa, pelo facto, “fico contente apesar de que participei em outras fases da nossa luta”.
Segundo ele, tinha se montado um gabinete em contacto permanente com a delegação em Roma, uma participação directa desde 1987.
Ela disse estar ciente de que houve outros contactos feitos por outras entidades junto ao Vaticano, a comunidade do Santo Egídio, os próprios Estados Unidos da América, entre outros.
O QUERER SER SUPERIOR QUE O OUTRO PODE PERIGAR A PAZ
Questionado se a paz veio definitivamente para ficar, Chissano respondeu que sim desde que ela seja alimentada, reiterando que ela deve ser vista para além da ausência da guerra.
Segundo ele, Moçambique tem várias manifestações de conflito e muitas vezes violento, caso dos assaltos a mão armada a cidadãos pacíficos, raptos, violação de mulheres, violência doméstica, e a própria pobreza.
Para a fonte, o facto de os moçambicanos estarem a tentar debelar estes todos conflitos é sinal de que todos se interessam pela paz.
“Temos que ter atenção a outras formas de conflito e que são também difíceis de vencer e que muitas vezes começam com o conflito individual. Cada um de nos vive com os seus conflitos e que as vezes geram conflitos com outras pessoas e com comunidades. Temos que começar por nos e depois irmos para outros, incluindo ao mundo”, disse Joaquim Chissano.
Para Chissano, não adianta trocar acusações e não enfrentarmos o desafio de união.
“É evidente que é o ser o que eu sou, o que tu és, o que ele é, que realmente nos faz interagir. Se o meu eu querer ser superior ao teu, então gera-se conflito entre nós”, advertiu o diplomata Joaquim Chissano.
RM/AIM– 09.09.2012