A notícia posta a circular em Lourenço
Marques, sobre as conclusões a que se havia chegado nas conversações de Lusaka, desencadeia então, na tarde de
6, as primeiras de uma série de acções provocadas por reaccionários brancos,
que iriam cobrir de luto toda a cidade.
Quando um carro passava em plena baixa
citadina, ostentando uma grande bandeira da
FRELIMO1 foi voltado por um grupo de brancos, ao mesmo tempo
que a bandeira da FRELIMO era destruída. As fotografias de Samora Machel que os
ocupantes do veículo distribuíam são rasgadas, e logo se forma uma enorme
multidão com grande predominância de brancos, a qual, incitada por alguns
elementos mais
excitados, se dirige ao edifício onde funciona o matutino Notícias; ali,
parte todas as vidraças do piso térreo; um repórter fotográfico do jornal que
pretendeu tirar fotografias naquele local, foi barbaramente agredido e forçado a fugir. A multidão invade o
rés-do-chão do edifício, põe em fuga o pessoal das oficinas, e destrói parte da
maquinaria.
Na revista Tempo1
acontece o mesmo, depois de a multidão, para ali chegar, ter atravessado
quase toda a cidade, engrossando progressivamente o seu caudal.
Rui Marote, operador
cinematográfico, é agredido, roubam-lhe a máquina, retiram o filme, e expõem-no
ao Sol, a
fim de o inutilizar. Veículos do Notícias e de A Tribuna são apedrejados, voltados, e incendiados. Estes
dois jornais diários, ambos propriedade do Banco Nacional Ultramarino, haviam
dedicado as respectivas duas últimas edições às conversações de Lusaka,
manifestando-se abertamente partidários de um governo transitório presidido
pela FRELIMO.
A intervenção de forças da Polícia
Militar e da PSP, coadjuvadas com o
precioso elemento dissuasor que são
os cães-polícias, permitiu que a multidão não levasse a cabo os seus intentos de
destruição total. Mas não desarma. Sobe a Avenida Castilho, detém-se frente ao
edifício onde funciona o Rádio Clube de Moçambique, e enquanto entoa em uníssono o hino nacional português, destrói todas as vidraças
à pedrada. Ali, também só a intervenção policial permitiu que o vandalismo não
alastrasse. Enquanto isso, das redacções dos dois diários assaltados, pedem-se
chamadas telefónicas urgentes para Lusaka, e informa-se a delegação da FRELIMO
quanto ao que se está a passar. Ao cair da noite, o edifício é de novo
assediado por uma multidão que empunhava a bandeira nacional e cantava o hino
português, numa tentativa de assalto às instalações. Chovem pedras e insultos,
e a força policial ali postada dificilmente consegue suster os vândalos.
Ainda durante a noite, é forçada a porta da
sede da agremiação política Democratas de Moçambique, na Avenida 24 de Julho, e
é lançado fogo às instalações. A Associação Académica de Moçambique é também
assaltada, mas os energúmenos não conseguem ir além de apedrejamento.
Estava assim desencadeado o processo de
«reivindicação» branca, o qual havia tido
já os seus prelúdios, quando semanas antes um comando de racistas brancos assaltara as oficinas do Notícias e de A
Tribuna, fazendo explodir ali duas bombas.
Mau grado estes
acontecimentos, ambas as delegações ainda presentes em Lusaka
manifestam-se optimistas quanto ao futuro. Mas em Lourenço Marques, a
população é subitamente acordada em sobressalto, à primeira hora do dia 7, por
uma violenta explosão, registada num paiol de munições da Força Aérea, situado à
saída da cidade, junto ao aeroporto. Era o
prelúdio dos acontecimentos que iriam marcar de forma inesquecível o dia
7 de Setembro, na capital moçambicana, de
onde, entretanto, se conhecem novos pormenores
quanto aos incidentes que já se haviam verificado na própria
quinta-feira, dia 5, e que só muito mais tarde viriam a ser relatados pela Imprensa.
Assim, nos distúrbios
registados nesse dia, duas figuras características da cidade são
apontadas como cabecilhas dos motins: o «Fonseca maluco»,
ex-agente da Polícia de Segurança Pública e graduado da Organização
Provincial de Vigilância e de Defesa Civil (OPVDC), assim a
modos que uma milícia branca, e Gonçalo Mesquitela, filho
do antigo deputado à Assembleia Nacional fascista pelo círculo de Moçambique, e membro
destacado da ANP local.
No sábado de manhã
recomeçam os incidentes. Surgem carros por toda a cidade,
guiados por brancos, e buzinando insistentemente. Na
estátua de Mouzinho de Albuquerque, frente aos Paços do Concelho, é
colocada uma bandeira nacional e regista-se impressionante manifestação
de «nacionalismo» por parte de milhares de
brancos. O cortejo automóvel dirige-se então ao Estádio da Machava, onde
se realizava o comício pró-FRELIMO, engrossando o número de participantes a
cada esquina por que passava. A trezentos
metros do estádio são interceptados por forças policiais e do exército.
Desistem dos seus intentos, e é então que um pouco por toda a parte
surgem «milagrosamente» milhares de
bandeiras verde-rubras.
Com a cidade em agitação total, os
manifestantes dirigem-se, cerca das dezasseis horas, para as imediações do Rádio Clube de Moçambique, onde, desde a noite anterior, havia tomado posição um
«comando» armado.
A multidão é imensa, e o trânsito começa a ser
convenientemente desviado para outros
locais, tarefa a que se propuseram improvisados «sinaleiros»
providencialmente saídos da multidão.
Pelas dezoito horas e vinte minutos,
com Sérgio Cardiga (filho de um importante
latifundiário e comerciante, e neto de um deportado para Moçambique,
por crimes de jurisdição comum praticados em Portugal) à frente do grupo de «comandos» e
empunhando uma «Magnun 400», são forçadas as portas do edifício. No interior,
dedicam-se à destruição. E alguém lhes
recorda que a aparelhagem técnica deve ser poupada, uma vez que sem ela o
golpe de mão perderia o seu efeito.
Começa então a série de emissões da
«estação--pirata». Mário Soares, diz a rádio, bem como Almeida Santos, eram
traidores que haviam vendido Moçambique. Sabe-se então que esta acção se deve
ao MOLIMO (Movimento de Libertação de Moçambique), que é dirigido por Gomes
dos Santos, do FICO, ao qual estão associados Hugo Velez, Pires Moreira, Vasco Cardiga, Gonçalo Fevereiro, Uria
Simango, Daniel Roxo (o célebre comandante de milícia acusado de vários
massacres de populações negras no Norte), Segurado (ex-inspector-chefe da PS
P, altamente comprometido com a PIDE), e outros.
Gomes dos Santos
utiliza então os microfones para anunciar que o MOLIMO controlava a situação.
Convida a população a concentrar-se junto ao Rádio Clube, e anuncia ter o
MOLIMO tomado conta do Governo. Pede a todos aqueles que se sentissem com
capacidade governativa para se dirigirem aos revoltosos, porquanto «o
programa de Lusaka não será posto em prática, pois agora Moçambique é livre».
Nas emissões da rádio-pirata afirma-se
constantemente que Moçambique inteiro está com os revoltosos, apela-se para
militares com nomes sobejamente conhecidos, afirmando-se estarem eles com os
dissidentes. E diz-se que o presidente da República estaria solidário com a
acção levada a cabo, e proferiria a todo o momento uma proclamação.
Esta é a única voz que se ouve em todo o Sul
de Moçambique. Os jornais estavam paralisados pela selvática destruição das oficinas, uns, enquanto o matutino Diário,
propriedade do Arcebispado, que estava suspenso há várias semanas, também
não sai.
À cadeia da Machava dirige-se um grupo
chefiado por um elemento do MOLIMO, que põe em liberdade oitenta agentes da
ex-PIDE que ali estavam detidos. Os dirigentes dessa polícia política são então
vistos a passear «calmamente» pelas ruas da cidade.
Pelo teor da propaganda lançada através
da Rádio, começa no entanto a perceber-se, ao longo do dia de domingo, que os
revoltosos parece não saberem bem o que
querem. Começam por atacar a FRELIMO, chamando-lhe organização de
facínoras, e a Samora Machel «ex-enfermeiro
sem categoria intelectual para governar», que deseja um governo
«uni-racial», etc. Horas volvidas fazem um apelo aos militantes da FRELIMO, com os quais
desejam dialogar. Ao Governo português tão depressa chamam de colonialista,
como, afirmando-se democratas, informam que esperam orientações de Lisboa.