quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

ASPECTOS SOBRE O REGIME DO DIREITO À MANIFESTAÇÃO NA ORDEM MOÇAMBICANA!

ASPECTOS SOBRE O REGIME DO DIREITO À MANIFESTAÇÃO NA ORDEM MOÇAMBICANA!
i. Contextualização:
Quando se fala em direito à manifestação, levanta-se a seguinte questão: «os cidadãos, para se manifestarem, carecem dalguma autorização por parte das autoridades estatais?» Pois, a alegação de «falta de autorização» é a que tem sido usada pela polícia para abortar certas manifestações pelo país.
Ora, nos últimos tempos, face aos problemas políticos e sociais que o país tem vindo a experimentar, têm sido idealizadas iniciativas de manifestações, que acabam por ser abortadas devido a interferência do Estado por meio da polícia, apoiada ao discurso de falta de autorização das autoridades respectivas.
Ademais, a falta de autorização para abortar iniciativas dos manifestantes, é o discurso também usado por renomados juristas, alguns dos quais suspeitamente ao serviço do sistema, quando concedem entrevistas pelas televisões, rádios ou jornais, e até quando rabiscam seus artigos pelas redes sociais.
Desta forma, este artigo tem em vista discutir sobre alguns aspectos do regime jurídico do direito à liberdade de manifestação, consagrado no art. 51.º da CRM e regulado nos termos da Lei n.º 9/91, de 18 Julho, sempre com atenção às alterações introduzidas pela posterior Lei n.º 7/2001, de 7 de Julho.
ii. Regime jurídico do direito à liberdade de manifestação:
Nos termos do art. 51.º da CRM, «Todos os cidadãos têm o direito à liberdade de manifestação». Um direito que, já nos termos do n.º 1 do art. 3 da Lei n.º 9/91, de 18 de Julho - Lei que regula o direito à liberdade de reunião e manifestação, «o seu exercício NÃO DEPENDE DE QUALQUER AUTORIZAÇÃO».
A manifestação, de acordo com a definição trazida pelo n.º 3 do art. 2 da Lei n.º 9/91, de 18 de Julho, tem por finalidade a EXPRESSÃO PÚBLICA DE UMA VONTADE sobre «assuntos políticos, sociais, de interesse público e outros», e envolve comício, desfile e cortejos organizados, refere o n.º 4 do art. 2.
Aos cidadãos que pretendem exercer do seu direito à liberdade de manifestação cabe apenas, nos termos do n.º 1 do artigo 10 da Lei n.º 9/91, de 18 de Julho, «EMITIR UM SIMPLES AVISO», por escrito, desse seu propósito e com antecedência mínima de 4 dias úteis às autoridades civis e policiais da área.
Desse aviso, o qual deve ser assinado por um mínimo de 10 pessoas devidamente identificadas ou, tratando-se de pessoas colectivas, pelos seus respectivos órgãos de direcção, deve indicar o trajecto, o dia (que deve ser sábado, domingo ou feriado - art. 6), hora e objecto da manifestação (n.ºs 2 e 3, art. 10).
Recebido o aviso pelas autoridades civis e policiais da área, estas estão obrigadas a emitir um documento comprovativo de recepção do expediente. As autoridades não têm poder algum de proibição ou restrição da manifestação, senão nos casos de alguma violação fundada nos arts. 4 e 5.
Resumidamente, constituirão causadas proibitivas ou restritivas da manifestação, nos termos conjugados dos arts. 4 e 5 da lei que temos vindo a analisar: a ofensa à CRM, lei, moral, aos bons costumes, direitos individuais ou colectivos e quando há uso abusivo de edifícios públicos ou privados.
Havendo essas causas proibitivas/restritivas da manifestação, as autoridades têm o prazo de dois dias, a contar da data da recepção do aviso, para notificar os promotores da manifestação sobre a proibição devidamente fundamentada. Essa notificação deve ser entregue junto da morada indicada pelos manifestantes, sendo que o silêncio das autoridades corresponde ao deferimento tácito (n.º 2, art.11).
iii. Conclusões:
Chegados a esta parte temos a concluir que o direito à manifestação, enquanto direito fundamental, o seu exercício não pode ser proibido ou restringido senão «NOS CASOS EXPRESSAMENTE FIXADOS NA CRM», em atenção ao disposto aos princípios gerais dos direitos fundamentais consagrados nos nºs 2 e 3 do art. 56.º da CRM, bem como por força do disposto nos arts. 4 e 5 da Lei n.º 9/91, de 18 de Julho.
O Estado, através da polícia ou mesmo de outra força pública, não deve proibir ou restringir o gozo do direito à manifestação. Antes pelo contrário, nos termos do n.º 1 do art. 56.º da CRM in medium, «é O ESTADO QUEM DEVE GARANTI-LO». O Estado, actuando pelo Governo, ao vedar o gozo deste direito viola a CRM e demais leis do Estado, desaproximando-nos mais de um Estado de Direito Democrático.
Assim, fazendo parte do catálogo dos direitos fundamentais da 1ª geração, também designados por direitos civis e políticos, para o pleno gozo do direito “sub júdice”, como refere Paulo Ferreira da Cunha (2000; p. 92 e ss), o ESTADO DEVE É ADOPTAR UMA POSIÇÃO NEGATIVA/NEUTRAL, i.e., deve abster-se de impor restrições às liberdades do Homem, a não ser que outro motivo ponderoso se justifique.
Portanto, é uma atitude manifestamente injusta que se lance uma campanha (na verdade contra campanha) contra os proponentes de manifestações pelo país, usando-se como causa impeditiva alienação ao ocidente ou à famosa mão externa, ou mesmo perturbação da ordem pública. Ilícito é, ainda, que as autoridades administrativas determinem sobre que matérias se pode manifestar e outras não, fora das limitações impostas por lei, revelando, assim, um USO EXCESSIVO do poder discricionário.
Att., Ivan Maússe.
Comentários
  • Aldemiro William Bande Bem observado!
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  • André Cardoso Nos leigos em direito agradecemos o conhecimento disponibilizado a borla. Chama o Elisio de Sousa e dialoga com ele. veio com umas teorias dele de que a campanha era contra lei.
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    • Ivan Maússe André Cardoso,
      O meu amigo Elísio de Sousa está algo equivocado. Não há clareza que usar camisetes e andar pela cidade seja sinónimo de manifestação. Não posso crer que se 10 pessoas entenderem, num dado dia, usar camisetes iguais e andar pela ruas da Cidade poderemos qualificar isso como manifestação que, para a sua realização, haja necessidade de comunicação às autoridades administrativas.
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  • Alex Paulo Dos Anjos Só que os manifestantes ñ querem informar a Polícia para os devidos efeitos de acordo, por isso são simplesmente impedidos pelas autoridades policiais de manifestar.
    • Pedro Manguene NÃO é verdade. As organizações que promovem ad manifestações (não campanhas), até informam. Mandam os devidos comunicados referindo-se aos objectos e itinerários das mesmas. A nossa polícia é que não responde (o que nem é problema porque a lei já determina que o silêncio é "consentimento" e "autorização" automática) e, ao invés de preparar-se para acompanhar (pelo menos isso) e proteger os manifestantes, põe-se a perseguir e combater os mesmos. 
      Uma autêntica contramão. Comportamento que mostra apenas vivermos num ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO, institucionalmente, mas com comportamentos de ESTADO (DE DIREITO) ANÁRQUICO!
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    • Ivan Maússe Pedro Manguene
      Nem mais, meu caro.
      Estamos diante de um Estado violador da CRM e das demais leis. Numa situação como esta, torna-se difícil pensar na felicidade do povo.
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  • Clayton Johnam As perguntas que te faço ilustre Ivan Maússe, os tais manifestantes fizeram o aviso com antecedência de 4 dias previsto na Lei? Indicaram os motivos da manifestação?
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    Ocultar 31 respostas
    • Ivan Maússe Clayton Johnam,
      Quais manifestantes, em concreto? O meu texto não fale de quaisquer manifestantes de forma precisa. É um texto que se refere ao regime jurídico do direito à manifestação no país, tão simplesmente!
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    • Stelio José Mesmo se tivessem emitido iam responder ou autorizar??? De todas a vezes que os polícias abortaram manifestações será que foi por falta de aviso dos manifestantes ?? Não sejamos ingénuos, sabemos muito bem que a policia ou seja, instituições trabalham pra o partido e não pra o povo.
      Obrigado.
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    • Ivan Maússe Stelio José,
      Pois, num contexto em que a polícia nem deve autorizar, mas apenas receber o aviso e dar comprovativo de recepção. E, havendo causa impeditiva, notificar, dentro de 48 horas, da irregularidade da manifestação, sem que esse acto se confunda com o poder de autorizar ou não autorizar.
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    • Stelio José Pois!!!!
    • Clayton Johnam Ivan Maússe desculpa. Se no caso da CIP não seguiram os procedimentos legais, independentemente de ser aviso ou autorização é ilegal.
    • Ivan Maússe Clayton Johnam,

      Eu aqui não falei do CIP, meu prezado amigo. Mas já que falas dele, deixa-me também falar: amigo, o que a polícia fez ontem é ilegal. Ou seja, não têm cobertura legal. Vestir camisetes iguais e andar pela Cidade não constitui acto proi
      bido por nenhuma norma. 

      A lei apenas veda ou manda interromper aquelas manifestações cujo conteúdo ou finalidade, nos termos dos artigos 4 e 5, seja contrário a CRM ou a lei, bem como aos bons costumes, a moral, etc.

      A falta de comunicação ou aviso da manifestação não constitui motivo para a sua ilegalidade. O aviso não constitui requisito essencial para a caracterização da legalidade ou ilegalidade da manifestação, mas sim a sua finalidade, meios de manifestação, dia, hora e locais de manifestação. Apenas isso.
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    • Clayton Johnam Ivan Maússe agora está a dizer-me que o aviso é facultativo? Com que base legal? O facto de a lei não dizer que a falta de aviso não é impeditiva a manifestação faz presumir o acto de avisar como uma faculdade? Onde a legislador não distingue não deve ser o intérprete a fazê-lo. E mais, regra geral, qualquer acto que contrarie o que a lei ordena que se faça, é ilícito, sendo ilícito o Estado pode e deve proibir. Deve ser a própria lei a exepcionar os casos em que se trata de uma faculdade e não é isso que diz o Instituto legal sobre as manifestações.
    • Stelio José Agora que o povo acordou das mantas pra exigir os seus direitos estão surgindo muitos advogados ridicularizando a iniciativa do CIP com perguntas sem nexo só para desencoraja los, mas ontem quando a AR aprovou a dívida ilegal ficaram todos mudos como se algo de bom e digno se tratasse. Uma prova de que a nossa classe jurídica é covarde. Se vocês não tem "tomates" pra repudiar as injustiças deste país, deixem "os que tem fazer". Bolas pah!!!
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    • Clayton Johnam Stelio José o cidadão é livre de repudiar o que quiser que considere ser injusto, mas que o faça dentro do quadro legal e não ao abrigo de feelings e paixões politicas.
    • Ivan Maússe Stelio José, estamos alinhados.
      O direito não pode estar a serviço de mafiosos que ajudam a empobrecer o país. Não.
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    • Stelio José Então, Clayton o que você fez dentro dos "parâmetros legais" depois de terem aprovado a divida ilegal??? Ou por outra o que o povo deve fazer pra exigir que o errado seja corrigido, sendo a manifestação é único meio mais viável pra sensibilizar a quem é de direito a voltar a razão???
      Vamos lá, ideias!!! Não basta só criticar aos que pelo menos tentam fazer alguma coisa que nada.
    • Clayton Johnam Stelio José manifestei a minha indignação em muitos momentos e quem me conhece sabe qual é a minha posição sobre a dívida. Que ela foi contraída ilegalmente. Mas dai não significa que devo usar de formas erradas para manifestar a minha indignação! Ou acha qur devo?
    • Ivan Maússe Clayton Johnam,
      O aviso não é obrigatório. É isso que estou a dizer, e repito: o aviso não é obrigatório. A lei não qualifica a manifestação como ilegal por falta de a mesma não ter sido anunciada ou avisada. Há elementos, os constantes dos artigos 4 e
       5, que determinam a ilegalidade/ilicitude da manifestação e não o facto de a mesma não ter sido anunciada ou avisada. 

      Curiosadade: estás a falar atoa ou tens a lei de que estamos a falar? É que gosto de falar coisas sérias e não especulativas. Entendes, amigo?
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    • Stelio José Manifestou a sua indignação aonde??? No facebook??? Te ouviram nem???
    • Clayton Johnam Ivan Maússe eu estou a falar da lei que conheço bem e peço que me mostre qual é artigo que diz que o aviso é uma faculdade. Não se pode presumir uma coisa que legislador não disse. Não é o facto de ele não ter escrito na lei que a falta de aviso não impede a manifestação que o torna dispensável. Isso não me podes dizer porque tenho a certeza que tu como jurista que és sabes que isso não faz sentido amigo.
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    • Ivan Maússe Clayton Johnam,

      O teu comentário está a denunciar uma pessoa que tem problemas sérios das técnicas de interpretação da lei. Meu amigo, atentos ao que dispõe o artigo 9 do CC, o legislador disse, em termos adequados, o que pretendia dizer. 


      Na parte em que o legislador quis dizer quais as situações que tornam uma manifestação ilegal ou ilícita, este disse, e disse ainda qual deve ser o comportamento ou atitude das autoridades. Portanto, vamos deixar de fazer análises e interpretações especulativas, meu caro amigo.
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    • Clayton Johnam Stelio José em muitos círculos e mesmo aqui no Facebook. Pediste ideias, ok. Eu acho que primeiro, temos que ficar calmos, podemos sim nos manifestar, mas para isso, julgo que devemos deixar justiça apurar com detalhe o que se passou, depois disso, achados os verdadeiros culpados da situação, através do processo próprio, ai sim, podemos nos manifestar e exigir responsabilidades ao Estado. É assim como penso que as coisas deviam ser feitas!
    • Clayton Johnam Ivan Maússe risos! Eu vou deixar de lado a parte que dizes que tenho problemas interpretativos para não deixar cair a nossa boa discussão para o lado pessoal. Mas vou-te lançar um desafio. Leia sobre o que diz a lei geral sobre a prática de actos contrários a lei, e mais procura ver também a legislação sobre as atribuições da polícia, por fim discute o que te estou a dizer com outros juristas, teus pares, procura também saber de algum professor de direito, decano nessas matérias e depois voltas a mim com a resposta e aí veremos!
    • Stelio José CLAYTON NÃO ME FAZ SUBIR TENSÃO FAZ FAVOR!! Dizes que devemos esperar a justiça fazer apuramento de detalhes??? Que justiça??? A moda moçambicana??? Da PGR que está fazendo tudo por tudo pra trazer o chang a Moçambique onde não é acusado de nenhum crime, ou seja, que confunde resgate com extradição??? 
      Não me faz subir tensão, porque estou muito nervoso;!!
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    • Amir Fernando Agy Ilustres, o que é que percebem da palavra "deverão" no Nr 1 do artigo que exponho?
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    • Stelio José Leis são tantas ó Amir, mas as pessoas que as aprovam são as primeiras a infrigi-las.
    • Clayton Johnam Hahahaha. Esse nervo é que vai te fazer mal irmão. Ja imaginaste se todos ficarmos nervosos em Moçambique porque pensamos isto ou aquilo sobre uma coisa o que será do País?
    • Stelio José Por acaso menti algo ai do que escrevi???
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    • Clayton Johnam Stelio José eu compreendo a tua revolta irmão, mas precisamos agir mas com a razão do que com emoção. Tu podes perder legitimidade nas tuas reivindicações só porque agiste de forma errada, ou seja, com nervos!
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    • Clayton Johnam Retirei o último comentário porque apercebi-me que foi alterado pela Lei 7/2001 de 07 de Julho. Mas mantenho o desafio
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    • Stelio José ESTA DIFÍCIL CONTER OS NERVOS...
    • Amir Fernando Agy Clayton Johnam
      O que é que foi alterado, o artigo que coloquei, não foi tocado
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    • Clayton Johnam Amir Fernando Agy sim. Estava a falar do artigo 16, não do teu artigo, que claramente demonstra que a o aviso prévio é um dever e não uma faculdade dos manifestantes!
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    • Ivan Maússe Amir Fernando Agy,
      Obrigado, meu caro!!!
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  • Valnir Fiel Ivan Maússe, a análise é bastante oportuna e suficientemente esclarecedora. Abre espaço para o cruzamento de opiniões sobre a matéria em debate, e sendo sincero, em particular, vejo muita procedência nesta posição. Pelo que, agradeço.
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  • Carlos De Sousa Tivir Os teus textos sem participação do teu amigo "brasileiro" tem uma lucidez de se adimirar.
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  • Da Cruz Publique se!!
  • Mwenemutapa Fernando Ivan, aquele teu amigo, Roberto Lamba, que dizia que CARECE DE AUTORIZAÇÃO está aonde bem bem?
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