segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

A HIPOCRISIA DA DONA LULU E OS OUTROS por Eduardo Namburete


O filho sai de noite e volta, quase que invariavelmente, na manhã seguinte trazendo sempre dinheiro e prendas para os pais. Estes agradecem e, tacitamente, encorajam o filho a continuar fazendo o que traz dinheiro e as prendas para casa. A atitude dos pais só alterou no dia em que a polícia bateu-lhes a porta e presente estava o filho algemado. E em resposta a pergunta nenhuma o pai responde que sempre questionou o filho onde arranjava tanto dinheiro; e que estava surpreso e chocado com o que o filho se transformara.
Vem esta anedota a propósito dos últimos pronunciamentos de altas figuras do partido que governa o país desde 1975, sobre a prisão de Manuel Chang. Desfilaram na comunicação social se dizendo surpresos e chocados com o que Chang foi capaz de fazer, como se só agora conheceram as capacidades de Chang de manipular os processos a seu favor e em prejuízo da nação. Esses pronunciamentos são, quanto a mim, uma autêntica hipocrisia e os seus emissores verdadeiros hipócritas.
Só para lembrar, Manuel Chang fez toda a sua carreira profissional no Ministério das Finanças, tendo trabalho durante grande parte da sua senioridade com as pessoas que hoje fingem não conhecer o seu lado mau. O nome de Manuel Chang começou a ser sonante quando ainda director nacional do tesouro, e na altura sob a liderança directa de Luísa Diogo que ocupava a pasta de ministra das Finanças, e o presidente da República era Joaquim Chissano. Já nessas alturas, os fundos do Estado eram drenados, através dos fundos do tesouro, para beneficiar a elite governante do país.
Se lermos o relatório e parecer da Conta Geral do Estado de 2005, emitido pelo Tribunal Administrativo, faz-se referência aos empréstimos concedidos a empresas dirigidas por altas figuras ligadas ao partido do governo e que muitas delas não estavam a realizar os devidos reembolsos. Das empresas que estão listadas nesse relatório constam as empresas Mavimbe, de Armando Guebuza e sócios, que havia recebido 2,5 milhões de dólares dos fundos do tesouro; a INAGRICO, de Albano Silva, esposo de Luísa Diogo, que à altura da concessão dos créditos era ministra das Finanças e Manuel Chang director nacional do tesouro, recebeu 8,835 mil meticais; o grupo Mecula de Alberto Chipande recebeu, na altura, cerca de 47,800 mil meticais dos fundos do tesouro, para além de tantos outros nomes sonantes da elite do partido governamental que beneficiaram dos fundos do tesouro.
Os serviços prestados por Chang na qualidade de director nacional do tesouro, lhe valeram uma ascensão ao cargo de vice-ministro das Finanças durante o último mandato de Joaquim Chissano e continuava a colaborar directamente com Luísa Diogo como sua ministra das finanças.
No primeiro mandato de Armando Guebuza (2005-2010), Luísa Diogo foi nomeada primeira-ministra, e Manuel Chang ascende ao cargo de ministro das finanças (2005-2014). Foi nesta qualidade, já no segundo mandato de Armando Guebuza que, com poderes acrescidos e quase absolutos, Chang e os amigos engendraram o esquema das dívidas ocultas. A experiência da distribuição clientelista dos fundos do tesouro foi substituída por algo maior, pois a esta altura Moçambique já figurava no grupo dos países com potencialidades de crescimento rápido por conta do gás e petróleo. Mesmo antes das dívidas ocultas, Chang facilitara negócios de muitos dos que hoje dele se distanciam, incluindo financiamentos do Banco Mundial para empreendimentos privados onde esses têm interesses.
Armando Guebuza prescindiu de Luísa Diogo no seu segundo mandato, mas continuou com Manuel Chang que viria a ser peça-chave no projecto de delapidação do Estado. Foi notório o afastamento de Guebuza da equipa que serviu na administração de Joaquim Chissano e uma nova equipa que serviria fielmente à sua estratégia de criação de riqueza foi montada.
Foi a partir destas alturas que grande parte daqueles que governaram durante a administração de Joaquim Chissano sentiram-se excluídos e começaram a falar de forma insistente na necessidade de inclusão no processo de desenvolvimento de Moçambique. Estes apelos de desenvolvimento inclusivo surgem, não pelo reconhecimento de que todos os moçambicanos têm direito a usufruir das riquezas que o país proporciona, mas pelo sentimento de estarem a ser colocados à margem dos processos de desenvolvimento, principalmente na área do gás e petróleo. A inclusão a que se referiam não era dos moçambicanos que durante os últimos 40 anos foram excluídos, era em relação aos que acabavam de sair da mesa onde se tomavam as decisões sobre a distribuição dos recursos. Para quem não estivesse atento pensaria que o Espírito Santo havia baixado sobre eles e que se haviam arrependido do sofrimento que impuseram aos moçambicanos e se redimiam, apelando para a inclusão de todos. Nada mais enganoso, eles reclamavam a sua inclusão nos negócios do gás, petróleo, minerais e outros negócios bilionários onde Armando Guebuza criara um círculo fechado.
A experiência de Chang, que o tempo se encarregou de aprimorar, foi instrumental para o avanço rápido da delapidação dos recursos do Estado e, porque a impunidade que protegeu as suas acções no passado continuava garantida, ele e os amigos foram além-mar se associar a outros para enganar outros em nome dos moçambicanos, com as promessas de dividendos que viriam do gás e petróleo que iria brotar do Rovuma.
Dois biliões de dólares americanos foi a meta traçada nesta corrida de quem tira mais. Tudo foi milimetricamente pensado e executado na certeza de que as instituições nacionais iriam colaborar para que tudo fosse feito no sigilo e ninguém fosse exposto. Até que os gringos, que têm olhos e ouvidos em todos os cantos, descobriram o esquema e montaram uma tocaia. As últimas revelações indicam que até os assessores de Armando Guebuza receberam prendas das dívidas ocultas, e quem diz assessores diz também outros maiores que assessores.
Pode-se claramente perceber que Manuel Chang não caiu do céu. Foi criado e cresceu no sistema, aprendeu os truques e serviu os altos dirigentes de vários governos que se sucederam, pelo menos nos últimos vinte anos, de forma conveniente. Ele foi instrumental para o enriquecimento da elite governativa nos últimos vinte anos.
O que sucede agora é que o pão (ou o gás e o petróleo) que não dividiram, dividiu-lhes. Eis a razão por que vem hoje dizer que estão surpresos, chocados, porque não tinham ideia de que ele era capaz de tanto. É a anedota dos pais que recebiam presentes do filho desempregado e fingiam que não sabiam que era ladrão.
Tentar trazer a retórica concertada de que o problema das dívidas ocultas é problema de Chang, quando se sabe que a prática de usurpação do bem público é tradição na governação do país é, no mínimo, hipocrisia. O problema não é o Chang, o problema é o sistema. Se não conseguem ser solidários com o camarada, ao menos tenham a decência de não chutarem cachorro morto.
E já agora, uma pergunta ao JLO: quem são os malandros?

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