segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A FARRA DE AUGUSTO TOMÁS COM O ERÁRIO PÚBLICO



Quando a mãe Joana e o Nhanga se queixarem amargamente do aumento do preço do pão, não se esqueçam do passado recente. Lembrem-se da farra em que José Eduardo dos Santos (JES) e os seus ministros andaram nas últimas décadas, praticando um esbanjamento de dinheiros públicos inaudito e criminoso, como agora se comprova.
Entrou nos tribunais um processo criminal cujos factos descritos são o espelho da completa selvajaria financeira que reinou durante o mandato de JES. O dinheiro público serviu para tudo, desde senhas de alimentação para o Kero à constituição de frotas privadas de táxis, passando por participações pessoais em bancos e fretamentos de aviões sem qualquer regra. O dinheiro saiu dos cofres públicos ao ritmo de milhões de cada vez e sem qualquer controlo. É uma fotografia do que se suspeitava ter sido a ruinosa gestão financeira de JES, e que agora se confirma.
No passado dia 16 de Janeiro foi produzida pelo magistrado do Ministério Público José Martinho Nunes a acusação criminal no âmbito do processo n.º 23/18, em que é principal arguido Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes. Constam também, como arguidos, altas figuras do seu ministério ou a ele ligados, como Isabel Cristina Ceita de Bragança, Rui Manuel Moita, Manuel António Paulo, Eurico Pereira da Silva.
Augusto Tomás é acusado da prática de sete crimes: um crime de peculato em forma continuada, um crime de violação das normas orçamentais em forma continuada, um crime de abuso de poder, dois crimes de participação económica em negócio, um crime de branqueamento de capitais e, finalmente, um crime de associação criminosa.

O crime continuado

O crime continuado consiste na prática repetida do mesmo crime. Por exemplo, o facto de roubar uma maçã todos os dias pode ser encarado como um crime continuado, ou então trata-se da prática de vários crimes, um por cada dia. A moderna doutrina penalista prefere adoptar o conceito de crime continuado para estas situações, o que permite aplicar apenas uma pena única, mas evita prescrições (impunibilidade por ter passado muito tempo).
Esta acusação tem a particularidade muito interessante de enquadrar vários comportamentos não no Código Penal, mas na mais recente legislação referente a crimes económico-financeiros, como a Lei da Probidade Pública (2010), a Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais (2011) e a Lei sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento (2014). Leis deste século e não do século XIX. Por esse facto, é de aplaudir a evolução do Ministério Público (MP), que no passado revelou dificuldade em lidar com estas novas realidades jurídicas.
A peça apresentada pelo MP é rica em factos, e é sobre eles que nos vamos debruçar. Quanto a questões de direito e dogmática penal, tem algumas falhas, mas competirá aos advogados de defesa enumerá-las e apontá-las. A nós interessa-nos o simbolismo dos factos, bem sabendo que todos gozam, à luz da Constituição, da presunção de inocência e que compete ao MP, em julgamento, provar aquilo que afirma.
Augusto Tomás nasceu em Cabinda em 1957, licenciou-se em Economia na Universidade Agostinho Neto e concluiu um mestrado em Economia do Desenvolvimento na mesma instituição e na Universidade de Coimbra. Desde pelo menos 1989 que ocupava cargos de destaque na estrutura política angolana. É um veterano dos governos de JES. Nesse longínquo ano, foi nomeado vice-ministro da Indústria, depois foi governador de Cabinda, ministro da Economia e Finanças, vice-presidente da Comissão Económica do Conselho de Ministros e ministro dos Transportes. Nesta medida, Tomás não é um novato que chegou ao governo recentemente e se baralhou com as regras ou cometeu erros primários. É um homem do sistema, que criou o sistema e o usou em seu próprio benefício de forma despudorada, de acordo com os factos elencados pelo MP.

Os carregadores
da associação criminosa

As situações levantadas e descritas pela acusação são variadas e ocorreram entre 2008 e 2017, mas todas têm um elemento comum: o uso abusivo dos fundos públicos.
No núcleo da acusação está o Conselho Nacional de Carregadores (CNC), um instituto público dependente do Ministério dos Transportes, que tinha responsabilidades no controlo do comércio marítimo internacional, mas que na prática terá funcionado como um tesouro privativo do ministro e seus associados.
O descontrolo e pagamento de despesas em clara violação da lei abundam na peça processual. Corrompendo as regras orçamentais, o CNC pagava os subsídios de alimentação dos funcionários do Ministério dos Transportes. Mais de cinco milhões de dólares foram gastos em senhas depois descontadas nos supermercados Jumbo e Kero. Escusado será dizer que os donos do Kero são Manuel Vicente e os generais “Kopelipa” e Dino do Nascimento. Haverá aqui coincidência? Ou será este o modo de operação do regime, em que tudo funciona em circuito fechado? No mesmo sentido, existem gastos ilegais superiores a três milhões de dólares em fretamentos de viagens com a empresa de aviação aérea Bestfly. Trata-se da empresa de jactos privados associada ao próprio Augusto Tomás, que integrava o consórcio da nova sociedade de aviação fantasma que João Lourenço travou no início do seu mandato. Obviamente, este é um mero exemplo de dinheiros gastos em empresas de amigos, violando flagrantemente as regras orçamentais.
Mais grave é o desvio puro e duro de verbas do Estado para iniciativas privadas, como descreve o MP. Para a Nova Somil, empresa de Augusto Tomás, foram transferidos 80 mil dólares sem justificação. Valor mais elevado, superior a sete milhões de dólares, foi para a CIMA – Companhia Industrial de Montagem e Metalomecânicas de Angola SA, constituída em 2010, cujo objecto era a montagem de autocarros chineses. Aparentemente, esses milhões apenas correspondiam a 15 por cento do capital social da empresa, com o valor de 7500 dólares – uma sociedade anónima privada. Seguiram-se algumas engenharias legais pelas quais os accionistas beneficiários desse capital, Francisco Itembo e Abel Cosme, directores, respectivamente do CNC e da Unicargas, passaram os direitos sobre essas acções para o CNC e a Unicargas. Pelo que se percebe da construção do esquema, o Ministério dos Transportes financiou a empresa em sete milhões de dólares e ficou com uma participação de 15 por cento, no valor de 7500 dólares, que obviamente não lhe cabia. Os restantes milhões foram “oferecidos” aos sócios privados…
Outra “oferta” generosa a privados aconteceu no sector dos táxis. Mais propriamente na empresa Afritáxi. Aqui, Augusto Tomás mandou transferir mais de três milhões de dólares para a empresa ainda em formação, o que lhe permitiu comprar várias viaturas de marca Kia. Neste caso, o Ministério, por via indirecta, nem com 15 por cento ficou. O mais curioso é que Rafael Marques tenha denunciado este cambalacho em 2015, no Maka Angola.
Também a AGSM, empresa dedicada à montagem de veículos do grupo Volkswagen, em que assume relevância como sócia Tchizé dos Santos, beneficiou de transferências ordenadas por Augusto Tomás. O ex-ministro ordenou o envio de mais de nove milhões de dólares quando a empresa enfrentou dificuldades financeiras, e nunca, obviamente, recebeu pelo menos oito milhões de volta. Mas não temos dúvidas de que Tchizé saberá explicar a situação e defender o seu benfeitor Augusto Tomás.
Ainda merecem referência os milhões gastos com uma HFA – Holding Financeira Angola, que recebeu 7,5 milhões de dólares do governo. Mais uma sociedade, tal como a Afritáxi, que antes de ser constituída formalmente recebe dinheiro e nunca o devolve. O dinheiro acabou por servir para comprar um por cento do Banco de Negócios Internacional (BNI), hoje liderado pelo famoso banqueiro Mário Palhares, sobre quem também já escrevemos.

Descontrolo

Estes constituem apenas alguns factos expostos na acusação. Não são os únicos, mas revelam dois aspectos fundamentais nas consequências políticas que este processo judicial pode ter. A primeira consequência é a comprovação de que as receitas do orçamento de Estado funcionaram primacialmente como um tesouro pessoal do ministro, que dispôs do dinheiro como muito bem entendeu. Houve um total descontrolo e dispêndio arbitrário de dinheiro. E isso leva-nos à segunda consequência. Muito desse dinheiro roubado ao Estado angolano foi direitinho para a cúpula do poder do MPLA nos tempos de JES. O dinheiro teve como destino os vários predadores do regime. Além do ministro e seus associados, somos confrontados com os nomes de Manuel Vicente e Tchizé dos Santos. Será que estes recebiam dinheiro do governo sem inquirir a sua proveniência?
O processo contra Augusto Tomás não o envolve apenas a ele e aos seus co-arguidos. Envolve o sistema de rapina instituído pelo MPLA de JES. Demonstra como o país foi dilapidado. Sejamos claros: Augusto Tomás é um mero exemplo, mas não é o único. Esta investigação do Ministério Público, bem-feita em termos factuais, abre a porta oficial ao mundo da corrupção em Angola.
19 Comentários 19 comentários
Ordenar por 
Mouzinho Pires
Meu querido maka angola, hoje niguem mais duvida das suas notícias. Antes, a maior parte dos comentadores, diziam que as verdades publicadas, eram caluniosas; o tempo acabou por confirmar essas verdades.
GostoResponder25 dia(s)
Segundo Tenete Picro Farad Mustafa
sera o que o joao pinto esta de acordo sobre este roubo e normal.gostaria de ovir naquele tempo dizia era calunia vai me indimizar por este danos
GostoResponder3 dia(s)
África Negra Áfricanegra
Meu Irmão, alguem um dia disse: Custe o que Custar, a razão vencerá.
GostoResponder1 dia(s)
Evandro MP
Rafael Marques, a estrela da verdade sobre os marimbondos.
O homem que espelha as verdadeiras manobras dos que ontem mostravam uma imagem de uma Angola em forte crescimento mas na verdade , corroída por dentro...

Vai em frente RM, Deus estará à frente e vai continuar te proteger para que o povo de Angola conheça realmente as falcatruas desses gatunos armados em bons governantes...
GostoResponder25 dia(s)
Apolinário Branco Branco
tantos milhões gastos deforma sem escrupulos que poderiam servir ao sector da saúde outrossim neste embrulho todo o que o tribunal de contas fazia ? estou em crer que deviam também ser acusados de omissão .
GostoResponder15 dia(s)
Luis Coutinho
O Gugga foi cangado porq estava crente que a impunidade ia continuar sempre.. Mas, há um UNIVERSO de RESPONSAVEIS que continuam sem problemas... Há mil e uma pessoas em todos os cargos da admnistraçao pública e orgaos de soberania que fizeram da corrupçao um hábito de vida.. Já nao sabem fazer outra coisa se nao forem obrigados.. Um ministerio a ser investigado a fundo é o MAPTESS e sua longa historia de saque com as empresas do Pitra Neto associado com brasileiros aldraboes.. o MAPTESS/INSS tem sido uma fonte inesgotavel de roubos..
GostoResponder15 dia(s)
António Francisco Domingos
Se o Augusto Tomás, brincava com o Estado e com a justiça, de agora em diante vai começar a respeitar!
GostoResponder15 dia(s)
Adilson Diassonama da Costa
A pois o Maka Angola denunçiou em 2015,e o ZEDU saiu em setembro de 2017 mandou arquivar a queixa tambem estava lá filha dele k diz que apareçeu no mundo do bisno porque vendeu um terreno na Sonangol ehehehehehehehe Marimbondagem sinceramente,poem-lhe em tribunal para falar já tudo,de certeza k não vai querer ir sozinho tem muitos que podem lhe acompanhar na festinha kkkkkkkkk quem ri por ultimo ri melhor kkkkk,assim diz o velho ditado.!!!
Ben Ben
O Maka Angola + Rafael Marques e colaboradores merecem uma espécie de prémio nobel do iluminismo social angolano... Augusto Tomás não passa de uma das minúsculas cabeças do iceberg da corrupção angolana, mas é o responsável número 1 por todos esses crimes, ponto final. O presidente Eduardo dos Santos responderá um dia pelos seus crimes... ou até talvez fosse mais humano deixá-lo morrer com alguma dignidade daqui a um tempo, quando Deus quiser. Ninguém deixará de ser julgado neste país porque José Eduardo dos Santos morreu. Creio mesmo que a partir de hoje deixei de ter raiva dele que aliás já tem pouco tempo de vida. Ocupemo-nos dos corruptos vivos que estão aí em número suficiente e ainda vão a tempo de cumprir as suas penas e sair vivos da cadeia, talvez com 80 ou 85 anos de idade.
Ana Branca Franco
Rafael Marques por favor começe a investigar o presidente João Lourenço. Veio do Marimbondo e já foi ministro. Porquê que ele autorizou a compra de barcos em Moçambique no Valor de 450 milhões de dollars? Tente encontrar o rastro deste dinheiro. Porquê que ele foi a Moçambique? Porquê que está sempre na América? A casa que tem na América comprou com que dinheiro? Já devolveu o dinheiro que tirou no BESA? Pega ele!
Faustino Lopes
Nada na vida é eterno e tudo que você faz de mal na terra tarde ou cedo irás pagar aqui, ou um dia o teu amanhã o irá cobrar e se não for a ti cobrará aos seus descendentes
Manuel da Piedade
Até na farra temos de controlar a hora de ir no “kubico”, para não ter makas com a dama.
GostoResponder15 dia(s)
Oscar Kakoma
thanks man am waiting for more news cheers,keep it up
Eduardo Celestino
Eduardo dos Santos mentiu e o MPLA vai continuar a mentir.
Antonia Correia Varela
Mas o tal Deputado João Pinto onde pará, nunca mas lhe ouvi comeram-lhe á língua? Dr. Bifes
Mouzinho Pires
Gatunos, lacaios dos bens de todos
Antonia Correia Varela
Em 2014 e 2015 morreram tanta gentes e centenas de crianças! Com os Hospitais públicos sem medicamentos, sem gazes, sem uma aspirina, sem algodão! Estas tais Governantes do MPLA deviam indiminizarem os familiares dessas pessoas que morreram atóa por roubos desses ministros sujos! Principalmente o ministro da saúde
GostoResponder14 dia(s)
João Carlos Coelho
Um país que esteve entregue a bandidos... :(
GostoResponder35 dia(s)
Domingos Amândio
Correção: UM PAÍS QUE ESTÁ ENTREGUE AOS BANDIDOS. Porque o partido dos bandidos é o mesmo que o governa desde 1975, e o atual presidente, inclusive, fez parte desse processo todo de pilhagem. O que mudou em Angola foram os rostos, mas o MPLA é o mesmo.
Responder15 dia(s)
João Carlos Coelho
Domingos Amândio concordo e esperemos que as mudanças sejam reais. Abraço
Responder5 dia(s)

Sem comentários: