segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Tensão em Palma: populares exigem “suspensão” dos projectos de gás


Palma, em Cabo Delgado, acordou esta manhã com um barulhento tiroteio no centro da vila. Militares continuavam a tentar impedir que os residentes prosseguissem uma manifestação iniciada no fim da tarde de ontem, exigindo a “suspensão” das actividades ligadas à exploração de gás natural em Afungi. Segundo fontes de “Carta”, cerca de duzentas pessoas concentraram-se na tarde de ontem nas “mangueiras”, no centro da zona de cimento, num lugar geralmente usado para comícios de entidades governamentais. O motivo da "manif" era único: os residentes de Palma dizem-se cansados de viver às escondidas e de verem seus parentes mortos na encruzilhada da insurgência.

As palavras de ordem, geralmente proferidas em Kiswahile, Kimwani e Emakwa, apontavam numa única direcção: os projectos de exploração de gás têm de ser suspensos até que a situação se normalize. Os manifestantes alegam que as autoridades não estão a demonstrar capacidade para interromper os ataques dos insurgentes. A concentração nas “mangueiras” começara perto das 17 horas. O destinatário directo das mensagens era o novo administrador de Palma, Valigy Tuaubo, empossado na semana passada. Ele não estava no local.

Horas depois, por volta da meia noite, Palma foi de novo palco de tiroteios, um pouco por toda a vila. Residentes que falaram à “Carta” esta manhã disseram que os tiros eram disparados por militares com o objectivo de dispersar os manifestantes, que não arredavam o pé do local. Depois desses eventos, a vila adormeceu, mas com a tensão no ar. Esta manhã, por volta das 7 horas, militares, que já povoavam as principais artérias de Palma, voltaram a disparar fortemente para o ar.

Os tiros foram ouvidos nos acampamentos da ENI em Palma.  Esta manhã, na vila instalou-se uma espécie de recolher obrigatório. “Todo o mundo está em casa”, disse-nos Rajabo Issufo, um comerciante informal. Ninguém foi trabalhar e os transportes não funcionam. Palma acordou deserta, vislumbrando-se militares aqui e acolá. Mas os populares estão a tentar regressar ao local da concentração de ontem, agora sob a ameaça de tiros.

O antecedente imediato da manifestação foi um ataque dos insurgentes a uma viatura de transporte semi-colectivo de 15 lugares, ontem por volta das 12 horas, numa estrada secundária que liga Olumbi à região costeira de Muti, que dista a 30 km de Palma. Do ataque resultou a morte das 15 pessoas. Algumas perderam a vida no local e outras num hospital de Palma. A viatura foi incendiada. Entre os mortos encontram-se residentes de Palma.

O ataque à uma viatura civil foi o segundo em duas semanas e confirma uma nova tendência: a implantação do terror nas vias rodoviárias. O ataque de ontem aconteceu a escassos km da estrada que liga Pemba e Palma na região de Olumbi. Nas últimas duas semanas, o Ministério da Defesa despachou para Cabo Delgado várias companhias do exército na perspectiva de conter o alastramento dos ataques a aldeias em quase todos os distritos nortenhos da província. Mas, ao mesmo tempo que isso acontecia, os insurgentes recrudesceram as suas acções e aproximaram-se mais de Palma, num ano em que se espera que a Anadarko tome a sua Decisão Final de Investimento e a Exxon Mobil aprove seu Plano de Desenvolvimento (o qual teve recentemente um volte-face em Dezembro, ao ser chumbado pelo Instituto Nacional de Petróleo). Em Palma nesta manhã de segunda-feira, os populares não desarmam. Querem levantar alto sua voz de insatisfação.(Marcelo Mosse)

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