DAS INVERDADES IMPUTADAS AO JORNALISTA AMADE ABUBACAR E DA ILEGALIDADE DA SUA DETENÇÃO
Em despacho de Instrução Preparatória, o Ministério Público, entidade que, nos termos da Constituição da República de Moçambique (CRM) e relevantes leis é titular da acção penal em Moçambique, acusa o jornalista Amade Abubacar de estar “envolvido na prática de crimes de violação de segredo do Estado por meios informáticos e instigação pública a um crime com uso de meios informáticos”, ou seja, o jornalista é acusado de crimes de espionagem a favor dos grupos terroristas que operam em Cabo Delgado desde Outubro de 2017.
Segundo o Ministério Público, sustenta esta acusação o facto de o jornalista ter sido, supostamente, encontrado com uma lista onde “constam nomes de jovens que operam com os ditos AlShabab”, da qual ele não “foi capaz de explicar com clareza os motivos pelos quais portava a tal lista”.
Igualmente, o Ministério Público alega que, no momento da detenção, o jornalista estava a fazer trabalhos sem o conhecimento do seu superior hierárquico, o que constitui “mais um motivo forte de estar envolvido na prática do crime de que vem acusado”, o que se mostra totalmente contrário a um princípio sagrado do Direito Penal, de resto acolhido pelo legislador penal moçambicano, na esteira do qual se proíbe, expressamente, a inferência ou a interpretação por maioria de razão.
Por outro lado, há que recordar, a quem de direito, que no ordenamento jurídico moçambicano (número 5 do artigo 48 da CRM) o jornalista goza da garantia de independência, ainda que esteja a exercer as suas funções sob a égide de uma entidade pública ou estatal, termos em que ele não é funcionário público.
O MISA-Moçambique está, igualmente, a acompanhar uma intensa campanha de propaganda, levada a cabo por alguns órgãos públicos de comunicação social, estes, cuja actividade é financiada pelos impostos de todos os cidadãos nacionais, incluindo o Amade Abubakar. Nessa campanha, procura-se reforçar a acusação da Polícia e do Ministério Público e já se adianta que “o jornalista pode ser condenado a mais de 12 anos de prisão.”
O MISA-Moçambique lamenta que, em pleno século XXI, em quase 30 anos de democracia, os órgãos de justiça ainda não tenham conhecimento básico sobre as funções desempenhadas por um jornalista e não se tenham, no mínimo, dignado, como seria seu dever em condições normais, a apurar devidamente a finalidade do trabalho dos jornalistas.
Face a esta situação de todo inaceitável num Estado de Direito Democrático, o MISA-Moçambique vem esclarecer o seguinte:
1) A actividade jornalística é liberal, o que torna os seus profissionais sempre ligados a diversos órgãos de informação que os solicitam ou os contratam para, sempre que se justificar, recolher, tratar e difundir informação de interesse público, conforme a solicitação dos contratantes;
1) A actividade jornalística é liberal, o que torna os seus profissionais sempre ligados a diversos órgãos de informação que os solicitam ou os contratam para, sempre que se justificar, recolher, tratar e difundir informação de interesse público, conforme a solicitação dos contratantes;
2) Os bons jornalistas localizados nas zonas onde há potencial de informação (eventos de interesse público) são sempre potenciais colaboradores para órgãos de informação nacionais e estrangeiros, interessados em divulgar esses acontecimentos que ocorrem localmente;
3) A província de Cabo Delgado, devido às actividades de exploração de gás e do surgimento do grupo de terroristas, tornou-se, naturalmente, o centro de interesse de diversos órgãos de informação nacionais e estrangeiros;
4) É neste contexto que o jornalista Amade Abubacar, para além de ser quadro da Rádio e Televisão Comunitária estatal de Nacadje, no distrito de Macomia, se tornou colaborador de vários outros órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros;
5) Ademais, Amade Abubacar é autor de um blog e detentor de contas em redes sociais, nas quais faz publicações periódicas de notícias, em claro exercício do seu direito fundamental à liberdade de expressão, cujo amparo legal se acha claro no número 1 do artigo 48 da CRM e no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), esta, que no ordenamento jurídico moçambicano é norma supraconstitucional, por força do artigo 43 da CRM;
6) Um jornalista que se guia pelos mais altos padrões profissionais está sempre no activo, não necessitando de autorização da redacção para exercer a sua actividade jornalística, ou seja, sempre que determinado evento contenha elementos de notícia relevantes, ele se envolve na recolha da informação e a difunde com base em critérios profissionais, sem necessidade de autorização de seja quem for, em homenagem, como referimos acima, ao facto de ser um profissional liberal e independente, ainda que mantenha ligação com um media estatal ou público;
7) Nem toda a informação que é recolhida no momento se destina à publicação. Muitas vezes, o jornalista recolhe determinada informação apenas para o seu arquivo, dado que a mesma, sobretudo fotografias, pode ser útil no futuro;
8) Tal como qualquer jornalista profissional, Amade Abubacar deve possuir o seu arquivo de informação. A alegada lista que continha nomes de supostos jovens de AlShabab em sua posse pode fazer parte dos seus arquivos, resultante de meses de recolha de informação sobre os nomes dos insurgentes, o seu perfil e suas origens. Este exercício é muito normal em jornalistas trabalhando em contextos democráticos (de que Moçambique faz formalmente parte, a avaliar pelo estabelecido na CRM), pelo que é errado tal ser visto, a existir, como um acto de espionagem;
9) Amade Abubacar é um jornalista residente e bastante influente em Macomia, o que lhe facilita o acesso a diversas fontes de informação, jornalistas e pesquisadores;
10) Assistimos, em muitos países, jornalistas que entrevistam as facções em conflitos sem que sejam acusados de espionagem. E há factos de que durante a Luta de Libertação Nacional, quando a Frelimo era tida pelo governo colonial português como grupo terrorista, alguns jornalistas foram entrevistar os seus combatentes nas suas bases militares;
11) A Lei número 18/91, de 10 de Agosto (Lei de Imprensa) define jornalista como sendo todo o profissional que se dedica à pesquisa, recolha, selecção, elaboração e apresentação pública de acontecimentos sob forma noticiosa, informativa ou opinativa, através dos meios de comunicação social, e para quem esta actividade constitua profissão principal, permanente e remunerada. Estas funções tornam sempre os jornalistas detentores de informações privilegiadas e até sensíveis, às vezes por conta de eventos off-the-record promovidos por entes públicos, incluindo o próprio Ministério Público;
12) Alguns manuais de jornalismo mostram que os repórteres dispõem de mais informações do que qualquer uma das suas fontes, considerada individualmente, e de mais informações do que a maioria delas em conjunto ;
13) Devido à sua capacidade investigativa, em todo o mundo os jornalistas são fontes privilegiadas da justiça para o combate a determinados crimes como corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de drogas e de seres humanos, entre outras;
14) A privação da liberdade ao jornalista Amade Abubacar se afigura, ainda, como um grave atentado ao direito do povo à informação, conforme previsto na CRM, na Lei número 34/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Direito à Informação), na Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Povos, na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, entre outros instrumentos de direito internacional que são lei em Moçambique, tendo sido ratificados pelo nosso Estado.
14) A privação da liberdade ao jornalista Amade Abubacar se afigura, ainda, como um grave atentado ao direito do povo à informação, conforme previsto na CRM, na Lei número 34/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Direito à Informação), na Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Povos, na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, entre outros instrumentos de direito internacional que são lei em Moçambique, tendo sido ratificados pelo nosso Estado.
Adicionalmente, as acusações do Ministério Público contra o jornalista Amade Abubacar, baseados em audições feitas pela polícia e militares, não podem nem devem ser tidas como relevantes pelas seguintes razões:
1) A detenção de Amade Abubacar não foi antecedida da emissão, por um tribunal, de um competente mandado de captura, como reconhece o próprio Ministério Público, quando afirma que a tal detenção “não se mostra legal porque não consta dos autos qualquer mandado de captura ordenada pelas autoridades competentes por se tratar de uma prisão fora do flagrante delito”;
2) Amade Abubacar foi mantido incomunicável, num quartel militar, durante 312 horas (13 dias), antes de ser apresentado a um juiz de instrução, o que contraria a lei que fixa um prazo máximo de 48 horas (2 dias) para o efeito;
3) Consequentemente, não lhe foi dada a possibilidade de, em tempo útil, constituir advogado e providenciar pela sua plena defesa, em obediência ao princípio do contraditório, que é estruturante no nosso ordenamento jurídico, com enfoque acentuado em processos com acusações de natureza criminal;
4) Há forte possibilidade de durante os 13 dias em que esteve detido num quartel militar, o jornalista ter sido coagido, sob ameaças ou tortura, a confessar crimes que nunca o cometeu;
5) Há ainda a forte possibilidade de os seus captores terem fabricado “evidências” contra o jornalista, bastando obrigá-lo a ingerir substâncias que o tornassem inconsciente e de seguida introduzirem nos seus bolsos ou telemóvel substâncias ou informação que usariam como “provas” do seu envolvimento em actos conspiratórios.
O MISA-Moçambique lamenta e condena, a todos os títulos e magnitude, que certos órgãos de comunicação social do sector público, que vivem dos impostos dos cidadãos, se tornem prestáveis a campanhas de insinuações sobre um inexistente envolvimento de um jornalista em actos terroristas, especialmente quando estes mesmos órgãos nunca se dignaram a prestar qualquer informação ao público sobre a detenção, ou mesmo as circunstâncias ilegais em que ele foi detido.
O MISA-Moçambique reitera, em termos veementes, o seu apelo às autoridades da justiça a libertar o jornalista mediante o Termo de Identidade e Residência (TIR) ou, lternativamente, mediante o pagamento de caução.
O MISA-Moçambique lembra ainda que Amade Abubacar não possui antecedentes criminais.
Maputo, aos 23 de Janeiro de 2019
Comunicado do MISA-Misa Moçambique
1 comentário:
É tanta incerteza a meio a liberdade de informação que está quase ser minado pela alta cúpula que diz haver "liberdade de expressão".
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