São três as questões jurídicas fundamentais levantadas pela actuação do vice-procurador geral da República, Mota Liz, relativamente ao terreno no Bairro Quifica, objecto de investigação por Rafael Marques.
A primeira questão liga-se ao facto de o vice-procurador geral surgir como “empreendedor” da construção de um centro comercial. Sejamos claros, como já fomos em relação a João Maria de Sousa, antigo chefe de Mota Liz. Um magistrado do Ministério Público não pode ser “empreendedor”. As únicas actividades que pode exercer além da magistratura são “as de docência e de investigação científica de natureza jurídica” (artigo 179.º, n.º 5 da Constituição aplicado por remissão do artigo 187.º, n.º 4 da mesma Constituição). A norma é límpida. Não existe a justificação apresentada por Mota Liz, segundo a qual ser-se empreendedor não é exercer “funções executivas”. Face à Constituição, que é a lei suprema, isso é irrelevante. Não existe qualquer distinção constitucional entre “funções executivas e não executivas”. Mota Liz não pode ser “empreendedor” e directa ou indirectamente andar a construir centros comerciais em Luanda. Tem de optar. Mota Liz, além de magistrado, só pode dar aulas de Direito ou estudar a ciência do Direito. Nada mais. Neste momento, está numa situação ilegal.
A segunda questão desenvolveu-se recentemente e liga-se à má-fé de Mota Liz neste procedimento, que, neste momento, é óbvia.
A 13 de Novembro de 2018, em nome do director-geral do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda, António Bunga, foi emitido o Ofício com referência n.º 2208 DADG/IPGUL/GPL/2018 dirigido ao director do Gabinete Jurídico do Governo da Província de Luanda.
Por esse Ofício, o referido instituto público declara que, com base numa sentença prévia de tribunal e um parecer conclusivo da Administração de Belas, está reconhecida a posse legítima do terreno em causa por Pedro Lucau Lussaca Matias. Depois desta afirmação cabal, o Ofício descreve a história atribulada do terreno, reafirmando a sua pertença a Pedro Matias.
No último parágrafo, afirma o ente público: “A posse do lote acima referido foi reconhecida ao Sr. Pedro Lucau Lussaca Martins, portanto, todos os actos derivados ou praticados por intermédio da Sra. Esperança Valdemiro Ganga não devem produzir efeitos junto às instituições públicas ou privadas em relação ao lote, uma vez que esta se deve abster de exercer direitos sobre o espaço.”
Este documento já foi notificado ao vice-procurador Mota Liz pelos meios juridicamente adequados.
Consequentemente, Mota Liz sabe que está a construir num terreno que não é dele. Tem duas alternativas. A primeira é a do bom senso. Pára a obra e negoceia com Pedro Matias a compra do terreno por um preço justo.
Em relação ao que pagou a Esperança Ganga, Mota Liz só tem de ir atrás dela e accioná-la judicialmente para recuperar o dinheiro perdido.
Como jurista, Mota Liz conhece bem o dito legal “Quem paga mal, paga duas vezes” ou, como determina o artigo 770.º do Código Civil, “A prestação feita a terceiro não extingue a obrigação”. Mota Liz pagou a terceiro, agora tem de pagar ao verdadeiro detentor do terreno.
A outra opção que Mota Liz tem é a de intentar uma acção para declarar que o terreno é dele, mas não tem qualquer legitimidade para continuar a obra enquanto não lhe for reconhecido esse direito, o que, aliás, parece altamente improvável. Para ter esse direito, tem de pedir ao tribunal autorização para continuar a obra. Sem autorização judicial, ao continuar a obra num terreno que sabe que não é dele, e para o qual não tem título válido, Mota Liz está possivelmente a cometer um crime de usurpação de imóvel (artigo 445.º do Código Penal), caso em alguma situação tenha usado da força ou ameaças para se instalar no terreno ou para impedir que Pedro Matias exerça os seus direitos sobre o bem.
Há um terceiro problema que foi exaustivamente detalhado por Rafael Marques na sua investigação: o da irregularidade dos procedimentos para a concessão do Alvará de Licença de Construção.
Ora, aqui poderemos estar, no foro criminal, perante falsificações e, no âmbito administrativo, perante nulidades.
Mota Liz está a enfiar-se num pântano legal. Se não agir com boa-fé, só poderá queixar-se de si próprio.
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