EMPRESAS
Quem tramou a Cimpor? De multinacional a pequena cimenteira
Muitas alianças e traições depois, aquela que chegou a ser a maior multinacional portuguesa acabou reduzida a três fábricas. Em apenas cinco anos, a Cimpor passou de lucros a prejuízos, duplicou a dívida e reduziu a rentabilidade para metade. O que ditou este encolhimento?
Seis anos nas mãos dos brasileiros da Camargo Corrêa e Votorantim bastaram para que a Cimpor, que chegou a integrar o top 10 das cimenteiras mundiais, fosse desmantelada. Numa complexa operação de troca de activos e de transferências de dívidas, a empresa acabou reduzida a pouco mais que três fábricas, agora vendidas aos turcos da OYAK.
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O P2 relembra alguns episódios que marcaram o (trágico) percurso daquela que foi a maior multinacional portuguesa. Entre eles, algumas alianças e traições entre accionistas, incluindo o papel do misterioso “cavaleiro branco”, as consequências da guerra no BCP, e as decisões dos ministros Pina Moura e Vítor Gaspar, que, em momentos distintos, marcaram o rumo da empresa.
A Cimpor nasceu em 1976 a partir da nacionalização de várias cimenteiras, entre as quais a fundada pela família Champalimaud. E o crescimento foi rápido e global. Em 1992, pela mão de Sousa Gomes, já falecido, iniciou-se na internacionalização, com a aquisição da Corporación Noroeste, na Galiza. Em 1994 arrancou a reprivatização e a entrada da cimenteira em bolsa. Até 2000 deu vários passos de gigante: entrou no Brasil, onde fez duas aquisições importantes (o Grupo Brennand e a Companhia de Cimento Portland), em Marrocos, na Tunísia e no Egipto.
No início do novo século já era uma empresa cobiçada no mercado interno pela cimenteira Secil, de Pedro Queiroz Pereira, pela construtora Teixeira Duarte, de Pedro Teixeira Duarte, e pelos dois maiores players internacionais do sector: a francesa Lafarge e a suíça Holcim (antiga Holderbank). A mexicana Cemex também já tinha tentado uma fusão.
Em 2000, a Teixeira Duarte, que detinha 10% do capital da empresa, controlava a gestão, apoiada pela participação de 10% da Lafarge (interessada em travar a entrada da Holcim), e em mais 20% do capital repartido pelo BCP e pelo BPI, através dos respectivos fundos de pensões.
O presidente da Secil, Pedro Queiroz Pereira, olhava para este grupo e via concertação accionista, uma batalha que alimentou durante anos nos tribunais e junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), sem sucesso. Começa aqui o primeiro grande momento de fractura no cimento do poder da Cimpor.
Secil tenta controlo
Em Junho de 2000, a Secil, que detinha 10% da Cimpor, aliada aos suíços da Holcim (que pretendiam roubar a liderança mundial à Lafarge) lançam uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a cimenteira portuguesa, já espalhada por mercados importantes em todo o mundo. Os suíços financiavam a maioria da operação e ficariam com 70% dos activos, boa parte dos que estavam fora do país. Nessa altura, Pedro Queiroz Pereira defendia que a operação era a que melhor servia o interesse nacional, dada a iminência de a empresa passar integralmente para mãos estrangeiras.
A oferta estava dependente do fim da golden share (direito de voto especial) detida pelo Estado português, que ainda mantinha 10% na empresa. E da consequente desblindagem de estatutos, que limitavam as participações a 10%. Condições que abriram a porta à intervenção do poder político.
É precisamente nos corredores do poder que a operação acaba por morrer. Enquanto o empresário que gostava de corridas de automóveis, onde era conhecido pelas iniciais P.Q.P., pedia autorização ao Governo de António Guterres para deter mais de 10% da cimenteira, os presidentes de alguns bancos, entre os quais o do BCP, Jardim Gonçalves, sensibilizavam, com sucesso, o ministro da Economia e Finanças da altura, Joaquim Pina Moura, para travar a operação, alegadamente em nome do “controlo nacional”.
A favor da desblindagem ficou, isolado, o BPI, que acabaria por vender a sua participação de 10% pouco tempo depois. Na altura, Fernando Ulrich, que era vice-presidente do banco, declarou: “Tendo sido lançada uma oferta pública de aquisição sobre a Cimpor, o controlo da empresa deve ser decidido pelo mercado e não por actos administrativos.”
A decisão de Pina Moura desagradou ao então secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, António Nogueira Leite, que em declarações ao P2 recorda que essa foi uma das razões que o levaram a sair do Governo de Guterres, pouco tempo depois.
O “cavaleiro branco”
Em 2001, o Estado vende os últimos 10% da Cimpor à Teixeira Duarte, a única entidade que apresentou a concurso, e que dessa forma elevou a sua participação para 20,44%.
Pouco tempo depois, apareceu à venda um lote de acções, correspondentes a 11% do capital da cimenteira (provavelmente do BPI), que Pedro Teixeira Duarte quer comprar através da TDP SGPS, a sua holding pessoal e da sua mulher, acreditando que, dessa forma, escapava à contabilização conjunta com as acções detidas pelo grupo. Mas o empresário não tem dinheiro para fazer e vai bater à porta do BCP, de que é accionista. O fundador do banco, Jardim Gonçalves, amigo de Pedro Teixeira Duarte, diz-lhe que não é possível financiá-lo, dado o seu nível de endividamento, mas, em alternativa, sugere-lhe a entrada de um investidor externo na TDP SGPS. O banco garante-lhe tratar-se de um “white knight” (um “cavaleiro branco”), designação usada no mundo financeiro para investidores financeiros que não interferiam na gestão (que vulgarmente também se designam de “testas de ferro”). Neste caso, o “cavaleiro branco” visava garantir a Pedro Teixeira Duarte condições para continuar na liderança da cimenteira, numa altura de alguma instabilidade accionista.
O tal investidor secreto era Manuel Fino, também accionista do BCP, mas a sua identidade, a pedido deste, foi mantida em segredo, incluindo do próprio Pedro Teixeira Duarte. Isto porque o empresário dos têxteis-lar e de perfumaria era simultaneamente próximo de Pedro Teixeira Duarte e de Pedro Queiroz Pereira, que por esta altura o tinha convidado até a assumir uma participação na Secil/Semapa (o que não veio a acontecer).
Para cimentar o plano, que garantia ao BCP a sua continuação como banco da cimenteira e de parte dos seus accionistas, numa lógica de domínio de fileiras industriais (como aconteceu mais tarde no caso do BES/PT e outros), o BCP Investimentos foi mandatado para vender a Manuel Fino duas offshores, a Someria e a Medex, sediadas nas ilhas Man e Virgens. E ainda a assegurar o seu financiamento, juntamente com a Caixa Geral de Depósitos.
A entrada de Fino na TDP SGPS foi feita através de aumento de capital, ficando o fundador da Teixeira Duarte com 52% e os restantes 48% nas mãos do empresário da Covilhã. Na referida holding estavam acções da Teixeira Duarte, do BCP e da Soares da Costa (acções preferenciais sem voto, em operação articulada com o BCP).
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) entra em campo e entende que a participação do grupo/família Teixeira Duarte é superior. Em comunicado ao mercado, de Março de 2003, a CMVM obriga o grupo de construção a comunicar que lhe eram imputados 32,08% do capital social da cimenteira. A imputação do regulador da bolsa somava as acções detidas através da empresa Teixeira Duarte e a holding pessoal do empresário, a TDP SGPS (e do seu accionista misterioso), contabilização que a empresa contestava.
Enquanto se esgrimiam argumentos accionistas, a Cimpor crescia e, de 2001 a 2003, reforça a presença em Espanha, compra uma cimenteira na África do Sul e entra em Moçambique.
Incansável em provar que existia concertação, Pedro Queiroz Pereira foi à procura do rasto do accionista misterioso da TDP e descobriu que o dono de uma das offshores era Manuel Fino. Por esta altura, já Pedro Teixeira Duarte e Manuel Fino desfaziam o “casamento”, com receio de que a CMVM os obrigasse a lançar uma OPA. Em 2004, a Manuel Fino SGPS anuncia ao mercado que, através da Someria Enterprises, Inc, comprou a totalidade das acções da TDP SGPS, “da qual já era accionista”, como assumiu em comunicado, passando a deter 11.283 acções da Cimpor. Desse divórcio ficou ainda com a participação de 16% no grupo Soares da Costa.
Contactado pelo P2, o grupo Teixeira Duarte não se mostrou disponível para relembrar estas operações. Já o empresário Manuel Fino, em conversa telefónica, disse não se recordar de alguns acontecimentos relativos à Cimpor, mas negou que tenha entrado na TDP em segredo ou através de offshores. O P2 contactou ainda José Fino, filho de Manuel Fino e conhecedor das operações relativas à Cimpor, mas este recusou-se a falar sobre este assunto.
Guerras na Cimpor e no BCP
De 2004 a 2006, a Teixeira Duarte continuava a liderar a gestão da cimenteira, que aumentava a presença nos mercados internacionais, com a entrada em Angola, Cabo Verde e na China, onde compra 60% de uma cimenteira. O BCP e a Lafarge prosseguem “alinhados” com a estratégia de gestão.
Entretanto, os franceses vão reforçando a participação até chegar a 17% e o mesmo faz Manuel Fino, enquanto vão entrando outros accionistas, com perfil mais especulativo, como a Fundação Berardo, financiada pela CGD. Por esta altura, os dividendos distribuídos pela cimenteira pagavam os juros dos empréstimos que financiaram as aquisições de acções da própria empresa.
Mas tudo se precipita em 2006, após a oferta pública de aquisição (OPA) lançada pelo BPI sobre o BCP, que fracassa no mercado, mas cria uma forte divisão entre os seus accionistas, muitos deles comuns na cimenteira.
Armados por financiamentos da CGD, durante a gestão de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara (2005-2007), no primeiro governo de José Sócrates, surgem novos accionistas do BCP, alinhados contra o fundador do banco, e outros reforçam posições. Manuel Fino fica ao lado dos opositores a Jardim, no banco e na cimenteira.
No primeiro semestre de 2007, o BCP chama Manuel Fino, um dos dez maiores devedores do banco, e, como a outros, propõe-lhe a venda das acções da Cimpor (onde a sua posição já ascendia a 20% do capital), do BCP e da Soares da Costa, cujas cotações ainda estavam altas, o que permitiria pagar os empréstimos no próprio banco e na CGD e ainda libertar 150 milhões de euros (dos quais teria de pagar 30 milhões de euros de impostos). O empresário aceita, mas, entretanto, os meses vão passando e a venda não se faz, com o argumento de que se se esperasse até Março de 2008 já não seria necessário pagar os 30 milhões de euros de impostos. Entre a aparente razoabilidade do argumento de engenharia fiscal ou a importância dos votos de Fino na contagem de espingardas internas, as acções não foram vendidas.
A falência de Fino e a desgraça da Teixeira Duarte
Em 2008, por força dos conflitos internos no banco e da crise financeira internacional, as acções do BCP e da cimenteira sofrem uma forte desvalorização. Já com Carlos Santos Ferreira e Armando Vara na liderança do BCP (transitados do banco público), o valor das acções já não garantem os empréstimos e vários accionistas acabam na falência.
Manuel Fino é um dos vários accionistas que deixam de pagar os empréstimos no BCP e na CGD, mais de 600 milhões de euros, repartidos entre as duas instituições.
O banco público volta, em 16 de Fevereiro de 2009, a apoiar o empresário. No âmbito de uma renegociação de créditos, acaba por lhe comprar, com possibilidade de reversão, os 9,6% do capital da Cimpor, ao preço de 4,75 euros por cada acção (25% acima do valor negociado em bolsa). Os direitos de voto das acções ficam nas mãos de Fino. Os contornos da operação obrigaram o então presidente do banco público, Faria de Oliveira, a dar, com visível embaraço, explicações no Parlamento.
É este lote de acções que, mais tarde, vai ser determinante para a entrega do controlo aos brasileiros.
Na “guerra” do BCP, a Teixeira Duarte fica inicialmente ao lado de Jardim Gonçalves, mas depois procura uma posição de neutralidade, decisão que não lhe garantiu a simpatia dos vencedores. Dessa forma, passa a accionista mal-amado, e, numa altura de forte desvalorização das acções da Cimpor e do BCP, a ser pressionado para reforçar as garantias dos empréstimos, o que não tem condições de fazer.
A ofensiva dos brasileiros e o papel da GCD
A última etapa da vida da Cimpor multinacional — chegou a ser classificada como a verdadeira multinacional de bandeira portuguesa, pela dispersão geográfica global — começa com a mudança do eixo de poder para o capital brasileiro. O ano de 2010 marcou a entrada em força dos brasileiros na Cimpor, com a Caixa Geral de Depósitos a assumir um papel importante no futuro da empresa.
A 30 de Dezembro de 2009, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) anuncia uma oferta pública de aquisição (OPA) hostil sobre a Cimpor, oferecendo 5,75 euros por acção, que acabou por ser registada em 27 de Janeiro de 2010. A oferta, que não cumpria parte da legislação nacional, não foi aceite por boa parte dos accionistas.
O receio da posição de domínio que a CSN viria a ter no mercado brasileiro, onde a Cimpor tinha uma importante presença, leva os brasileiros da Votorantim e da Camargo Corrêa a atravessar o Atlântico. E a abrir uma nova frente de batalha accionista na Cimpor.
A Camargo Corrêa, grupo construtor, e fabricante dos conhecidos chinelos da marca Havaianas, parceiro da Votorantim em vários negócios, apresenta a 13 de Janeiro uma proposta de fusão com a Cimpor, que viria a ser retirada no mês seguinte.
Num movimento aparentemente autónomo, a Votorantim anunciou a 3 de Fevereiro a compra dos 17% que pertenciam aos franceses da Lafarge. E nessa mesma data a Votorantim celebra um acordo parassocial (definição de uma estratégia conjunta) com a Caixa, que utiliza os 9,59% do capital comprados a Manuel Fino (mas que este ainda podia recomprar até Fevereiro de 2012).
E é nesta altura que a estratégia pelo controlo da Cimpor contagia o mercado, com uma série de comunicações confusas dos intervenientes nesta operação, sintoma de mais uma negociação trabalhada nos bastidores.
A 4 de Fevereiro (um dia depois do acordo parassocial), a CGD comunica que lhe são imputáveis 26,91% dos direitos de voto da Cimpor (Votorantim + Caixa), assumindo os direitos de voto que são imputados, mesmo em data posterior, a Fino. Mas no dia seguinte (5 de Fevereiro) vem a Votorantim dizer que é a ela que são imputáveis os 26,91% dos direitos de voto. O acordo previa ainda um direito de preferência recíproco na venda das referidas participações.
O acordo parassocial refere que “as partes têm como motivação a constituição entre si de um bloco accionista minoritário, representando menos de um terço dos direitos de voto na Cimpor, que seja coeso e estável e que contribua, designadamente, para favorecer a estabilidade accionista da Cimpor (…)”.
Teixeira Duarte: traidora ou traída?
A Teixeira Duarte (TD), com os seus 22,17%, já tinha sido afastada da administração da cimenteira, por pressão de vários accionistas, incluindo Manuel Fino, que viria a propor Francisco Lacerda para presidente da comissão executiva. E porque se aliou a CGD aos brasileiros e não ao velho conhecido grupo de construção nacional? É uma questão sem resposta, na ressaca das guerras na banca. Para alguns responsáveis ouvidos pelo P2, o banco público tentou criar um núcleo accionista estável, que não excluía a Teixeira Duarte. Para outros, “o acordo foi feito à revelia da Teixeira Duarte, que se sentiu traída, e convidada a sair”.
Certo é que a 10 de Fevereiro, apenas cinco dias depois do acordo parassocial, a Teixeira Duarte anunciou a venda da totalidade da sua participação à Camargo Corrêa, por um valor considerado interessante (6,50 euros por acção), que a ajudou a reduzir o seu elevado endividamento, garantindo a continuação de uma parte do grupo.
Em resultado das operações atrás referidas, as duas empresas brasileiras, que viriam mais tarde a dividir os activos da empresa portuguesa, ficam a “controlar” mais de 50% dos direitos de voto da cimenteira portuguesa.
Vítor Gaspar e António Borges concluem venda
Em 2011, a troika entra em Portugal para pôr em ordem as contas públicas. A situação da Caixa, em resultado da concessão de crédito de alto risco (malparado), também está mal e a instituição é pressionada a vender o que puder, incluindo a participação financeira na Cimpor e que, esgotado o prazo, Manuel Fino não recomprou. A ordem não foi bem recebida na Caixa, com José de Matos à frente da comissão executiva (desde meados de 2011), ao ponto de ser exigido no auge da tensão interna que a mesma ficasse em acta.
E é exactamente isso que o Governo de Pedro Passos Coelho, pela voz de Vítor Gaspar e do consultor António Borges para os assuntos económicos, entretanto falecido, acaba por fazer, algo aliás inédito na história do banco público. Este episódio é recordado ao P2 por António Nogueira Leite, que desde meados de 2011 era vice-presidente da instituição. Esta mesma informação já tinha sido revelada no Parlamento.
O antigo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças recorda ainda que António Borges tentou que a Caixa fizesse uma venda irrevogável à brasileira Camargo Corrêa, antes da OPA, a que o banco público se opôs. Mas a operação estava de tal forma acertada — mais uma vez, nos bastidores do poder — que, 22 minutos depois do anúncio ao mercado da OPA geral e obrigatória, em Maio de 2012, o banco público anunciava a venda da participação, deixando de ter acções na Cimpor.
António Nogueira Leite saiu do banco público no final de 2012, por várias razões, incluindo a venda da participação na cimenteira, por considerar que esta alienação apressada não se justificava, sobretudo sem se avaliarem outras opções.
O conselho de administração da cimenteira então liderada por António de Castro Guerra considerou “baixo” o preço [5,50 euros] oferecido pelas acções da Cimpor, “que subavalia significativamente a sociedade e não incorpora um prémio de controlo”, alertando ainda que “os documentos da oferta não informavam devidamente quanto a aspectos críticos do futuro da Cimpor e aos compromissos para com os seus stakeholders [o grupo ou pessoas com interesses na empresa, sejam accionistas ou não]”.
O eterno interessado na cimenteira, Pedro Queiroz Pereira, que já tinha adquirido a Portucel, em processo de privatização, ainda tenta lançar uma OPA concorrente, mas a Caixa não o financia e o empresário também percebe, pela posição do Governo e pessoas próximas, que o controlo da empresa já estava irremediavelmente perdido para os brasileiros.
A operação da Camargo Corrêa vai em frente e “arrasta” para a falência Manuel Fino, que acabou por vender na OPA a restante participação que tinha na cimenteira, deixando um buraco enorme nas contas do banco público, que ainda está a ser “tapado” com dinheiro dos contribuintes.
Reciclagem de dívida
O epílogo trágico da multinacional Cimpor ficou traçado nestes anos de pressão da troika: alinhada com a Camargo Corrêa, a Votorantim não vende na OPA, passando ambas as empresas a controlar 94,11% do capital social e dos direitos de voto da cimenteira.
Em Dezembro de 2012, já com o advogado Daniel Proença de Carvalho como presidente do conselho de administração e o brasileiro Ricardo Fonseca de Mendonça Lima a presidir à comissão executiva, dá-se a troca de activos, como previsto na OPA.
Para a Votorantim, passam os negócios localizados na Turquia, Marrocos, Tunísia, Índia, China e boa parte de Espanha. A Cimpor “herda” os negócios da InterCement na América do Sul, nomeadamente no Brasil, Argentina e Paraguai, e em Angola e dívidas gigantescas.
Pelo meio, é montada uma complexa e sofisticada operação de circulação de dívida das empresas brasileiras, encavalitada na separação dos mercados globais da Cimpor. Entretanto, a economia brasileira inverte o seu trajecto de forte crescimento e explode a Operação Lava-Jato, que acaba por envolver a Camargo Côrrea. A recessão no Brasil força a venda de activos deste grupo, sempre para pagar dívida. Os ambiciosos planos de expansão são congelados pelas circunstâncias financeiras, judiciais e políticas.
A Cimpor que foi entregue em Junho de 2012 pelo Governo português aos dois gigantes brasileiros do sector tinha lucros na ordem dos 200 milhões de euros, uma dívida líquida de 1600 milhões e uma margem EBITDA (um barómetro da rentabilidade da empresa) de 30%.
A Cimpor que fecha o exercício de 2016 depois de poucos anos da gestão do grupo brasileiro tem prejuízos de 800 milhões de euros, uma dívida líquida de 3400 milhões e uma margem EBITDA de 19%.
Em Março de 2017, a empresa anuncia prejuízos de 788 milhões de euros e capitais próprios negativos de 408,9 milhões de euros. É anunciado um aumento de capital, entretanto congelado. Meses depois é anunciada a saída da Bolsa de Lisboa.
E agora?
E chegamos ao fim da linha ou ao início de uma nova etapa: em 26 de Outubro de 2018, a Camargo Corrêa anuncia a venda da operação da Cimpor em Portugal e em Cabo Verde, para pagar dívidas, por 700 milhões de euros (segundo a agência Reuters). Os activos que recebeu nos anos da troika ascendiam a 5500 milhões de euros. Os activos que passam agora para o grupo turco Oyak Cement resumem-se a três fábricas, duas moagens de cimento, 20 pedreiras e 46 centrais de betão, tudo num valor total de 863 milhões de euros. Em apenas cinco anos, a empresa que sobra em Portugal encolheu em 4637 milhões de euros.
A verdadeira multinacional portuguesa do sector do cimento — de onde já saíram todos os gestores portugueses de topo que entraram com a liderança brasileira — ficou, muitos anos e muitos poderes depois, reduzida à poeira acumulada em Souselas, Alhandra e Loulé. E limitada ao seu papel de subsidiária de uma multinacional turca, presente em quase 20 países. Como a Cimpor, antes.
com Pedro Ferreira Esteves
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