Nações Unidas enviam pela primeira vez fundos de urgência para o país desde que o actual Presidente chegou ao poder. Críticos do regime celebram o reconhecimento por parte das autoridades da grave crise em que os venezuelanos vivem.
Em Setembro, Nicolas Maduro foi à Assembleia Geral da ONU dizer que a crise humanitária e migratória na Venezuela era “uma invenção” para justificar que os Estados Unidos pudessem “pôr as suas mãos” no país. Agora, aceitou receber mais de oito milhões de euros para combater a fome e prevenir doenças no país que governa, a braços com uma crise económica e social sem precedentes.
É a primeira vez que as Nações Unidas enviam fundos de emergência para a Venezuela desde que Maduro chegou ao poder, sucedendo a Hugo Chávez, em 2013. “Celebro que finalmente tenham decidido aceitar ajuda”, comentou à Reuters o deputado da oposição no exílio José Manuel Olivares, médico e que luta pelo acesso a cuidados de saúde.
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Para além de relativizar o impacto da crise na população, o Governo de Maduro tem culpado as sanções impostas por outros países, especialmente “a guerra económica liderada pelos EUA”, pelo colapso económico e político do país – com a maioria dos críticos presos ou no exílio, a oposição que em 2015 venceu as legislativas viu o Presidente ignorar o Parlamento eleito e criar em alternativa uma Assembleia Constituinte.
De acordo com o Governo, 23% da população vive na pobreza, mas estudos independentes, como o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), apontam para mais de 80%. O Fundo Monetário Internacional estimou em Outubro que a inflação venezuelana vai chegar aos 1.370.000 % em 2018.
Os primeiros 5,7 milhões de euros da ONU já foram disponibilizados. Mais de metade deste valor vem da Organização Mundial de Saúde (OMS) e destina-se a atendimento médico urgente das “populações mais vulneráveis”. Outros 2,3 milhões vão sair da UNICEF (agência da ONU para a infância) e estão reservados a crianças com menos de cinco anos malnutridas ou em risco de malnutrição, grávidas e lactantes.
Segundo os dados da CIDH, divulgado em Fevereiro, “em 2017 teriam morrido semanalmente entre cinco e seis crianças por falta de alimentação e pelo menos 33% da população infantil apresentaria indicadores de atraso no crescimento”.
A CIDH denunciava ainda que 4,5 milhões de venezuelanos só estavam a fazer apenas uma refeição por dia – “e, em ocasiões, a cada dois dias – e a “falta de acesso a medicamentos e tratamento médico”, mesmo para doenças comuns como diabetes, hipertensão, infecções respiratórias e diabetes.
Outros recursos agora aprovados saem do orçamento da Unfpa (Fundo das Nações Unidas para a População) e visam proteger mulheres e adolescentes vítimas de violência a viver em três estados que fazem fronteira com a Colômbia, onde se concentram muitos dos que querem sair da Venezuela. As populações deslocadas nos mesmos estados, Apure, Tachira e Zulia, vão receber mais um milhão de euros da Organização Internacional para as Migrações.
O próprio ACNUR (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) vai intervir dentro do país junto das populações deslocadas, fornecendo alimentação, água tratada e saneamento básico.
Refugiados e corrupção
Por dia, segundo o ACNUR, cinco mil venezuelanos abandonam o país. A Colômbia já recebeu 900 mil refugiados, o Peru mais de 500 mil. Chile, Argentina, Brasil e EUA são outros destinos procurados, assim como o Equador, que funciona sobretudo como ponto de passagem para o Peru e dali para o Chile. Em algumas regiões destes países já houve confrontos entre refugiados e as populações locais
Em Agosto, o Brasil foi placo de ataques a campos de “migrantes”, como ali se referem aos venezuelanos que fogem da miséria. Depois de um alegado caso de violência entre refugiados e o proprietário de um restaurante brasileiro no estado de Roraima, junto à fronteira com a Guiana, uma multidão expulsou os venezuelanos de vários campos e incendiou os seus bens – do outro lado da fronteira terão sido queimados carros brasileiros.
Até agora, a ajuda destinada à crise na Venezuela focava-se precisamente nos países da América do Sul que receberam a maior parte dos três milhões de venezuelanos que deixaram o país desde 2015. Para além da recusa de Maduro, muitos governos temem enviar ajuda directa a Caracas, onde vários responsáveis são alvo de sanções dos EUA e da União Europeia por suspeitas de corrupção, abusos dos direitos humanos ou tráfico de droga.
E é por isso que apesar de celebrar esta mudança e a abertura de portas à ajuda da ONU, o opositor Manuel Olivares também sublinha que “este é um Governo com instituições profundamente corruptas e [estes fundos] podem acabar nas contas bancárias que alguns têm em paraísos fiscais”.
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