Denise mora nos Estados Unidos e soube do ocorrido por mensagens de celular. Ela é cineasta e prepara um filme sobre a vida do pai, Roger Smekhol, que desenhou o Edifício Wilton Paes de Almeida.
Por Glauco Araújo, G1 SP
A cineasta Denise Smekhol acordou na madrugada de terça-feira (1º), em Berkeley, nos Estados Unidos, onde mora, e ligou o celular. Imediatamente ela começou a receber mensagens informando sobre o incêndio e o desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, projetado pelo seu pai, o arquiteto Roger Smekhol.
A tragédia havia acontecido no Largo Paissandu, no Centro de São Paulo, cerca de quatro horas antes por conta da diferença de fuso horário com São Paulo. Ela demorou a imaginar a gravidade das mensagens que recebia e só se deu conta ao ver os primeiros vídeos.
“Acordei em choque, quando comecei a olhar as imagens fiquei super chocada, super triste e preocupada porque eu sei que tinha mais de 400 pessoas morando no prédio. Quando comecei a ver as imagens eu simplesmente não acreditei, a sensação que eu tive foi a mesma quando vi as torres gêmeas desabarem em Nova Iorque. Misturou um monte de emoção. Foi como se meu pai morresse outra vez, uma nova morte”, disse ela ao G1.
Denise é filha do arquiteto Roger Smekhol (1928-1976), autor do projeto do prédio que desabou. Ele era filho de imigrantes sírios e nasceu em Paris, vindo ainda criança ao Brasil. O arquiteto foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).
Quando disse que sentiu um misto de emoções, Denise se referia à importância da obra arquitetônica de seu pai, mas também com as condições de vida das 146 famílias que viviam na ocupação. “É a continuação de um conflito que eu sempre senti com aquele prédio desde que decidi fazer o filme, o ‘Pele de vidro’. Eu queria contar a história do prédio como reflexo do Brasil nos últimos 50 anos. Aquele prédio é um grande reflexo do Brasil, por tudo que aconteceu naquele prédio. Ele tem uma grande história”, afirmou Denise.
A cineasta lembra que perdeu o pai quando tinha 14 anos. “Meu pai morreu aos 48 anos de idade, muito jovem, ele teve um infarto. Recentemente eu descobri que ele tinha feito mais de 150 projetos em São Paulo, ele tem projetos em endereços importantes, como quatro projetos na Avenida Paulista. Ele era um arquiteto que estava em projeção, que estava no auge quando morreu."
O prédio que desabou seria uma das dez obras que seriam retratadas no filme. "Eu tinha um carinho por ele, eu queria que ele fosse preservado, que ele ficasse lindo, mas eu também tenho essa compreensão da necessidade das pessoas de terem um teto, então, eu acho que todo esse conflito é um drama da realidade que a gente está vivendo hoje. Eu desejava que elas vivessem de uma forma mais decente dentro daquele espaço, que tivesse agua e luz, que não precisassem ficar puxando eletricidade da rua. Existe esse problema de moradia, existem prédios abandonados, vamos tentar resolver isso de uma forma que as pessoas possam viver de uma maneira mais decente e que não corram risco e o prédio não corra risco também", disse a cineasta.
Denise começou as filmagens em outubro do ano passado, quando esteve em São Paulo e visitou a ocupação no prédio projetado pelo pai. "Eu fui ao prédio, apenas no lobby, para conversar com os coordenadores. Eu queria filmar dentro do prédio, filmar os moradores, conhecer a história deles, como eles foram parar naquele prédio, como eles estavam se organizando para entrar naquele espaço, mas não deu."
O lobby do edifício foi o mais perto que ela conseguiu estar da obra desenhava pelo pai. "Nunca tinha entrado, só tinha passado em frente. Eu tinha muita curiosidade, porque era uma obra prima que ele fez, um prédio tombado, importante dos anos 60. Tinha essa curiosidade como filha, como artista, para ver como ele tinha desenhado aquele o prédio, como era o prédio por dentro. Eu falei isso para os coordenadores, que ia começar a contar a história de fora para dentro. Tinha essa curiosidade de conhecer as pessoas que estavam lá dentro e contar a história do prédio por dentro", afirmou Denise, emocionada.
Ela deve vir ao Brasil para acompanhar os desdobramentos do desabamento do prédio e tentar retomar as gravações para o filme. "Acho que todo mundo perdeu, todos perdemos um marco da arquitetura modernista, os moradores do prédio perderam o abrigo, perderam suas casas, seus pertences, eu perdi a chance de conhecer esse prédio por dentro e conhecer meu pai artisticamente, eu fiquei muito triste por tudo e por todos."
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