sexta-feira, 4 de maio de 2018

Afonso Dhlakama, “pai da democracia” em Moçambique, resistiu a quatro presidentes do partido Frelimo e morreu de doença

Afonso Dhlakama, “pai da democracia” em Moçambique, resistiu a quatro presidentes do partido Frelimo e morreu de doença
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Escrito por Adérito Caldeira  em 04 Maio 2018
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Foto de Adérito CaldeiraAfonso Dhlakama, auto-intitulado “pai da democracia” em Moçambique, liderou a guerrilha contra quatro presidentes do partido Frelimo, mas acabou por falecer nesta quinta-feira (03) vítima de doença algures na serra da Gorongosa, na província de Sofala, onde estava refugiado desde Outubro de 2015.
A confirmação oficial do falecimento do presidente do partido Renamo foi dada pelo Presidente moçambicano: “É um momento muito mau, principalmente para mim. Estávamos a resolver os problemas deste país. E o momento torna-se muito mau sobretudo porque eu desde ontem (quarta-feira 02) estive a fazer um esforço para ver se eu transferia o meu irmão para fora do país, não consegui e o peso para mim é maior do que para qualquer pessoa”.
“Estou muito deprimido porque eu devia ter conseguido transferir a ele, não me deram tempo, até para dizer que ele já estava a uma semana mal só me disseram a um dia. Eu espero que consigamos continuar a fazer tudo por tudo para as coisas não irem para baixo, o povo moçambicano merece. Ele tudo fez, falou comigo da última vez disse "não vamos falhar nada, ele até usava linguagens radicais, não vamos falhar nada". Qualquer moçambicano merece a vida. Fui infeliz porque não consegui ajudar”, lamentou Filipe Nyusi falando ao telefone para a Televisão de Moçambique.
O Chefe de Estado afirmou ainda que: “Neste momento concentremo-nos, incluindo a Renamo se concentre, não tenham agendas quais-queres. O que nós temos de fazer agora é que Moçambique não pode mais ficar parado, temos que andar. Porque nós não podemos continuar como um Estado sem oposição. A oposição não faz mal a ninguém. Este cidadão é um cidadão necessário que existiu em Moçambique. Agora não estamos em momento de confusão nem nada, ele é um cidadão que sempre esteve e trabalhou para Moçambique. E prontos!”.
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de Janeiro de 1953 no regulado de Mangunde, no distrito de Chibabava, na província de Sofala. Após uma curta passagem pela Frente de Libertação de Moçambique, tornou-se, em 1976, num dos fundadores da Resistência Nacional de Moçambique, agora partido Renamo, que passou a liderar em 1979 após a morte do então líder André Matsangaísa.
Dhlakama liderou a guerrilha contra o Governo da Frelimo, primeiro sob o comando de Samora Machel, depois durante a presidência de Joaquim Chissano, com quem negociou os Acordos de Paz, assinados em Roma, a 4 de Outubro de 1992. Resistiu a Armando Guebuza, com quem assinou novos Acordos de Paz, e enfrentava Filipe Nyusi na luta pela democracia em Moçambique.
O eterno candidato presidencial
Com o advento do multipartidarismo, a Resistência Nacional de Moçambique tornou-se no partido Renamo e Afonso Dhlakama foi o seu candidato presidencial às primeira eleições que aconteceram no nosso país, em Outubro de 1994, as quais perdeu para Joaquim Chissano.
Líder incontestado do seu partido, Dhlakama voltou a ser o candidato presidencial em 1999, tendo voltado a perder para Chissano, porém, por uma ligeira desvantagem. O partido Renamo contestou os resultados por fraudes e não reconheceu a vitória do partido Frelimo.
ArquivoEm Dezembro de 2004, Afonso Dhlakama volta a concorrer à presidência e perde para Armando Guebuza. Mais uma vez, o maior partido rejeita os resultados por fraudes.
Nas quartas Eleições Gerais em Moçambique, em 2009, Dhlakama volta a perder para Guebuza, desta vez com larga vantagem para o candidato do partido Frelimo.
O partido Renamo considerou as eleições fraudulentas e exigiu a anulação das eleições e a organização de novas, caso contrário seria o fim da democracia, pois tomaria o poder pela força e “Moçambique estaria em chamas”.
Entretanto, o líder da oposição abandonou a sua residência oficial em Maputo e fixou residência na cidade de Nampula, onde, em Dezembro de 2011, retomou negociações com o então Chefe do Estado, que nunca o reconheceu.
Cerca de dez meses depois, em Outubro de 2012, Afonso Dhlakama mudou-se de Nampula para o seu antigo quartel general em Santungira onde, a 21 de Outubro de 2013, escapou ao assalto das Forças Armadas de Defesa de Moçambique então lideradas por Filipe Nyusi, como ministro da Defesa.
O partido Renamo anunciou o fim do Acordo de Paz de Roma e o nosso país mergulhou em novo conflito armado que durou até a assinatura de um novo Acordo de Paz, a 5 de Setembro de 2014, rubricado por Armando Guebuza e Afonso Dhlakama.
No mês seguinte aconteceram as quintas Eleições Gerais e Dhlakama, novamente o candidato presidencial da “perdiz”, perdeu para Filipe Nyusi. O maior partido de oposição volta a denunciar fraudes e reclama governar as províncias onde obteve a maioria dos votos.
Regresso à “parte incerta” para manter-se vivo
ArquivoA 7 de Fevereiro de 2015 aconteceu o primeiro frente-à-frente entre o então proclamado 4º Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, e o líder da oposição no entanto as posições voltam a extremar-se e confrontos armados voltam a ser registados em várias Regiões, apesar de decorrer na capital do país um diálogo político.
Durante um périplo pelas províncias que reclamava vitória eleitoral a caravana de Afonso Dhlakama é emboscada a 15 de Setembro de 2015 em Manica. Dez dias depois o líder da Renamo sobrevive a nova emboscada na província de Manica e não é visto durante duas semanas.
A 8 de Outubro Dhlakama regressa de “parte incerta” mas no dia seguinte as forças paramilitares invadem a residência onde se preparava para falar à Nação e Afonso Dhlakama volta a refugiar-se em “parte incerta” e confrontos militares voltam a acontecer, particularmente devido a caça movida pelas Forças de Defesa e Segurança aos membros e simpatizantes do partido Renamo.
Novas negociações políticas para a Paz voltaram a acontecer em Maputo mas o Presidente Filipe Nyusi decidiu assumir as rédeas, primeiro telefonicamente, culminando com “tréguas sem prazo” que se vivem em Moçambique, e mais recentemente em encontros pessoais entre os dois líderes nas matas da Gorongosa.
“Quando eu falo o Afonso Dhlakama quer dividir o país, quem é que está a dividir o país é o Dhlakama ou são eles”
No seguimento desses encontros entre Nyusi e Dhlakama foram consensualizados vários pontos inclusivamente uma proposta de revisão pontual da Constituição, para acomodar a ansiada descentralização em Moçambique, que se espera seja aprovada pela Assembleia da República à tempo das Eleições Autárquicas agendadas para Outubro próximo.
A notícia do falecimento do presidente do partido Renamo acontece numa altura em que se espera que ele se recenseasse no município da Gorongosa durante estes últimos dias do processo de actualização decorre nas Autarquias locais.
Foto de Adérito CaldeiraNum dos seus concorridos comícios, que o @Verdade presenciou em Nampula, Dhlakama afirmou que “o tempo de brincadeira com a Frelimo está terminado. Brincamos com a Frelimo em 94, roubaram e deixamos. Em 99 roubaram, deixamos. Em 2004 roubaram, deixamos. Em 2009 roubaram, deixamos. Agora, de 2014 para 2015, acabou a hegemonia da Frelimo, o regime acabou (…) e eu não estou a brincar, não tenho receio de qualquer aí, o meu receio está em vocês. Quem pode me meter medo são vocês não é uma Frelimo, uma Frelimo que sobrevive do roubo dos nossos impostos enquanto vocês nem conseguem comprar sal”.
“(...) Quando eu falo Afonso Dhlakama quer dividir o país, quem é que está a dividir o país é o Dhlakama ou são eles (em alusão ao partido Frelimo). Porque é que não estão a igualar a vida da população? Não é dividir o país?” afirmou ainda na ocasião.
Auto intitulado “pai da democracia” em Moçambique, que deixa viúva e sete filhos, reivindicou a sua heroicidade num dos vários comícios que realizou pelo país. No entanto, ele deixou claro que quando morresse não desejava que os seus restos mortais fossem colocados na Praça dos Heróis na cidade de Maputo, o seu desejo é ser enterrado na terra que o viu nascer.

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