A eleição de D.T. à presidência americana arranhou em grande medida o prestígio internacional da democracia americana. A interferência russa na campanha visava, entre outras coisas, cimentar a ideia de que os americanos não são melhores que ninguém e que a sua democracia é fraudulenta como qualquer outra. Muitos líderes africanos reagiram à eleição de D.T. com um certo alívio - afinal, os americanos não terão capital moral para chamar atenção às fragilidades das democracias emergentes. Os recentes pronunciamentos de Mugabe são prova disso. Há quem tenha chegado a sugerir que a democracia liberal como a conhecemos hoje está moribunda e na lista das espécies em extinção.
Não há dúvida que a democracia liberal está em crise. A onda de efervescência da direita conservadora pelo mundo ocidental (Brasil incluído) é sinal mais que suficiente de que o mundo caminha a passos largos para uma nova ordem política. Mas há exemplos de resiliência que a democracia americana tem a ensinar, justamente porque a democracia não reside apenas nas leis e instituições do poder. A democracia americana reside na cultura, e aqui ela é mais difícil de ser arranhada. A democracia institucional americana está em crise, mas a cultura democrática ainda está firme. Vimos essa cultura nas massivas manifestações em repúdio a D.T e suas políticas. A vivacidade da imprensa livre - não obstante os ataques de que tem sido alvo - é um dos pilares dessa cultura.
O mais importante dessa cultura na minha opinião é a expectativa da prestação de contas dos servidores públicos. Mesmo que estes se oponham a tal prática e tenham tendências autoritárias - como evidentemente D.T. tem - ainda assim ninguém viola essa cultura. O presidente tem um porta-voz que querendo como não deve vir a público quase diariamente para falar com a imprensa sobre que políticas o presidente e o seu gabinete estão a trabalhar. E a imprensa questiona o porta-voz até ao detalhe. Embora o presidente seja o chefe de governo, cada membro do gabinete responde por si. Em caso de qualquer problema ou alegações de irregularidades o responsável do gabinete visado vem imediatamente a público para esclarecer. E se o esclarecimento não for convincente e o caso for sério o visado pode ele ou ela própria retirar-se da equipa.
Essa é a cultura democrática que Moçambique tem a aprender dos americanos. Moçambique precisa dessa cultura. O défice de comunicação é abismal no nosso país. O Presidente quase que nunca comunica com os cidadãos - as comunicações de imprensa pelo presidente são esporádicas e monocórdicas. Os ministros e governadores quase nunca comunicam com o público. Com a excepção dos periódicos comunicados do porta-voz do Conselho de Ministros, as únicas instâncias em que as autoridades falam à imprensa são em cerimônias ou eventos públicos ou privados, e a imprensa tem que "caçá-los" para comentar isto ou aquilo. Há umas décadas os canais de TV podiam convidar um ministro em exercício para uma entrevista. Essa prática morreu. Há anos que não leio uma única entrevista a um ministro ou governador em exercício, muito menos o presidente da república. O Ministro dos Transportes Carlos Mesquita, por exemplo, não devia vir a público explicar porque é que a sua empresa foi adjudicada uma empreitada pública sem que tenha havido concurso público? O que impede a imprensa de exigir uma entrevista como ele para o entrevistar sobre esse assunto? Boa parte da nossa imprensa é feita com base em suposições sobre o que pensam os nossos governantes e o que se passa na nossa administração. Mas nunca ouvimos a voz dos actores. E isso é extensível aos partidos da oposição. Não é mais do que necessário uma entrevista com Daviz Simango ou Amurane sobre o que se passa com o MDM? Se eles são um partido de mudança, não é apropriado que se abram aos escrutínio público e assim mostrar que são diferentes?
A cultura democrática de comunicação precisa-se. A imprensa de Moçambique precisa ser mais agressiva e abrir o caminho. O futuro da nossa nascente democracia depende disso.
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