quarta-feira, 1 de março de 2017

O negócio de fazer leis

EDITORIAL

O negócio de fazer leis

Este Governo faz menos leis e está a limpar outras, caídas em desuso. Mas o verdadeiro problema está ainda por resolver.
Perguntam-me: de todas as decisões deste Governo, de qual gostas mais? E eu respondo: da decisão de não aprovar leis novas todas as semanas. Num país com excesso de produção legislativa, não há decisão mais sensata do que fazê-las com peso e medida (até porque sabemos que muitas são feitas mais a pensar na festa do anúncio do que na responsabilidade de as aplicar). Duvida? Ora siga para o parágrafo seguinte.
Conta-nos a Maria Lopes, aqui no PÚBLICO, que há dezenas de leis publicadas em Diário da República que ainda não sairam do papel, pela simples razão de que estão ainda por regulamentar. Acrescenta-nos ela que em muitas delas o prazo para a regulamentação está a chegar ao fim e que, avisadamente, o Parlamento quer introduzir um sistema de alerta ao Governo para que essa legislação não acabe por caducar. É uma boa ideia.
Como foi uma boa ideia a do Ministério da Presidência, de vasculhar as toneladas de papéis lá da PCM, procurando aquelas que já caíram há muito em desuso. Há escassas semanas, a São José Almeida deu-nos conta da primeira estimativa. Se não se lembra, sente-se primeiro: são mais de 1500, apenas entre as que foram aprovadas entre 1974 e 1978. Imagine quando a contagem chegar a este século.
Mas convém anotar que, para este trabalho louvável ser levado a sério, falta dar um passo de gigante: devolver ao Estado capacidade de fazer a legislação em casa - sem recorrer a agentes externos, que fazem da produção legislativa um negócio legítimo, mas pouco recomendável. 
Veja o que aconteceu, por exemplo, na polémica da Caixa. O Governo contratou um gestor para o banco público, ele colocou uma série de condições prévias. E passando por cima do gabinete jurídico das Finanças e do da Caixa, chamou um escritório de advogados para fazer a lei à medida do que pretendia. Se quiser sair da Caixa, veja o que aconteceu na resolução do BES: acha mesmo que foi o Governo de Passos que fez uma lei da noite para o dia para aprovar a resolução naqueles moldes? Para ir mais longe, deixo uma dúvida: quando o Estado legisla sobre as offshore ou sobre perdões fiscais, será que não foram feitos projectos de legislação fora do Estado? E quando alguém quer contornar as leis, quem é que está mais habilitado a ajudar? Isso mesmo, estes escritórios amigos.
Sim, no que respeita à produção legislativa, este Governo está a pensar bem. Mas falta-lhe o passo decisivo: devolver competência legislativa ao Estado. Diz que vem aí um centro de competências, com gente habilitada a tal feito. Veremos como, para saber se tem a força que a lei impõe e se a soberania volta ao Estado.

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