sábado, 4 de março de 2017

O jovem Zófimo Muiuane está na prisão porque baleou mortalmente a sua jovem esposa

A ÁRVORE VENENOSA
Não se pode plantar uma árvore venenosa dentro do quintal; nem sequer na quinta adjacente ao quintal da casa. É proibido! A sua utilidade para matar os nefastos ratos e baratas que, quase sempre que o PAPAI de casa recebe ilustres hóspedes na sala de estar saem de baixo do divã e pulam para cima da cristaleira, criando um grande embaraço, não poderá ser evocada como razão plausível para ter aquela árvore dentro de casa. É absolutamente interdito porque a aliciante beleza exterior dos seus frutos pode induzir as crianças (os legítimos herdeiros do PAPAI) a consumi-los e, desse consumo, resultar uma tragédia. Por amor aos próprios filhos, o PAPAI deve odiar a árvore venenosa.
A prepotência é uma árvore venenosa. Os seus frutos – a violência - são nocivos para a sociedade humana, inclusivo para o prepotente que pode, a qualquer momento tornar-se, ele mesmo, um dos vítimas da sua própria árvore.
A prepotência é, fundamentalmente, um sentimento falso de superioridade, ou de auto afirmação, da pessoa que se acha superior a demais. O prepotente julga-se um ser humano superior aos outros, por qualquer razão: ou porque acha-se fisicamente mais forte do que os outros, ou porque acha-se socialmente melhor posicionado do que os outros – utiliza estas pretensões (ou outras) para desvirtuar todas as normas sociais e estabelecer, a seu favor, um regime arbitrário. Uma pessoa prepotente muitas vezes também é classificada como arrogante, porque se considera superior aos outros, tratando-os de forma desrespeitosa.
Como se pode notar, quando é definida em termos da pessoa na sua dimensão individual e privada, a prepotência é um defeito. O prepotente, neste caso, é uma pessoa desprezível. Mas, quando é definida em termos de relacionamentos sociopolíticos, o seu significado descreve uma pessoa ou um regime absoluto que abusa (usa arbitrariamente) do seu poder e autoridade para oprimir as pessoas que estão sob o seu comando. Neste caso, a prepotência torna-se um perigoso veneno para aquela sociedade.
Enquanto as instituições e as pessoas que tutelam os direitos fundamentais apregoam, por exemplo, que a vida deve ser interrompida apenas por causas naturais, restando proibido que uma pessoa tire a vida de outra, ou uma pessoa coloque a outra numa situação de perigo de vida, o prepotente acha-se dono das vidas de todas as pessoas que olha com desprezo; o prepotente acha-se com direito de pôr em risco as vidas dos que ele considera inferior, por qualquer motivo, inclusivo para defender os seus caprichosos interesses. Para o prepotente a única vida preciosa é a sua e a dos seus, a dos restantes não conta para nada. Para estes últimos viver é um favor que se lhes presta!
Mais ainda, enquanto os defensores dos direitos fundamentais sustêm que o direito à vida também é um direito à saúde, à alimentação, à educação, e todas as formas que garantem a dignidade da pessoa humana, para o prepotente, o único que tem direito à saúde, à alimentação e à boa educação e todas as formas que garantem a dignidade da pessoa humana é ele, os seus filhos, e as pessoas da sua classe, porque só ele e os seus são “pessoas” no verdadeiro sentido da palavra. Os restantes estão numa posição intermediária entre pessoa e qualquer outra coisa.
A prepotência cria uma diferenciação entre cidadãos: os da primeira classe (o prepotente e uns poucos privilegiados) e os da segunda classe (os restantes cidadãos); e ela (a prepotência) autoriza os cidadãos da primeira calasse a perpetrar todo o tipo de violências (fruto da prepotência) contra os cidadãos da segunda classe. Os cidadãos da primeira classe cometem sistematicamente, por exemplo, a violência psicológica contra os cidadãos da segunda classe, fazendo-os padecer a sua condição de inferioridade; humilhando-os e fazendo-os conceber a sua condição como perpétua e insuperável, salvo se estes se associarem àqueles, na condição de submissos. Os cidadãos da primeira calasse cometem também violência social contra os da segunda, condenando-os à miséria e perpetuando a miséria destes através de sistemas político e socioeconómico fechados. Os cidadãos da segunda classe são também utilizados para fazer guerras e combater batalhas necessárias para perpetuar o status quo; as suas vidas não contam para nada, podem morrer nas matas, sem nenhum direito a uma digna sepultura, nem direito de ser chorados pelos membros das próprias famílias.
Para os cidadãos da segunda classe a saúde não é um direito. De facto, os hospitais e centros de saúde disponíveis e acessíveis para estes cidadãos, não são exatamente lugares de assistência médica e medicamentosa, são, antes, uns ninhos de encubação de epidemias, donde o paciente sai com mais doenças de quantas trazia da própria casa. O mais deplorável é que não existe (e provavelmente não existirá) nenhuma vontade de melhorar este estado de coisas porque os cidadãos da primeira classe – aqueles para quem a saúde e a vida contam alguma coisa – têm um poder financeiros que lhes permite viajar para o exterior à busca da sua assistência médica.
Os cidadão da primeira classe violentam os da segunda, inclusivo nas suas consciências. Estes estão proibidos de manifestar a sua insatisfação em relação à estrutura opressiva à qual estão sujeitos. Eles devem mostrar-se satisfeitos e desejosos de colaborar como com o estado das coisas. Isto explica porque é que são estes mesmos cidadãos da segunda classe os executores eficaz das repreensões; os autores matérias dos crimes hediondos - os componentes dos esquadrões da morte; são eles os viciadores dos resultados eleitorais, os que empurram compulsivamente os contestadores aos cárceres; os protetores dos cidadãos da primeira classe (os prepotentes); os fabricantes e difusores da opinião pública conveniente.
Como se poder ver, uma vez instaurado o sistema de violência, o prepotente (cidadão da primeira classe) deixa que os cidadãos da segunda classe se violentem uns aos outros. A violência que os cidadãos da segunda classe infligem uns contra os outros cresce até tornar-se uma cultura. Quando começa a identificar-se com a cultura, o prepotente regozija-se porque acha que os outros já aceitaram a própria condição de cidadãos da segunda classe, e já renunciaram qualquer tentativa de alterar o equilíbrio.
Infelizmente, esta é a altura em que o fruto venenoso da prepotência vitima o próprio prepotente. De facto, a excessiva depreciação do valor da vida dos cidadãos da segunda classe que, basicamente, é engendrada em função dos interesses da prole dos cidadãos da primeira classe, acaba induzindo esta mesma prole a pensar que a sua própria vida também não tem nenhum valor; de tanto ouvir falar das encomendas de assassinatos, por qualquer capricho, ou razões fúteis, aqueles a quem a violência devia beneficiar acabam adoptando-a para própria ruína.
O jovem Zófimo Muiuane está na prisão porque baleou mortalmente a sua jovem esposa Valentina Guebuza, ambos, aparentemente, beneficiários da cultura de prepotência e violência que se consolidaram ao longo do percurso da nossa história de povo soberano. Embora alguns, como a chefe da bancada do partido no poder, Margarida Talapa, possam preferir iludir a questão no famoso estigma da “violência doméstica contra a mulher”, é evidente que, quando o que até bem pouco tempo era um mal reservado aos cidadãos da segunda classe, começa a ameaçar também os cidadãos da primeira classe, é um sinal claro que os tecidos sociais já estão imbuídos e ensopados daquele mal; significa que o fruto da árvore venenosa já foi consumido pelos filhos.
O jovem Zófimo poderá envelhecer ou terminar o resto dos seus dias na prisão. Mas há outros “zófimos” que baleiam (ou mandam balear) todos os dias muitos “valentinos”, e estão em liberdade, a comer e a beber do bom e do melhor. Se não se investir politicamente e socialmente na “eliminação” destes zófimos que impunemente continuam a semear terror e a consolidar a cultura da morte, ainda teremos muitos outros assassinatos de “valentinas” por baleamento.
Nos sistemas democráticos se insiste muito na correspondência entre boa governação e respeito pelos direitos humanos, não tanto porque não exista, naquelas sociedades, ninguém que se julgue superior aos outros e pretenda um tratamento especial, mas porque procuram distanciar-se dessa “árvore venenosa”, cujo fruto – a violência - poderia escapar do controlo racional. Os direitos humanos são, assim, tidos como prerrogativas essenciais concedidas ao indivíduo (mais tarde alargadas aos grupos), que toda a autoridade política (e todo o poder em geral) tem a obrigação de garantir o seu respeito. Os direitos da pessoa humana constituem as proteções mínimas que permitem ao indivíduo viver uma vida digna desse nome, defendido das usurpações do arbítrio estatal (ou outro); são, por conseguinte, uma espécie de espaço “sagrado”, intransponível. Uma outra maneira de formular a questão sobre os direitos humanos é dizer que eles representam as regras do jogo mínimas que devem ser respeitadas pelos governantes e pelos governados para que uma vida digna desse nome seja possível.
O espaço privado do indivíduo surge com efeito como dirigido, à primeira vista, contra o poder político (contra as suas invasões, contra o seu despotismo, contra o seu arbítrio); mas, num outro sentido (também essencial), este espaço implica exatamente o contrário, isto é, os direitos humanos representam um apelo dos indivíduos e dos grupos ao poder político, dado que os direitos da pessoa humana devem valer também contra os outros membros da sociedade, e que, para isso, é necessário que o indivíduo possa apelar... à sanção do poder político.
Trata-se, portanto, por um lado de enfrentar o poder político (limitar as suas tendências despóticas, o seu “poder a mais”), e ao mesmo tempo de reforçar (fazer de modo que ele tenha a força) – que ele possua o monopólio da violência política – necessária para sancionar os atentados aos direitos fundamentais que ocorrem entre governados.
É imperativo arrancar a árvore venenosa do quintal porque ela pode, eventualmente, vitimar as crianças!
Alfredo Manhiça
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21 comentários
Comentários
Ali Juhute
Ali Juhute Gentleman. ..Um abraço professor
Vandar Phoo
Vandar Phoo Huffff ainda não acabei... vou fazer scream shot ler em casa... wuluuuuu 

Prepotente sana
Gil Wa-Nhamymba
Gil Wa-Nhamymba Ficou a mensagem para os prepotentes, seus filhos, familiares, amigos e os lambe-botas.
José Jaime Macuane
José Jaime Macuane Reflexão profunda e oportuna, caro prof. Alfredo Manhiça. É impressionante essa equação da violência no nosso País: como se pode estar protegido no privado, seja em que extracto social se estiver, enquanto o país cultua a violência. Ninguém pode se sentir seguro numa situação dessas, a não ser pela própria violência, que tem as suas limitações. Thomas Hobbes fala muito bem nisso na sua caracterização do estado de natureza como se tornando num Estado de Guerra. Mesmo dentro do Leviatã, a violência do Estado para manter a ordem tem limites: o não causar a morte ao indivíduo. Atravessado este limite, mesmo na concepção totalitarista do Estado hobbesiano, o indivíduo teria direito a se rebelar contra o Estado. E temos também Weber na sua idea sobre o a legitimação da violência pelo Estado. Essas equações parecem estar ausentes na nossa reflexão sobre a construção do Estado e da Ordem. Está é vista como simples ordem pública. Não se traz à reflexão e prática que a Ordem se faz de elementos de força e de legitimação. Do chamado poder infraestrutural. Mas o mais degradante é a desumanização dos indivíduos: serem vítimas de violência e não sequer terem o direito de reclamar da sua condição (como diz caro prof. Alfredo Manhiça) e, pior, não poderem se indignar quando os outros sofrem esta violência. Me intriga como os que promovem este sistema podem cultivar a ideia de que se podem sentir seguros a meio de uma cultura entranhada e promovida de violência. Uma equação deveras intrigante.
Policarpo Vaz
Policarpo Vaz Arranque-se a árvore e certifique-se que não há rebentos dela!!
Samuel Simango
Samuel Simango Uma brilhante reflexão. Nada de continuarmos a podar esta maldita árvore
Carlos Lourenço
Carlos Lourenço Uma reflexao profunda depois d uma Leitura menunciosa, com uma moral altament leal temos k refletir bastant ninguem tem o direito d tirar a vida d alguem ou do seu povo ...pois El comandante. ..
Senito Dalas Cadango
Senito Dalas Cadango Sem comentários, professor! Mas palavras pra quê?
Mondlane Dzowo
Mondlane Dzowo Bravo Prof. Alfredo Manhiça. A árvore venenosa precisa ser arrancada e incinerada para não deixar nem sequer um vestígio. Os seus frutos precisam ser queimados e suas cinzas enterradas no solo fundo. Os hospitais públicas tornaram-se em locais de proliferação de mais doenças aos pacientes dado que todos partilham mesmas salas de internamento idependetemente da gravidade da doença. O filho ou o próprio proponente nem sequer de vista conhece a cor desses hospitais.
Borges Nhamire
Borges Nhamire Profundo como sempre, Frei Manhiça! Obrigado por esta oportunidade de reflexão.
PC SocScholar
PC SocScholar @ "Vênus" virou veneno ou tornou-se venenosa!
Muchuquetane Guenjere
Muchuquetane Guenjere Levei horas a ler e reler para melhor compreender. Simplesmente uma profunda Reflexao. parabens prof Alfredo Manhiça. De facto, se nao se tomarem providencias, havera muitos "Valentinos" que serao mortos por tantos Zofimos. Obrigado por essa reflexao.
Celio Matabicho
Celio Matabicho O grande o Nazareno dizia " não só do pão vive o Homem " sabias palavras frei
Faustino Carlos Manjate
Faustino Carlos Manjate Boas vindas professor. Estamos a colher tão cedo os resultados do novo paradigma que tem como pressuposto básico "o canibalismo social". É momento para se pensar numa nova "viragem" mas caso reconhecermos a nossa incapacidade ainda temos a oportunidade de recuar com vista a resgatarmos os valores perdidos.
Raela Malate
Raela Malate Obrigada Frei, por esta reflexão. Paz e bem.
Casimiro Gerente Bande
Casimiro Gerente Bande Claro e profundo como sempre. Honra-nos saber que temos moçambicanos com capacidade de reflexão como tem feito. Quando passa por muitos moçambicanos de segunda classe, incapazes de falar, estarão dizendo: olhem, o nosso "Professor". Forca Frei,Deus lhe de muita saúde.
Amelia Ricardo
Amelia Ricardo Obrigada,tenha boa noite .
Judith Mascarenhas
Judith Mascarenhas Reflexão oportuna e muito profunda, caro Prof. Alfredo Manhiça!
Pedro Uetela
Pedro Uetela Father Manhica "badnews"! How have you been?Ver Tradução
Amelia Ricardo
Amelia Ricardo Frei Manhica,a Biblia fala dessa arvore no livro d Mateus 7 que deve ser cortada e lancada no fogo
Chico Castro
Chico Castro Quem tem ouvidos para ouvir oica ou seja quem tem olhos para ler leia!
Jose Carlos Cardoso
Jose Carlos Cardoso Um texto que nos planta a arvore nas raízes Africa ...no Quintal da desgovernaçao,onde o Amor Amo se adia para depois...no exemplo ,VIDA.jcc 26Dezembro 2016 Lumiar 19h50m

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