segunda-feira, 13 de março de 2017

INAE: sensacionalismo e danos colaterais (do meu caderno de notas soltas)

Waka Mabjaia
De há uns tempos a esta parte, os resultados das fiscalizações de exercícios de actividades económicas variadas por parte da Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE), têm feito manchetes em vários órgãos de informação nacionais. Inicialmente, as manchetes tiveram enfoque nos “resultados”das fiscalizações às estações de abastecimento de combustíveis e às panificadoras. Nestas, a INAE trouxe à ribalta a proliferação quase generalizada de práticas de viciação de medidas visando beneficiar os fornecedores em detrimento dos consumidores (p.ex. bombas dispensando combustíveis mililitros abaixo do litro e pão gramas abaixo do peso suposto).
Pelas manchetes mais recentes, depreende-se que nas últimas semanas, as atenções da INAE estão focalizadas nos provedores de serviços de restauração. Em estabelecimento atrás doutro, a INAE tem reportadamente estado a encontrar notável violação de regras de sanidade, higiene alimentar e limpeza.
Situações como as acima mencionadas demonstram o valor inestimável da existência e operacionalidade de instituições quais o INAE. Contudo, o quase carácter sensacionalista que parece acompanhar as inspecções e o anúncio das constatações tem, em certa medida, estado a manchar as contribuições positivas que elas trazem não apenas para o consumidor mas para a sociedade no seu todo. Se por um lado pode-se dizer que é inegável que as constatações reportadas são deploráveis e intoleráveis, por outro, não de pode negar que a INAE precisa de notar o facto de o drama que caracteriza a divulgação das constatações poder resultar em consequências não-intencionais e/ou múltiplos danos colaterais.
A respeito dos danos colaterais, considere-se, por exemplo, o caso do recente encerramento definitivo do Restaurante Cristal. O drama que acompanhou a suspensão temporária de seu funcionamento provavelmente “matou” o local ou deu uma saída airosa aos proprietários/gerentes do estabelecimento, que ao invés de se ficarem pelo temporário optaram por encerrar definitivamente as portas. Sábado último parei no Continental, por volta do meio-dia, para um café expresso. Não sei se por culpa da publicidade que acompanhou seu encerramento semanas antes, estava quase às moscas. São provavelmente dezenas de trabalhadores que de um momento para o outro, inesperadamente, ficaram ou ficarão sem empregos dos quais certamente dependiam para sustento seu e dos seus. Por o encerramento definitivo ser subsequente a uma sanção de encerramento que se pretendia temporário (pela lei aplicável – Decreto N.o 18/2007, de 7 de Agosto – a suspensão de funcionamento podia ir até um período de seis meses), pode ser – isto é mera especulação – que não tenha havido espaço para os trabalhadores terem sido pagos indemnizações. Em cadeia, o Estado perde uma fonte de receitas, que muito necessita, por via das taxas aplicáveis (p.ex. IVA, IRPS, IRPC, IPRA, etc.), o consumidor tem menos uma opção, etc.
Não se pode negar que a sociedade, em particular o consumidor, sai a ganhar quando provedores de bens e serviços são fiscalizados e responsabilizados se encontrados em violação das suas obrigações. Porém, é preciso diminuir a carga sensacionalista que parece acompanhar as inspecções da INAE. Pela lei, - Decreto N.o 18/2007, de 7 de Agosto – todos os casos reportados em relação aos restaurantes (Restaurantes Cristal e Continental sendo os mais mediáticos) configuravam-se em violação das regras de sanidade, higiene alimentar e limpeza, sancionável, conforme referido anteriormente por suspensão de exercício de actividade por período de até seis meses e uma multa variável entre 5 e 30 mil meticais. Outras formas de sansão ao abrigo do decreto que se tem estado a citar incluiriam simples advertência, nos casos menos graves, ou encerramento, revogação da licença, embargo administrativo ou demolição, nos casos mais graves. Grosso modo, as sanções são graduadas segundo a gravidade da infracção em causa, tendo igualmente em conta se se trata ou não duma reincidência. Não estou a par de nenhum dos restaurantes, pelo menos no dizer dos inspectores da INAE, cujas violações classificaram-se entre os casos mais graves. Todos os casos que conheço – pelo menos os mais comentados/conhecidos – foram simplesmente temporariamente suspensos e talvez multados, e todos eles demonstraram ter sanado as deficiências decorridos alguns dias (máximo inferior a 1 mês apenas). Em geral, quase que numa semana, com pompa e circunstância, mandou-se encerrar, e na semana seguinte, disse-se já está tudo bem voltem a operar.
Uma nota muito valiosa dum outro instrumento legal que regula as actividades da INAE – embora aplicável aos sectores industrial e comercial – é o Diploma Ministerial N.o 199/2004, de 24 de Novembro. Este reza no seu Artigo 6 (2) que, por regra as inspecções devem, em primeiro lugar, ter uma natureza educativa e orientadora e sensibilizar os agentes económicos sobre o cumprimento da lei. Por alguma razão parece não ser isto que se tem testemunhado. Assiste-se a uma entidade que parece actuar reactivamente ao invés de preventivamente.
Para terminar, notar que a artificialidade que se tem verificado na fixação dos preços do pão e dos combustíveis parece enfraquecer a posição moral da INAE enquanto representante do Estado regulador-fiscalizador. Talvez por isso mesmo o ímpeto em relação às inspecções às bombas e panificadoras tenha refreado, pois, sempre que se fala das irregularidades verificadas levanta-se também a questão da necessidade do aumento de preços, coisa que o Governo parece querer evitar a todo o custo. Mas este é um ponto para outro debate. Este é somente para levanter a necessidade de se minorar – quiçá evitar-se – os efeitos colaterais e/ou consequências não-desejadas que podem resultar da forma como as actividades da INAE são feitas.
© 2017 Estevão Mabjaia
Manuscrito não revisto

Comentários
Elisio Macamo
Elisio Macamo eu acho ridícula a celebração destas acções sem se ter em conta todos estes aspectos tão bem enumerados neste texto.
Elisio Macamo

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