A Greve dos Chapistas: Suas Consequências
Custódio Duma*
Não é a primeira vez que abordo
publicamente o tópico. Mas desta vez pretendo dar uma caminhada mais
conceituada à questão. É que o problema está indo de mal a pior, a preocupação
ou o interesse em solucioná-lo nunca é manifestado e o cidadão moçambicano continua
a pagar um preço muito alto por essa falta de vontade política.
Prefiro desde logo, em vez de perder-me
num discurso longo e sem conclusão, afirmar que a razão fundamental do problema
em Moçambique reside na falta de vontade política e falta de postura
administrativa nos nossos dirigentes.
Importa também dizer que quanto ao
conceito de políticas públicas não há ideia consensual, concordando todos num
ponto: tudo aquilo que o governo implementa para todos cidadãos, conjunto de
acções relativas a alocação imperativa de valores. Ou então programas de acção
governamental visando garantir o bem-estar social e tais programas podem ser
para garantir o direito à saúde, o acesso à educação, o direito a habitação, a
segurança pública, o desporto, o lazer, o direito ao meio ambiente saudável
entre outros.
Embora a palavra “política” esteja
sendo usada com um certo preconceito, ou seja, atribuída ao espírito
partidário, todos os cidadãos são políticos. Vivem e actuam como políticos
(pelo menos deviam), na medida em que vivem numa polis (cidade) de onde
realmente nasce a política.
Recentemente os chapistas de Maputo
estavam em greve devido às elevadas taxas cobradas na portagem entre Maputo e
Matola. A questão de fundo está no facto de não haver consenso entre as partes
envolvidas. Mas essa não é a matéria que me leva a escrever.
Ofereci-me a escrever sobre o assunto
quando no mesmo dia da greve, depois do meu dia de trabalho decidi encontrar um
amigo, cirurgião no Hospital Central de Maputo, o que realmente fiz depois das
17 horas de terça feira dia 18 de Abril corrente.
Encontrei o meu amigo super
embaraçado, transpirado, acabado e até stressado com o trabalho. Questionado
por mim, afirmou que o dia estava muito mal para os médicos, cirurgiões e
técnicos em serviço naquele dia. Isso porque o contingente dos profissionais de
saúde presentes não era suficiente para dar assistência aos doentes que se fizeram
presentes no hospital naquele dia. Uma boa parte de serventes e enfermeiros
havia faltado ao trabalho.
Esses serventes, enfermeiros e
motoristas de ambulâncias faltaram ao trabalho na terça-feira porque não
tiveram possibilidades de chegar ao Hospital Central de Maputo uma vez que o
fazem usado os chapas como meio de transporte, de Matola a Maputo e vice versa.
As consequências disso para o hospital
foi com certeza o não atendimento pontual dos doentes, o que agravou a situação
de certos doentes, morte de outros e o mau atendimento desses que foram
observados pelos médicos. O doutor meu amigo, já estava a trabalhar fora da
hora de trabalho e o fluxo de doentes ia a cada hora crescendo.
Chama-se de chapa 100, aos transportes semi-colectivos de passageiros. Os
chapas estão presentes em quase todas as principais cidades de Moçambique e
constituem o principal meio de transporte para acima de 50% dos cidadãos
moçambicanos se formos pela lógica dos índices de pobreza.
Já era o tempo em que os transportes
públicos urbanos existiam e funcionavam. Com a greve dos chapistas na terça
feira, o que aconteceu é que enfermeiros e serventes não se fizeram presentes
no hospital, excepto alguns médicos que tem carros próprios. Professores não se
fizeram presentes nas salas de aulas, excepto aqueles que moram nos arredores
da escola e professores que já tem transporte próprio. Muitos alunos também não
se fizeram presentes na escola.
Com grave incidência, o aparelho do
Estado é que teve maior défice de funcionários nesse dia devido à falta de
chapa 100. Muitos funcionários faltaram ao trabalho. Se calhar foi por causa
disso que no dia seguinte chegou-se a um meio termo, (conhecendo a morosidade
das instituições em dar solução aos problemas moçambicanos).
Esse é que é o problema. A falta de
políticas públicas na área de transportes. A terça feira foi um espelho para se
avaliar o nível de abrangência e capacidade dos TPM (transportes públicos de Maputo).
E chegou-se a conclusão de que realmente esses não existem. O que prova a ausência
de políticas públicas para transportes públicos em Moçambique.
Note que o funcionamento de muitos
sectores públicos e vitais em Moçambique é refém do bom funcionamento dos
chapas. Falo de sectores como hospitais, escolas e outras repartições públicas,
como demonstrei antes. Até as forças de polícia para chegar ao posto de
trabalho têm de ir de chapa e, faltaram na terça-feira porque não houve
transporte. Assim foi com bombeiros, funcionários municipais, guardas,
empregados domésticos e mecânicos.
O Governo moçambicano não tem uma
política de transportes públicos, nem tem um plano de acção de promoção,
melhoramento e potenciamento dos transportadores privados.
O Governo moçambicano não se preocupa
com os transportes públicos nem com o bom funcionamento da coisa pública, pois,
sendo a coisa pública movida por uma estrutura, ou sistema que inclui a
habitação, alimentação, o transporte, o lazer, a segurança e outros, não
adianta apetrechar as repartições públicas de computadores ligados à net
enquanto a estrutura toda está efermizada.
O Governo moçambicano não se preocupa
com os doentes que dependem das ambulâncias para chegar ao hospital, nem se
preocupa com o motorista desta ambulância que para chegar ao trabalho precisa
tomar um chapa.
O Governo moçambicano não está nem ai
para os alunos, estudantes, professores e outros funcionários públicos que
dependem a 100% dos transportes públicos.
Não há alternativa quando os chapas
não funcionam. Quando não há chapa o resto do corpo não pode funcionar. O
pequeno comerciante não pode transportar seus produtos. O camponês não pode ir
nem voltar da machamba.
É claro que as políticas públicas para
que possam ser eficientes elas precisam de ser concebidas por toda a sociedade.
Para que elas realmente sejam públicas é necessário que tenham carácter
universal e permanente, isso implica estabilidade e garantia de continuidade.
Cada actor social tem a sua parte
nisso. Os estudantes universitários, os investigadores, as organizações de
massa, os partidos políticos e outros. Todos são chamados a contribuírem na
formulação e concepção das políticas públicas e sua posterior implementação e
fiscalização.
E por constituírem resultado da
actividade política do momento, as políticas públicas devem ter um carácter
imperativo e destinadas a administração de conflitos, para evitar ou fugir da
coerção que não é a melhor forma de fazê-lo.
Com a proliferação de iniciativas
privadas, iniciativas de organizações não governamentais e sociedade civil, os
Estados, incluindo o moçambicano, estão tendendo a furtarem-se da sua
responsabilidade mãe. Mesmo sabendo e de vez em quando aparecendo publicamente
a afirmar que têm o comprometimento com o desenvolvimento, entretanto não
fazendo nada, pelo contrario incentivando a corrupção e o abuso de poder.
Publiquei recentemente uma análise
crítica ao plano quinquenal do governo moçambicano para o Governo do presidente
Guebuza, onde analiso questões relacionadas com as metas que realmente se
pretendem alcançar, pois há uma lacuna nesse sentido.
Na verdade esse plano que se diz quinquenal,
afirma categoricamente o que se pretende alcançar, mas não mostra como, quanto,
quando nem com quem isso será possível. Não ilustra os actores concretos
envolvidos no plano nem mostra o ponto de partida. Mas isso tem sua razão de
ser: a falta de noção das responsabilidades do Estado e a ausência de
consciência de administração da coisa pública, sendo esta também a
justificativa para ausência de políticas pública no país.
É que, enquanto o centro da
administração pública for localizado com base na ideologia e interesses
partidários ou de certa minoria, nada do que se pretende para o bem estar
social será alcançado.
É caso para perguntar: Moçambique,
para onde vamos?
*Jurista
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