sábado, 5 de janeiro de 2013

Fez nos a ousada avareza

 

Veja em Portugal, Goa e a União Indiana (ii)

Escrito por Oliveira Salazar


«Fez nos a ousada avareza
Vencer o vento e o mar...

Sá de Miranda (Cartas a António Pereira. Poesias. ed. Carolina Michaëlis de Vasconcelos).


«Se D. Manuel prestava, por vontade própria, forte auxílio às expedições cristãs no Mediterrâneo, ele era o único a poder ultrapassar este quadro e a conceber uma estratégia à escala do oceano Índico para atingir o Islão pela retaguarda. Em cada ano, a determinação ia-se-lhe tornando mais firme, com o regresso da armada da Índia. Em Julho de 1505, quatro meses após a largada do vice-rei, a esquadra de Lopo Soares tinha voltado tão carregada de especiarias como de vitórias. O capitão conquistara Cranganor que seguidamente ofereceu em homenagem ao rei de Cochim, e destruíra uma frota de Calecut, em trânsito para o mar Vermelho. Duarte Pacheco Pereira vinha totalmente coberto pelos louros dos seus êxitos militares. Um e outro haviam feito mostra de uma teimosia e audácia que lograram abalar, simultaneamente, o poder do Samorim e o poder dos mercadores de mar islâmicos.

D. Manuel exaltava aqueles feitos de armas nas cartas que fez chegar ao Papa e aos outros soberanos da Europa. Sem esperar adesão ao seu projecto de cruzada, estava resolvido a vincar, sem mais demora, a pressão que iniciara contra o mundo islâmico. No Inverno de 1505-1506, organizaou uma expedição de envergadura, com a participação de Albuquerque. O seu papel decisivo, então ainda mantido em segredo, só iria revelar-se mais tarde».

Geneviève Bouchon


«Os planos de Albuquerque pareciam loucuras aos bandidos e piratas da Índia, que além de lhes não compreenderem o alcance, se viam privados de saques, apenas fartos de guerra. Goa perdeu-se em Agosto; mas logo tornou para o domínio português, ganha por assalto em Novembro. Os soldados obedeciam, porque o comando do governador era terrível, desapiedada a sua crueldade genial, fervorosa a sua fé católica. Alexandre cria-se um deus. Albuquerque viu mais de uma vez os milagres do céu nas horas do combate. Em Goa viu Santiago: um cavaleiro de armas brancas, no manto uma cruz vermelha, pelejando contra os mouros - conforme a tradição histórica portuguesa.

(...) Dar um golpe mortal no islamismo era, além de retribuir em Meca a afronta humilhante de Jerusalém, mostrar aos muçulmanos do Oriente que Jesus podia mais do que Mafoma. Mas se o génio excepcional de Albuquerque não bastou para levar a empresa ao fim, como poderiam bastar para isso os pigmeus que lhe sucederam?»

Oliveira Martins («História de Portugal»).


«Afonso de Albuquerque, pela grandiosa concepção global e uma energia de acção que o levava a correr obstáculos só para os esmagar, ressalta das odisseias quinhentistas como o protótipo do herói consciente quando os heróis foram enxame. A sua decisão de ataque em sequência combativa que estafava os capitães, a propensão à discordância, poderiam levar-nos a enquadrá-lo nos coléricos, se tudo isso não obedecesse, não se dispusesse em geratrizes de uma construção ideada em grande. Terá justo lugar entre os «apaixonados» e, discriminadamente, nos «imperiosos» - família de Napoleão e Alexandre».

Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»).


«Antes de mais, impõe-se uma afirmação: entre 1961 e 1969, e sem embargo de limitações de meios e insuficiências pessoais, havia uma política externa portuguesa. Se se procurarem os seus fundamentos, encontrar-se-á, em síntese: respeito pelo perfil histórico da nação; consciência da conjuntura internacional que se enfrentava; defesa de interesses portugueses permanentes».

Franco Nogueira («Diálogos Interditos»).


O colonialismo é um regime económico e político susceptível de exame objectivo. Passa-se na ordem real; pode dizer-se que é redutível a números, a factos concretos, a estatutos legais. Tem-se admitido que subentende um poder soberano, estranho no território submetido, uma exploração económica em benefício maior ou menor do colonizador, uma vantagem política ou militar, uma distinção entre cidadãos e súbditos, com sua diferenciação de direitos, e sobretudo a inexistência de direitos políticos dos povos coloniais e a impossibilidade de interferência nos negócios metropolitanos. Mas não há só vantagens, sem a contrapartida de gastos e sacrifícios. Certamente que o país colonizador, quando consciente da sua missão, assegura a paz, responde pela ordem, organiza a vida, fomenta a economia, investe capitais, educa as populações, eleva-lhes o nível de vida e, como se tem visto, torna-as mesmo dignas de independência e da liberdade. Pode perguntar-se se por outras vias se chegaria mais rapidamente ao mesmo fim.

Os elementos referidos acima permitem responder à pergunta - se Goa é ou não um caso de colonialismo.
Financeiramente, Goa foi sempre um encargo para o Tesouro metropolitano, e quase desde o princípio considerada por muitos uma ruína para Portugal. Parece que através dos séculos se havia de confirmar o que D. João de Castro escrevia em carta de 1540: nas fortalezas e castelos consumiam-se as rendas da Índia e «quanta fazenda vinha de Portugal». A situação não se modificou nos tempos de hoje, nos quais Goa consome as suas receitas e largos subsídios da Metrópole (não contando com as despesas extraordinárias que a sua defesa em face da União Indiana tem ultimamente obrigado a fazer).

Economicamente, não são as gentes nem o capital metropolitano que exploram Goa, nem a seu respeito existem privilégios especiais. Quanto ao comércio, tem sido mesmo modesta, devido à distância, a aparte da Metrópole na importação e na exportação do Estado da Índia.

Juridicamente, não há distinção entre os portugueses de Goa e os portugueses do continente europeu, das ilhas adjacentes e do restante ultramar. Os goeses gozam de todos os direitos, ascendem a todos os lugares, desempenham todas as funções, fazem a sua vida por todo o território português.

Politicamente, não só à face da Constituição Goa é parte integrante da Nação portuguesa e constitui uma das suas províncias, dotada de autonomia administrativa e financeira, como os goeses participam na formação dos orgãos centrais da soberania e deles fazem parte, em igualdade de condições com todos os mais portugueses.

O caso é este e é na verdade estranho. Ele é mesmo dificilmente compreensível, dada a feição corrente da expansão colonial no mundo e em face das noções utilitárias e materialistas que por muita parte dominam a acção política.

Na imagem: nave da Igreja do Mosteiro dos Jerónimos

Os povos têm cada um o seu carácter e não reagem todos da mesma forma. O português revelou-se sempre na tendência para a criação de uma pátria moralmente una, com os territórios e as populações que foram sendo incorporadas em a Nação; não viu óbice a esse desiderato na diferenciação das raças ou das religiões nem na dispersão das terras. Inclinação de espírito? afectividade de coração? fraternidade humana? A verdade é que esses povos têm demonstrado através da história a sua viva solidariedade com Portugal como os ramos de uma árvore com o tronco e as raízes.

No período em que Portugal esteve sob a dominação espanhola (1580-1640), a resistência no Oriente contra Holandeses e Ingleses foi sustentada quase só pelo Estado da Índia com os seus recursos e a sua gente, não com os deficientes apoios recebidos do reino. A luta no Brasil contra os Holandeses, não falando na restauração de S. Tomé e Angola, foi obra dos colonos brasileiros, mais que das forças oriundas da Mãe-Pátria. Assim se afirmava e consolidava o espírito de uma comunidade. São factos que originam problemas, neste sentido de que criam deveres. O Governo português tem repetidamente afirmado que o problema de Goa é sobretudo um caso moral.

V. Parece dever deduzir-se do exposto a impossibilidade moral e jurídica de o Governo português negociar a entrega de Goa, e consequentemente o seu dever e disposição de defendê-la dentro dos limites das suas forças. Está verificado também que os goeses não desejam ser libertados da sobernia portuguesa, por sentimento patriótico em primeiro lugar, pela bem ponderada razão do seu interesse, depois. E estas atitudes criaram à União Indiana certo número de dificuldades.

A política externa da União é inspirada em confessado pacifismo, por motivos ideológicos e pelas circunstâncias da sua vida interna. No Tratado com a China, conhecido por Tratado do Tibete, ficaram definidos pelos dois países os princípios fundamentais que, no modo de ver de uma e outra potência, devem reger a vida internacional e garantir a paz entre as nações: mútuo respeito pela integridade territorial e pela soberania; não-agressão; não-interferência nos negócios internos da outra parte; igualdade e benefícios recíprocos; coexistência pacífica. São estas normas apenas uma versão das que inspiram a Carta das Nações Unidas de que a União Indiana faz parte, mas esta prefere, a outras fórmulas, os seus princípios, que sucessivamente tem procurado fazer perfilhar pelos países que lhe são mais afins.

Na imagem: Lhasa (Tibete)

Ora não estando Portugal disposto a coonestar, com actos hostis, agressões da União Indiana, uma acção militar, ou simplesmente uma «acção policial» da parte da União Indiana contra Goa, seria a negação das bases morais da sua posição e o descrédito da sua política. De modo que o Governo da União se tem empenhado em esforço desesperado para conseguir por outros meios a entrega de Goa, mas sem resultado dentro da sua política de paz, porque, mesmo dando ao pacifismo interpretação muito lata, os seus actos ou os actos dos seus agentes ou das populações por eles industriadas redundam sempre na negação de um ou outro dos princípios do Tratado do Tibete e da Carta das Nações Unidas.

Não vale a pena referir esses actos, proclamados pela União como pacíficos, tidos comummente como actos de agressão a Goa e aos goeses. Lisboa tem feito publicar a lista dos actos mais gravemente lesivos dos direitos e da soberania portuguesa praticados nos últimos anos sobretudo; supõe-se que sejam conhecidos de todos. Aliás, salvo as repetidas invasões de satiagrais, que são caso típico da Índia e transplantação para Goa de processo muito seguido naquelas regiões de reagir contra a autoridade, no mais não se tem encontrado novidade de maior, nem na linguagem, nem nos actos, nem nos métodos adoptados. A longa história das más vizinhanças e das campanhas levadas pelos fortes contra os fracos de que ambicionam territórios documentam exuberantemente este processo: pouco já se poderá inventar.

A todos estes actos o Governo português não tem respondido com o menor acto de retaliação, mesmo onde essa retaliação seria particularmente dolorosa para a União Indiana; limita-se dentro do seu território a organizar a defesa e a contrabater os efeitos das piores providências tomadas pela União Indiana contra as pessoas, os bens, os interesse dos goeses. Neste momento a esperança da União está em que as medidas tomadas acabem por esgotar Goa e a forcem a entregar-se; a posição de Portugal é fazer os sacrifícios necessários, sem exceder as suas possibilidades normais, para que a situação possa ser indefinidamente mantida.

VI. Ocupou-nos até aqui o caso de Goa, como conflito que opõe sobre um território restrito, a União Indiana e Portugal. Mas os aspectos considerados, aliás com toda a objectividade, não são mais que um primeiro plano em que se desenvolve esta, como muitas outras questões da Ásia. Por detrás da pretensão da União Indiana, há o pano de fundo de toda a questão asiática em face da Europa e, dentro em pouco, o seu alastramento ao continente africano.

A Europa dominou economicamente e em parte politicamente a Ásia durante os últimos séculos. Que o tenha feito em seu proveito exclusivo não é possível afirmá-lo com razão; seja como for, uma reacção de fundo nacionalista, mas operando na extensão do continente asiático, considerado como um todo solidário, formou-se, desenvolveu-se e está pondo fim, nos nossos dias, a um período histórico em que a condução dos negócios da Ásia foi chefiada pela Europa. O processo continua; o Japão perdeu a chefia do movimento, mas este prossegue. O objectivo a atingir é a independência dos povos e a sua constituição em Estados livres de ingerência europeia; o sentimento-base é contra o regime colonial extinto e por extensão contra o branco que o simboliza. Estas reacções não usam manter a justa medida: irão além dos limites que aos homens reflectidos se afigura imprudente ultrapassar. Daqui estão nascendo complicações graves.

A primeira é esta: o Oriente não conta no seu seio apenas sociedades ou Estados de exclusiva formação asiática; fazem parte dele, mas de raiz ou formação europeia, as sociedades que formam a Austrália, a Nova Zelândia, as Filipinas, para só citar as principais, porque Goa também aqui caberia. Essa reacção antiocidental, esse ódio à Europa e de modo geral ao Ocidente, infundamentado que seja, destinge assim em desconfianças sobre alguns daqueles povos. Em qualquer caso, completa solidariedade alicerçada naquele sentimento negativo não é possível estabelecê-la.

Os Estados em começo de vida independente não podem oferecer para já a coesão ou unidade interna de velhas nações. A sua constituição heterogénea e os desníveis de civilização das respectivas populações são por ora uma causa de fragilidade e fonte de dificuldades internas. As superfícies enormes, as muitas dezenas ou centenas de milhões por que se contam os povos respectivos são seguramente base para grandes potências, mas a força não pode ser ainda proporcional à dimensão das terras e das gentes. Este estado de coisas cria inibições e receios que são reais, embora infundados em relação a um possível retorno do Ocidente, porque a História não se desfaz nem se refaz, mas nas relações entre os povos o medo funciona por vezes como o ódio. Nestes termos, enfraquecer por todos os modos o Ocidente afigura-se à Ásia que é aumentar a força própria.

O passado colonial destes países não foi suficiente para a organização racional e metódica exploração de todas as suas enormes riquezas potenciais. Abundantes capitais, densidade técnica lhe são indispensáveis, e, para economizar o tempo necessário à formação interna de uns e da outra (tanto mais que o desenvolvimento demográfico é de aterrar os governantes), haveria que recorrer às nações que ainda hoje mantêm a superioridade capitalista e industrial. Mas as garantias obviamente necessárias fazem recear àqueles países que, através de estreita colaboração económica, se abram de novo as portas à dominação política.

E neste ambiente desenvolvem-se como miasmas os estribilhos das propagandas malsãs. A Rússia, que a restante Ásia teme (talvez por ter presente o colonialismo por ela praticado nos vastos territórios da Ásia Central), oferece-se para ajudar à libertação dos outros povos e chefia a luta contra o imperialismo capitalista, fazendo-se sócio forçado dos que precisariam desse capitalismo para viver.

Estes sintomas podem desaparecer, e decerto desaparecerão com o tempo, chegando-se a uma colaboração internacional normal, se não intervir um factor de carácter regressivo. A Ásia foi sempre o mundo das civilizações herméticas. Abrir o continente asiático aos grandes contactos com o Ocidente é tido sobretudo como violação da vontade dos seus povos: estes são levados a julgar que as vantagens não compensaram os incovenientes. Houve, é certo, interpenetração de culturas, mais extensa e profunda nuns casos que noutros, mas certos princípios da formação social e da cultura daqueles povos continuaram, a bem dizer, intactos. O problema é saber: a sós consigo como reagirão perante os problemas da vida? e como organizarão em definitivo a sua própria vida?

As camadas dirigentes são de formação europeia, pensam à europeia, importaram instituições europeias na generalidade dos Estados, e estes também se encontram filiados e colaboram nas organizações de âmbito mundial. Por seu lado, o mundo avança no sentido da uniformidade em grandes sectores, ao menos naqueles que se lhe abrem; mas a dificuldade está aí - na possibilidade de um regresso de elementos ancestrais que façam quebrar a ligeira camada que, apesar de tudo, ainda representam as instituições assimiladas do Ocidente. Põe-se a questão, não se lhe dá resposta.

Quase por inteiro liquidadas as posições europeias na Ásia, eis que os novos Estados se aprestam a incitar um movimento subversivo em toda a África, indiscriminadamente, como se as condições fossem idênticas entre si nas diversas regiões africanas e semelhantes às dos povos asiáticos que obtiveram a independência. A União Indiana chefia ostensivamente o movimento desde Bandung.

À parte os quatro ou cinco Estados independentes que se situam em África e a faixa mediterrânea deste continente, a apressar no momento a sua evolução para o regime de governos autónomos ou Estados independentes associados, pode dizer-se que a restante África está e deve, por espaço de tempo imprevisível, continuar a viver sob o domínio e a direcção de um Estado civilizado. Não obstante as experiências políticas que a Grã-Bretanha tem mais recentemente promovido em regiões aliás limitadas, as maiores manchas de África são territórios de dependência europeia sem condições para constituírem nações independentes e de base democrática, como hoje se diz. A administração pública e a direcção do trabalho pertencem, como não tem podido deixar de ser, a minorias de europeus. Estas missões não podem ser abandonadas nem entregues em globo e sem discriminação aos elementos autóctones. Concebem-se ali transferências de soberania; não se concebe o seu abandono. Está aqui a essência do problema.

O anticolonialismo asiático pretende, acima de tudo e para já, chamar a si a simpatia e solidariedade dos povos muçulmanos empenhados em soluções determinadas de casos concretos; mas esse mesmo anticolonialismo, ao apresentar-se em termos da maior amplitude, não pode desconhecer aquele estado de coisas nem ter dúvidas sobre a impossibilidade de constituir em muitos ou poucos estados independentes as sociedades africanas de cor. Sobretudo a União Indiana conhece bem as situações, embora se equivoque ao supor-se interessada em que se precipitem naquele sentido.

Toda a costa oriental de África, incluindo Madagáscar, e a África do Sul constituem territórios de importante imigração e fixação indiana. Um país a braços com uma população muito densa, como a União, parece dever ter interesse nesta derivação pacífica de elementos populacionais seus que haviam de constituir fontes de rendimento próprio a agentes do progresso local. Para tanto seria, porém, essencial que não pretendesse fazer derivar da estabilidade desses elementos demográficos situações em colisão com os direitos ou interesses da potência soberana, nem se propusesse substituir-se ao europeu, mas colaborar confiantemente com ele. Quer dizer, a emigração da União não devia revestir-se de finalidade política, como aparenta ter. Esta já aqui ou além ameaça provocar uma crise que afectará grandemente o fenómeno; e toda a subversão que tenda à expulsão do branco é duvidoso respeite as pretensões atribuídas ao indiano. Quando, pois, a Rússia apoia a Ásia a expulsar da África os europeus, sabe que enfraquece irremediavelmente a Europa e anula no mesmo passo porventura as ambições expansionistas da União Indiana.

Pode ser que nem todos os que gritam o seu anticolonialismo tenham consciência do que isso representa em África, quando posto em acção. A Europa, e em geral o Ocidente, não podem ser absolvidos de ignorá-lo.

VII. Regressando a Goa. Se este caso de Goa tem de terminar, ao menos como crise aguda e origem de conflito entre Portugal e a União Indiana, parece não se poderem prever mais que três saídas - uma violenta, duas essencialmente pacíficas.

A decisão violenta será a integração pela força, levada a cabo pela União Indiana: ou seja, a União Indiana fazer guerra a Portugal em Goa. Não se duvida de que tenha meios suficientes para se apoderar dos territórios contra a resistência que as forças portuguesas possam ali oferecer. Dada a evidência deste desfecho e o reduzido valor, territorial e económico, da província no todo português, muitos se interrogam por que iria Portugal resistir. A razão é que tem o dever moral de fazê-lo. Aquele que não defende o seu direito, já desistiu dele a favor de quem pretende tomar-lho, e no íntimo confessa que duvida da sua legitimidade.

Uma solução pacífica é a União Indiana desconhecer Goa. É solução antinatural, porque os territórios são vizinhos, as populações afins, os negócios e interesses recíprocos ou entrecruzados; mas é uma saída possível, embora com violação da Carta das Nações Unidas, por não haver boa vizinhança onde se começa por ignorar a existência do vizinho. Mas, à parte isto, para a União Indiana não há problema em que os territórios de Goa desapareçam das suas preocupações, como desapareceriam da vida, se um grande cataclismo os houvesse subvertido. Desapareceria o comércio, a navegação, o trânsito, a emigração, as transferências; mas é concebível e possível a situação resultante deste desconhecimento, desta inexistência política de um pequeno vizinho. É evidente que não poderia haver mais assaltos, invasões, terrorismo organizado, ataques de imprensa, marchas, comícios agressivos. Pura e simplesmente Goa não existia: algumas consequências, como as resultantes de viverem dezenas de milhares de emigrantes goeses na União Indiana, teriam de ser enfrentadas.

A terceira e única verdadeira solução do problema, na parte em que o problema pode ser resolvido entre dois Estados responsáveis, é uma negociação aberta sobre todos aqueles pontos em que a vizinhança e o contacto constituem riscos ou podem criar atritos ou dificuldades. O Governo português tem enunciado alguns; ao governo da União podem interessar outros. E, sem outro pensamento recíproco que «viver e deixar viver», havia de ser possível encontrar fórmulas de pacífica, senão amigável convivência, pontos de convergência dos interesses, solução para divergências existentes ou possíveis. Creio que é só por este caminho que a União Indiana pode verdadeiramente engrandecer-se, consolidar-se e acreditar a sua apregoada política de paz (in ob. cit., pp. 13-22).

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