terça-feira, 4 de setembro de 2012

50 anos da Resolução 1514 da ONU: Desafiar o futuro sem esquecer tragédias passadas

O PROCESSO que levou à descolonização de Moçambique e outros países africanos por estados europeus é, desde ontem, em Argel, objecto de reflexão – e celebração! Há 40 anos, precisamente a 14 de Dezembro de 1960, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 1514, relativa à descolonização de todos os territórios ocupados e não autónomos, condição em que se encontravam, então, Moçambique e a quase totalidade dos países africanos.
Maputo, Segunda-Feira, 13 de Dezembro de 2010:: Notícias
Na Argélia, país que se pode considerar um dos principais berços do pan-africanismo pelo papel que desempenhou em prol da descolonização logo que conseguiu conquistar a sua independência, em 1962, o Continente Africano está reunido não apenas para celebrar o cinquentenário da histórica resolução da ONU, mas também para reflectir sobre a herança da independência.
Numa iniciativa do Governo argelino – e seguindo valores estabelecidos pelo proclamador da independência do país, Ahmed Ben Bella, e outros grandes líderes africanistas do seu tempo –, Argel tornou-se, por via de uma conferência internacional de dois dias, num palco de cruzamento de gerações: jovens que, nos anos 1960, saídos de nações como Moçambique, então sob opressão do colonialismo europeu, lá obtiveram treino militar para servirem vários movimentos de libertação, como a FRELIMO; e aqueles que têm em mãos, hoje, os destinos de África.
Moçambique fez-se presente através de uma delegação chefiada por Feliciano Gundana, ministro na Presidência para os Assuntos Parlamentares e veterano da luta de libertação nacional que fez parte do primeiro grupo de jovens guerrilheiros enviados à Argélia pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) para preparação militar. Também participam, como convidados, Marcelino dos Santos e Óscar Monteiro, que em alguns momentos da guerra de libertação passaram pela Argélia.
A conferência tem fundamentalmente dois temas centrais: “A Contribuição da Resolução 1514 no Processo da Emancipação dos Povos”, moderado por Salim Ahmed Salim, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Tanzania e antigo secretário-geral da ex-OUA (hoje União Africana), e “O Papel dos Medias e do Cinema na Expressão do Direito dos Povos à Autodeterminação”, moderado por Juan Pablo Cardenas, proeminente jornalista chileno.
Essencialmente, o evento da capital argelina pretende valorizar um acontecimento que deu mais alento aos africanos, sobretudo, na luta que desencadearam contra as potências e, em alguns casos, países de desenvolvimento periférico da Europa, pela sua autodeterminação.

 

DESCOLONIZAÇÃO: UMA NECESSIDADE ÀS VEZES ARRANCADA AOS TIROS

Maputo, Terça-Feira, 14 de Dezembro de 2010:: Notícias
Por volta de 1960, os africanos estavam reunidos por um desejo: verem-se livres da dominação colonial, o que contrastava com a postura de muitos europeus, que mesmo depois de acontecimentos que, até àquela década, iam mudando o curso da história, queriam perpetuar a dominação colonial em África. Portugal, colonizador de Moçambique e de quatro outros países africanos, é um dos que ainda se norteava por esta visão retrógrada e utópica.
Os outros colonizadores de África – a França e a Inglaterra, mormente – perceberam o espírito do documento da reunião magna da ONU. Embora tenham aplicado outras formas de domínio, como o neocolonialismo em lugares como o Senegal, para o caso da França, ou Quénia, pela Inglaterra, estes vizinhos europeus que foram os maiores exploradores do nosso continente libertaram grande parte das possessões. É assim que muitos povos obtiveram a independência a partir de 1960, tendo este ficado na história como “o ano africano”, por nele muitos povos do continente se terem emancipado.
Ora, a descolonização não foi um processo simples e resolvido à guisa de uma resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Antes mesmo da decisão da organização os africanos já lutavam pela sua autodeterminação, embora em termos globais e em processos diferentes a Libéria, Egipto, Etiópia ou Gana já estavam independentes.
Entretanto, no caso dos países que ainda se encontravam debaixo das bandeiras europeias, a independência foi conquistada em processos diferenciados, em alguns casos com recurso à força, porque, por interesses, a França e a Inglaterra pretendiam continuar em lugares como, por exemplo, a Argélia, antiga colónia francesa.

 

ARGÉLIA: DA AUTODETERMINAÇÃO À SOLIDARIEDADE CONTINENTAL

Maputo, Terça-Feira, 14 de Dezembro de 2010:: Notícias
A Argélia é uma potência em África. Não militar, porque nesse domínio ela só se evidenciou quando necessário. É, sim, uma potência de solidariedade. Com uma história peculiar de luta pela autodeterminação, o país fundado por Ahmed Ben Bella conquistou a independência da França em 1962.
Foi uma independência arrancara aos tiros, porque os franceses, mesmo imbuídos pelo espírito da Carta das Nações Unidas e da resolução da sua Assembleia-Geral de 14 de Dezembro de 1960, de que se celebra hoje o 50º aniversário, ainda pretendiam dominar este país.
Entretanto, a resolução foi adoptada e aprovada já estava a decorrer naquele país a guerra de libertação, conduzida pela Frente de Libertação Nacional (FLN), que tinha optado pela via armada em 1954, quando lançou a guerra.
O levantamento dos argelinos ficou para a história por os guerrilheiros da FLN terem derrotado o todo-poderoso e glorioso Exército francês, obrigando o multi-respeitado general Charles De Gaulle a reconhecer que ali não era França mas sim Argélia, terra de gente digna e que merecia por si seguir o seu destino e sem a interferência de ninguém, nem mesmo da todo-poderosa França, dirigida por um general que se tinha saído vitorioso na II Guerra Mundial.
Conseguida a independência, em Junho de 1962, a Argélia quis combinar os desafios que tinha internamente com a solidariedade para com aqueles que ainda não podiam desfrutar da soberania dos seus países, porque os seus opressores ainda pensavam que estavam eternamente em África. É assim que jovens de muitos países que enveredaram pela luta armada para obterem a independência puderam ter na Argélia preparação militar. Moçambique, Angola, África do Sul, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, entre outros, foram alguns dos que beneficiaram da solidariedade argelina para o combate aos regimes coloniais que os dominavam.

 

MOÇAMBICANOS NAS MONTANHAS ARGELINAS

Maputo, Terça-Feira, 14 de Dezembro de 2010:: Notícias
A independência de Moçambique passou em muito pelas montanhas argelinas. Não tendo outra via para lograr a sua autodeterminação, os moçambicanos só podiam deixar clara a mensagem da sua vontade às autoridades coloniais por via das armas. As iniciativas diplomáticas encetadas antes do início da luta armada, em 1964, foram todas infrutíferas, porque Portugal ainda era possuído pelo espírito do expansionismo e colonialismo.
Depois de fundada a Frente de Libertação de Moçambique, em 1962, com o objectivo supremo de lutar para a erradicação do colonialismo, havia a necessidade de treinar homens e mulheres para a acção de guerrilha. É assim que muitos jovens de todas as partes do nosso território rumaram para países como a Argélia, Tanzania (que é o berço da FRELIMO), União Soviética, etc.
À Argélia foram parar, antes de começar a guerra, mais de duas centenas de jovens. Em vários grupos foram formados naquele país combatentes como Joaquim Chissano, Samora Machel, Feliciano Gundana, Matias Mboa, Feliciano Gundana, entre outros.

 

1514: UMA RESOLUÇÃO HISTÓRICA

Maputo, Terça-Feira, 14 de Dezembro de 2010:: Notícias 
Há datas que nos passam despercebidas. Não porque nada acontece nelas, mas porque o que registam por vezes não nos é relevante. Mas o 14 de Dezembro de 1960 é, definitivamente, uma data histórica para os povos que lutavam para sair da opressão do colonialismo. É uma data que África deve celebrar, como o está a fazer agora, em Argel, que acolhe eventos especiais alusivos ao 50º aniversário da Resolução 1514 da Assembleia-Geral da ONU, relativa à descolonização.
O texto institucional da descolonização surgiu em 14 de Dezembro de 1960, exprimindo o desejo de que os territórios autónomos ou sob tutela atingissem rapidamente a sua independência. Eis o seu teor:
Levando em consideração que os povos do mundo proclamaram na Carta das Nações Unidas que estão decididos a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre os homens e as mulheres e das nações grandes ou pequenas, e a promover o progresso social e a elevar o nível de vida dentro de um conceito amplo de liberdade, a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas determina:
1) A sujeição dos povos a uma subjugação, a uma dominação e a uma exploração estrangeira constitui uma negação dos direitos fundamentais do homem, contrários à Carta das Nações Unidas e comprometedores da causa da paz e da cooperação mundiais;
2) Todos os povos têm direito à livre determinação; em virtude deste direito, eles determinam livremente seu estatuto político e buscam livremente seu desenvolvimento económico, social e cultural;
3) A falta de preparação no domínio político, económico ou social ou no campo da educação não deve jamais servir de pretexto para o retardamento da independência;
4) Será posto fim a toda acção armada e a todas as medidas de repressão, de qualquer tipo que sejam, dirigidas contra os povos dependentes, para permitir a estes povos exercerem pacífica e livremente o seu direito à independência completa, e a integridade do seu território nacional será respeitada;
5) Serão tomadas medidas imediatas nos territórios sob tutela, os territórios não autónomos e todos os outros territórios que ainda não atingiram a independência, pela transferência de todo poder aos povos desses territórios; sem nenhuma condição nem reserva, conforme a sua vontade e seus votos livremente expressos, sem nenhuma distinção de raça, de crença ou de cor, a fim de permitir-lhes gozar uma independência ou uma liberdade completas;
6) Toda tentativa visando destruir total ou parcialmente a unidade nacional e a integridade territorial de um país é incompatível com as finalidades e os princípios da Carta das Nações Unidas;
7) Todos os Estados devem observar fiel e estritamente as disposições da Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a presente Declaração sobre a base da igualdade, da não ingerência nos assuntos internos dos Estados e do respeito aos direitos soberanos e à integridade territorial de todos os povos.
Esta resolução trouxe uma nova forma de estar entra as nações do mundo, na medida em que, a partir da ONU, mais vozes se foram levantando contra o colonialismo.

 

NAÇÕES UNIDAS EXIGEM FIM TOTAL DO COLONIALISMO

Maputo, Terça-Feira, 14 de Dezembro de 2010:: Notícias
No momento em que Argel está a celebrar o 50º aniversário da resolução 1514, um importante comité da Assembleia Geral da ONU estuda um projecto de resolução que ratifica o direito inalienável de todos os povos dos territórios não autónomos à livre determinação, incluída a independência.
O texto declara que a continuação do colonialismo em qualquer das suas formas e manifestações é incompatível com a Carta da ONU, a Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais e o direito internacional. Essas formulações aparecem em uma proposta de documento dedicado ao 50º aniversário da resolução 1514, adoptada durante o 15º período ordinário da Assembleia-Geral em 14 de Dezembro de 1960.
Aquele pronunciamento contém a Declaração sobre a concessão de independência aos países e povos coloniais, instrumento capital na luta pela eliminação completa do colonialismo em todas as suas formas e manifestações.
O projecto em exame expressa profunda preocupação pelo facto de que 50 anos depois de adoptado esse texto “ainda não se erradicou totalmente o colonialismo no mundo”.
A iniciativa alerta as potências administradoras para que as actividades de interesses estrangeiros, económicos e de outro tipo, não prejudiquem os interesses dos territórios autónomos e de seus habitantes nem entorpeçam a aplicação da Resolução 1514.
Ao mesmo tempo, a iniciativa insiste em que factores como a extensão territorial, a situação geográfica, o tamanho da população ou a posse de recursos naturais limitados não podem adiar o exercício do direito inalienável à livre determinação e à independência.
Também pede que sejam preservadas a identidade cultural e a unidade nacional dos territórios autónomos e defende o pleno desenvolvimento da cultura autóctone.
O 50º aniversário da resolução 1514 coincidirá com o final do Segundo Decénio Internacional para a Eliminação do Colonialismo (2001-2010), proclamado pela Assembleia Geral em 8 de Dezembro de 2000.

 

Mártires do anti-colonialismo

Maputo, Terça-Feira, 14 de Dezembro de 2010:: Notícias
Em todas as revoluções há mártires. Na revolução anti-colonialista contam-se vários, como os que citamos a seguir, nesta lista não exaustiva:
·                               Ruben Um Nyobé, líder da União do Povo dos Camarões, assassinado pelo exército francês a 13 de Setembro de 1958.
·       Félix-Roland Moumié, sucessor de Ruben Um Nyobe à cabeça da União do Povo dos Camarões, assassinado em Genebra em 1960 pelo SDECE (serviços secretos franceses).
·       Patrice Lumumba, primeiro Primeiro-Ministro da República Democrática do Congo, assassinado a 17 de Janeiro de 1961.
·       O nacionalista do Burundi Louis Rwagasore foi assassinado a 13 de Outubro de 1961, enquanto Pierre Ngendandumwe, primeiro primeiro-ministro hutu do Burundi foi também assassinado a 15 de Janeiro de 1965.
·       Sylvanus Olympio, o primeiro Presidente do Togo, foi assassinado a 13 de Janeiro de 1963.
·       Eduardo Mondlane, líder da FRELIMO e pai da independência de Moçambique, assassinado em 1969.
·       O panafricanista Tom Mboya foi assassinado a 5 de Julho de 1969.
·       Abeid Karume, primeiro presidente de Zanzibar, foi assassinado em Abril de 1972.
·       Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973.
·       Outel Bono, oponente chadiano de François Tombalbaye, foi assassinado a 26 de Agosto de 1973, mostrando outro exemplo da existência da Françafrique (neocolonialismo francês em África) criada para manter estreitos laços pós-coloniais entre a França e as suas antigas colónias.
·       Herbert Chitepo, líder da União Nacional Africana de Zimbabwe (ZANU), foi assassinado a 18 de Março de 1975.
·       Dulcie September, líder do Congresso Nacional Africano (ANC), que estava a pesquisar o tráfico de armas entre França e África do Sul, foi assassinado em Paris a 29 de Março de 1988, poucos anos antes do fim do “apartheid”.