domingo, 14 de dezembro de 2014

Relatório da CIA como instrumento da luta política interna nos EUA

EUA, CIA, torturas

John Brennan, diretor da CIA, considera que a “confiança” para com a sua instituição não deve sofrer prejuízos devido ao relatório do Senado americano sobre torturas. “Fornecemos a verdade às autoridades. A questão consiste em saber se elas estão de acordo com aquilo em que acreditamos. A legitimidade da CIA está estreitamente ligada à confiança. E nós não podemos permitir que se perca nem uma coisa, nem outra”, considerou Brennan.

Ao dar explicações perante os jornalistas, ele, por um lado, reconheceu que a CIA, inicialmente, não compreendeu muito bem como interrogar alegados terroristas detidos após 11 de setembro de 2001.
“Não estávamos preparados. Tínhamos pouca experiência de manutenção de prisioneiros e havia falta de funcionários com experiência de realização de interrogatórios”, declarou ele.
Por outro lado, segundo Brennan, a informação obtida pela CIA com a ajuda de torturas ajudou a encontrar e liquidar Osama bin Laden, líder da Al-Qaeda.
O Comité para Serviços Secretos do Senado publicou, na terça-feira, um longo relatório sobre os abusos da CIA durante a presidência de George W. Bush. Aí fala-se, nomeadamente, de torturas e de desinformação das autoridades e da sociedade. Segundo o texto, atiravam os suspeitos de terrorismo contra a parede, não os deixavam dormir, mantinham-nos despidos, punham-nos em banhos gelados, mantinham em celas com música alta constantemente ligada. Nos interrogatórios empregavam amplamente torturas como a “simulação de afogamento” e outros métodos cruéis de obtenção de informações.
Tudo isso é mais uma prova das sistemáticas violações cruéis dos direitos do homem da parte das autoridades americanas, assinalou num comentário especial Konstanin Dolgov, representante da diplomacia russa para questões de direitos humanos:
 Não obstante as torturas inquisitoriais serem empregues por agentes da CIA fora do território dos Estados Unidos, isso não os livra da principal responsabilidade por semelhantes ações. Ao mesmo tempo, coloca-se a questão da participação nesses crimes dos governos dos países (os seus nomes foram riscados previamente do relatório) que concordaram em instalar prisões secretas no seu território”.
Ao comentar o relatório, o presidente Barack Obama declarou que as torturas para a obtenção de informação não só não ajudam, como são contraproducentes. Porém, como é sabido, ele continua a não cumprir a promessa, feita há 6 anos atrás, de encerrar a prisão na base de Guantánamo.
Seja como for, será muito complicado chamar à responsabilidade quem quer que seja, assinala Dmitri Drobnitsky, especialista em assuntos americanos:
“O problema é que as pessoas que torturaram, fizeram isso por ordens diretas das chefias. No dia 11 de setembro de 2001 deu-se um atentado terrorista e, já no dia 27, George W. Bush assinava um memorando que permitia à CIA utilizar os chamados “métodos intensivos de interrogatório”. Foram chamados psiquiatras para desenvolver formas de quebrar a vontade humana. E as pessoas que realizavam essas tarefas, cumpriam ordens diretas e, nesse sentido, não podem ser julgadas.
Mais, se falamos da jurisdição de outros países, segundo as leis dos EUA não só a CIA e os militares, mas também os que realizam contratos para a espionagem e os militares dos EUA não podem ser julgados no território de outros países.
John Brennan, atual diretor da CIA, pode sofrer consequências, ou, em todo o caso, ver-se privado do cargo. Nessa altura, ele foi, primeiro, dirigente do gabinete do diretor George Tenet e, depois, seu vice, que parcialmente foi responsável pela elaboração desse programa. É precisamente por isso que ele agora defende tão ativamente a CIA e os métodos de interrogatório”.
Não obstante, coloca-se a questão: porque é que o relatório, mesmo que parcialmente, foi publicado precisamente agora? É evidente que se deve procurar a causa na política interna.
O democrata Obama ficou praticamente sem o apoio do Congresso, onde a maioria é republicana. Ora George W. Bush, ao tempo da presidência do qual é dedicado o relatório sobre torturas, era precisamente republicano. Por isso, trata-se de um instrumento de um jogo político, está confiante Alexander Kolpakidi, historiador russo dos serviços secretos:
 Trata-se de um golpe da parte dos democratas contra os republicanos. Ou seja, apenas podemos saber a verdade quando surgem contradições. Mas quando a elite americana está consolidada, nunca sabemos a verdade. Durante todos estes anos até à crise, não sabíamos o que acontecia na CIA.
A propósito, agora, ao contrário dos anos de 1970, todos os dirigentes (o diretor da CIA John Brennan, o dirigente da espionagem nacional James Clapper) negam tudo. Dizem que tudo é exagerado, que nada é assim. Eles nem sequer empregam o termo “torturas”. Chamam a isso “métodos aperfeiçoados de interrogatório”.
O atual relatório não é o primeiro caso em que as investigações são utilizadas no confronto político de democratas e republicanos. Nos anos de 1970, coisa semelhante aconteceu com o presidente republicano Richard Nixon, recorda Alexander Kolpakidi:
"Os mesmos democratas estiveram na origem de uma investigação de grande envergadura da CIA. Trata-se do comité do senador Frank Church em 1975 e do comité de Otis Grey Pike em 1977. E então veio à tona um grande número de ações desagradáveis realizadas pela CIA. Seguia, escutava, ingeria-se, matava pessoas no estrangeiro. A partir de então, a CIA saiu da zona do controlo social. E, agora, graças à situação que se criou nos EUA, soubemos, finalmente, a que se dedicou essa instituição durante todo este tempo”.
Então, as recomendações do comité Church serviram de impulso para a aprovação de uma Ata especial sobre o controlo dos serviços secretos. Mas, mais tarde, já depois dos atentados terroristas de 11 de setembro, o trabalho do comité passou a ser criticado pela limitação das possibilidades da CIA no campo dos agentes de espionagem.
Não é por acaso que no Ministério das Relações Exteriores da Rússia sublinham que “essa tenebrosa página da história continua por fechar até hoje e semelhante situação não corresponde nada às pretensões dos EUA de serem o padrão da democracia”.

Sem comentários: