sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Oportunidades perdidas

Estou a pensar que faz algum tempo que não me meto em nenhuma polémica. Isso tem que mudar, de preferência agora:

“Devemos trabalhar no sentido de encontrar até os derivados do frango. Aquele que não foi (sic) possível consumir o frango ao longo do ano… mas chegado o Dia da Família e a passagem do ano novo que alguém tenha pelo menos algo para comer, nem que sejam patas de galinha, nem que seja pescoço de galinha ou então uma parte… asas, então o que nós queremos é que cada um tenha um prato, que diga que este prato é esse prato que dá para eu poder passar o dia da família assim como a passagem de fim de ano… “.
Estas são as palavras proferidas pela Governadora da Cidade de Maputo há algumas semanas. Criaram muita indignação pública com um verdadeiro “shitstorm” contra a pobre governante. Acompanhei essa indignação pelo “Facebook” e até achei muitos comentários e brincadeiras que se fizeram a propósito destas palavras muito engraçados. Fartei-me de rir. Não formei opinião porque não conhecia as palavras exatas, nem o contexto em que foram proferidas. Há alguns dias vi o vídeo em que a própria fala, mas continuo a desconhecer o contexto. Não sei que pergunta lhe foi colocada. Alguém sabe?
Mas só na base do que ela disse não vejo caso para tanto franzir de sobrolho. Há algo genuíno na forma como esta mulher fala, há algo nitidamente moçambicano na forma como ela apresenta a sua opinião. Não vejo arrogância, como se sugeriu nos comentários, muito menos desprezo pelas pessoas sem meios. O que ela diz corresponde ao que se diz em Moçambique quando alguém quer dizer que mesmo as coisas insignificantes merecem a nossa atenção: “devemos trabalhar no sentido de encontrar ATÉ os derivados do frango”. Corresponde ao que se diz quando alguém quer manifestar solidariedade pelo outro, por exemplo, “pelo menos algo para comer…” e quando alguém enaltece o esforço que as pessoas fazem “… que cada um tenha um prato, que diga que este prato é esse prato que dá para eu poder passar o dia da família…”. Em minha opinião, a governadora está preocupada com a sorte daqueles que têm poucos meios e quer, com estas palavras, apelar a um arregaçar coletivo de mangas.
Na verdade, para mim o mais interessante é porque estas palavras que me parecem inocentes (até prova em contrário, por exemplo, através duma melhor elucidação do contexto em que foram proferidas) criaram tanta controvérsia. O meu palpite é que o ambiente discursivo em Moçambique está sob forte influência duma moral igualitária hipócrita que exige mais dos outros, sobretudo dos outros com responsabilidade política, do que de nós próprios. Esse ambiente aguçou a nossa atenção para tudo que nos possa ajudar a demonstrar o egoísmo desses a quem exigimos mais aprumo moral do que a nós próprios. E para fazermos isso usamos a retórica negativa para nos mostrarmos do nosso lado moral e solidário. Assim, perante a escolha se vamos interpretar este depoimento como preocupação pelo outro ou como sinal do egoísmo da elite política optamos pela segunda alternativa. “Derivados” para o povo, frango inteiro para a elite. É um tipo de retórica que transforma leitores preguiçosos em grandes analistas, gente que fica à espera de algo que se pareça com um deslize e que bem fora do contexto é suscetível de todo o tipo de interpretação maldosa.
Pode ter sido mal avisado dizer as coisas desta maneira num contexto em que há muita gente à espreita para identificar algo que se aproveite politicamente. O problema disto, porém, é que ao invés duma discussão política útil que poderia ter acontecido se não tivesse havido pressa em julgar e condenar o egoísmo da governante o mais provável que aconteça é que todos os governantes aprendam a “falar” em público. A esfera pública não vai ganhar nada com isso. Vamos ganhar apenas políticos mais eloquentes, políticos da índole do discípulo de Arthur Schopenhauer ou dos “europeus” da “Grande Royale” de Cheikh Hamidou Kane que dominam a arte de ganhar sem terem razão. Os jornais podiam ter feito reportagens sobre como diferentes grupos da sociedade passam as festas, o que esperam das festas, o que esperam como ajuda de quem de direito, etc. As televisões podiam ter organizado debates sobre a gestão económica dos agregados familiares de diferentes grupos de rendimento. Os partidos políticos podiam recuperar estes temas todos e propor abordagens alternativas ou, pelo menos, explicar que aspetos das políticas governamentais criam situações em que alguns moçambicanos comem frangos inteiros enquanto outros só podem esperar pelos restos. Todos nós podíamos ter debatido o papel do Governo da Cidade de Maputo na resolução dos problemas do dia-a-dia dos seus habitantes (incluindo o meu tema preferido sobre a pertinência desta instituição de “Governador” que, repito, considero inútil, dispendiosa e totalmente desnecessária, sobretudo agora que está claro que não será desta que serei Governador de Gaza…).
Mas não fizemos nada disto. Rimo-nos e mostrámos que esses governantes não prestam para nada, só pensam em si. E regressámos ao “Facebook” para “postarmos” mais fotos sobre as iguarias que estamos a consumir nesse preciso instante num restaurante qualquer da urbe. Podemos fazer isso. Modesto só tem que ser o político. Em Moçambique. E nem ficaria surpreendido se alguns dos que mais se riram das palavras da Governadora dessem restos aos seus próprios empregados domésticos
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  • Manuel J. P. Sumbana Náo foi uma pergunta entanto que tal, Elisio. Foi numa reuniâo habitual nesta ëpoca, em que se discutiam vários assuntos em que estavam inclusos assuntos como a segurança na quadra festiva,procura maior que oferta de produtos (e açambarçambarcamento também habitual). De facto nesta reuniâo até esteve pessoal sénior da policia (creio que o comandante da cidade) e pessoal da Direcçâo do Comércio e Turismo. Até interviu um idiota que ainda acha que é do GD e que chamava atençâo pelo uso de fogos de artificio dizendo que 'os nossos adversàrios polìticos podiam aproveitar-se para fazer confusâo'. Estranho que quase ninguém pareceu notar e comentar esta barbaridade...
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  • Torres Lameque Remigio " O meu palpite é que o ambiente discurso em Moçambique está sob forte influência duma moral igualitária hipócrita que exige mais dos outros, sobretudo dos outros com responsabilidade politica, do que de nós próprios". yuuuu
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  • Elisio Macamo obrigado, Manuel, relativiza ainda mais as afirmações.
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  • Manjate Carlos João Batista De facto Prof, ja faz tempo que nao se envolve em qualquer polemica, mas volta com pertinencia que ja nos habituou, " e isto que faz com que leitores preguicosos se tornem grandes analistas"... Acho q esse trecho traduz muito do assistimos na nossa esfera d debate, optamos pelas conclusoes mais simples e saimos por ai gritando como se fossemos moralmente melhor que os outros.
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  • Manuel J. P. Sumbana Embora também tenha participado da piada, nâo vi nada de errado nos pronunciamentos da governadora. Eiquei estupefacto por nâo ter havido reacçâo oficial e fiz até um comentário onde dizia que mais uma vez a arrogáncia governamental estava a enterrar um governante por algo que um mero porta-voz podia clarificar sem muito esforço. Mas acho que alguém achou que nâo era necessário ou a senhora já deu o que tinha a dar e é descartàvel.
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  • Elisio Macamo ou talvez não. se calhar isso só teria atiçado as chamas duma polémica que de partida era mesmo isso. não sei.
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  • Raul Junior Eu penso que houve excessos nos pronunciamentos da governadora tendo em conta o que as pessoas esperam da governadora. Esperavam, estou a profetizar, que ela dissesse: Este ano, o governo da cidade de Maputo vai distribuir frangos, saquinho de batata, uma caixa de refrescos a cada agregado familiar de forma a passar condignamente as festas: Ai todos se esqueceriam da propalada falta de sentido desta figura. Quem governa 'e um Sabio. Os governados sao outros sabios.
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  • Manuel J. P. Sumbana Náo sei, Elisio. Jà trabalhei como parte de um gabinete de imprensa governamental e como jornalista e acho que os governantes devem responder a este tipo de coisas, o mais rápido possivel. Nâo pára a piada mas torna uma piada em que eles até podem participar...
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  • Manuel J. P. Sumbana Raul, Junior, o governo nâo é instituiçáo de caridade. As primeiras damas têm feito isso.
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  • Raul Junior Quando 'e que uma instituicao governamental 'e util e quando nao 'e util?
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  • Raul Junior Manuel Sumbana, apenas dei o meu palpite profetico sobre o que as pessoas desejariam, por hipotese, ouvir da governadora neste momento. A governadora ficou presa por ter cao.
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  • Manuel J. P. Sumbana Talvez nunca o seja. Pessoalmente nâo vejo muita utilidade nos governos, Raul Junior.
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  • Raul Junior Mas restritamente Manuel governa a sua casa, pois nao?
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  • Manuel J. P. Sumbana Nâo. È democracia perfeita. Funciona.
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  • Raul Junior Eu acho que enquanto nao ultrapassarmos a barreira da pobreza/fome ser'a dificil apreciar os discursos dos nossos governantes. Alias, sera tambem dificil nos apercebermos dos avancos que a nacao esta' a registar. os nossos debates estarao sempre ensombrados de odios. Creio que a governacao 'e uma arte. Dizia Karl Popper que aos necessitados a arte (governacao, literatura, escultura) nao tem sentido.
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  • Justino António Cossa Descordo, parcialmente, com o Manuel quando diz que não governa em sua casa porque é Democracia total. Quem disse que em democracia não há governo? A não ser que confunda governação com tirania?! Indo concretamente ao debate, concordo, em parte, com o ...See More
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  • Manuel J. P. Sumbana Eu vivo sozinho. Sou governante e governado.. Cada um faz o que lhe dá na gana. E ninguém interfere com ninguém
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  • Justino António Cossa Digo isso porque sempre sempre que julgamos, julgamos com base nos preconceitos que temos. E isso, geralmentmd, não resolve o problema real.
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  • João Barros Lendo o se posicionamento Professor, penso que ela disse em português o que pensou em Macua!
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  • Manuel J. P. Sumbana È macua, joão Barros?
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  • Justino António Cossa Olha, eu não sei se ainda estamos dentro do mesmo debate, o da reflexão em torno dos discursos, tal como como percebi no argumento do Dr. Elísio. Ora, repiso, a questão não é discutir indivíduos, etnias, políticos, celebridades, pobres nem ricos. A questão é discutir idéias. O que podemos produzir a partir do discurso da governadora, do político, do académico, do antropólogo, do sociólogo, etc. Quais são as limitações e contribuições do discurso. Ou teria que vos sugerir a ORDEM DO DISCURSO do M. Foucalt
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  • Dercio Mandlaze Sobre discursos, o professor Elisio Macamo, já fez uma análise sobre esta temática no seu mural, e como base de partida trouxe-nos o brilhante e inesquecível discurso " i have a dream" nesse discurso analisava vários aspectos como é que os problemas que afligem a sociedade podem serem usados para a próximas mais as pessoas sem suscitar discórdias, e o contexto em que fez a análise referida foi a quando do discurso proferido pelo senhor Eduardo Mulémbwè na assembleia da república, um outro objectivo dessa análise é demostrar que usar palavras bonitas para impressionar não significa ter feito bom discurso, no entanto no caso da governadora pode ter sido a falta de mestria com que abordou a questão, afinal de contas nem todos nós temos o privilégio de saber fazer bons discursos, pecou por não ter procurado alguém com essa capacidade suponho.
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  • Zandie Ubisse ...."Tornar os leitores preguicosos em analistas".... Nao percebo se isto deve ser ixactamente assim! A verdade que nao foi debatido so no Fb, as Televisoes compromotidas em nao sensurar o que o povo deve saber ou nao, as radios e os Jornais passaram esta informacao, nao foi uma invenccao, ela falou (com que alcance? Nao sei se ela propria pode dizer se sabe ou nao? Mas tenho reservas. Imagino me como representante maximo do estado, numa reuniao da "Associacao dos Mutilados da 2a Guerra Mundial", la em Berlim, onde alguns participantes perderam um braco, outros uma ate as duas pernas pernas. E ao longo da minha intervecao eu diga: "Voces nao querem trabalhar, quem vos disse que com um braco nao se vai ao servico, com uma perna e mesmo voces que nem uma tem devem ir trabalhar..." O que esperariam deste discurso? Seria necessario ser mau leitor para perceber que houve uma aberacao? Seria necessario ser da esquerda para fazer uma interpretacao eloquente? Meus caros: Dai a Cesar o que e' de Cesar.
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