domingo, 7 de dezembro de 2014

DESCOLONIZAÇÃO : E PODIA TER SIDO DE OUTRA MANEIRA ?

 As inevitáveis independências          Pois é. Apesar de todas as reticências, de todo o cepticismo e de todas as dúvidas, uma coisa é certa: Portugal fez bem em dar a independência às ex-colónias. Pelo menos é isso que pensam dois terços dos entrevistados em mais este estudo da Universidade Católica para o PÚBLICO, a Rádio Renascença e a TVI. Ainda assim, 28,2 por cento consideram que Portugal fez mal em descolonizar, isto é, quase um em três portugueses tem saudades do império.
          Esta resposta contrasta fortemente com o balanço da forma como decorreu a descolonização, bastante negativo. Mas já lá vamos: primeiro, passemos em revista a resposta à questão inicial e incontornável, a do direito à independência das ex-colónias. Reparemos, por exemplo, que as percentagens mais elevadas de respostas positivas foram obtidas entre os interrogados que contam entre 25 e 44 anos e as mais baixas junto dos que têm mais de 65anos; que foi na região de Lisboa e entre os eleitores do PS e da CDU que continuámos a encontrar mais gente a concordar com o princípio da independência das ex-colónias; que os eleitores do CDS se dividem quase a meio; que as respostas favoráveis às independências crescem em percentagem conforme o grau de instrução dos inquiridos, variando entre um mínimo de 58,4 por cento entre os que têm menos do que a quarta classe e um máximo de 87,7 por cento junto dos que completaram um curso superior; que, por fim, aqueles que nasceram numa ex-colónias também são mais reticentes relativamente ao princípio das independências.
          Não aceitar o princípio da independência das ex-colónias implicava aceitar como boa a guerra colonial. Ora sucede que entre os cerca de 28,2 por cento de inquiridos que respondeu negativamente à pergunta, só metade se manifestou disponível para defender militarmente a soberania portuguesa. E de novo só metade se disse disposta a aceitar o princípio de enviar os seus filhos para a frente do combate. Há assim uma contradição entre a recusa do princípio das independências e o seu próprio corolário óbvio: a necessidade de manter a guerra colonial.

De costas viradas para África
          Já a resposta à questão relativa à zona de relações privilegiadas de Portugal é coerente com a resposta à primeira questão: uma maioria óbvia defende que Portugal deve privilegiar o relacionamento com a Europa (56 por cento) face às ex-colónias (29,1 por cento). Assim, apesar da retórica de muitos políticos, apesar das palmetas e dos rios ibéricos, as relações africanas são vistas pelos inquiridos como não prioritárias relativamente às relações com a Europa. Apenas 20 anos depois de uma inflexão radical na nossa política externa, a aposta europeia parece claramente assumida e interiorizada.
          Essa opção torna-se ainda mais clara quando olhamos para as respostas a outra questão: para onde iriam os portugueses, caso tivessem de abandonar Portugal. Pelo menos dois terços escolhiam destinos não africanos, mais exactamente um outro país da União Europeia (35,3 por cento), os Estados Unidos ou o Canadá (17,8 por cento), ou ainda o Brasil (14,7 por cento). Só 7,6 por cento indicaram Angola e ainda menos, 2,9 por cento, apontaram para Moçambique.
          Estes resultados são interessantes se levarmos em linha de conta que foram obtidos num país onde os laços com as ex-colónias são fortes: neste inquérito detectámos 5,7 por cento de respondentes que tinham nascido num dos PALOP, mais 18,5 por cento que possuíam familiares oriundos das ex-colónias. Como verificámos igualmente que 18,5 por cento dos inquiridos vieram ou combateram numa das ex-colónias, facilmente podemos deduzir que entre um quarto e um terço tem laços directos com um dos territórios ultramarinos.
          São esses, naturalmente, os que em maior número se manifestam a favor do estreitamento das relações com as ex-colónias; entre os que nasceram nesses países, a ordem das prioridades, em caso de terem de sair de Portugal, inverte-se quase por completo. A Europa continua a ser o destino mais citado, mas Angola e Moçambique saltam claramente para a frente do Brasil e da América do Norte. Trata-se de um resultado de certa forma esperado e que traduz a nostalgia de muitos desses portugueses, nostalgia essa que os leva a trocar a certeza do conforto do mundo desenvolvido pela incerteza e os riscos de dois países em situação de convulsão quase constante.

Descolonização mal amada 
           Mas se a opção africana é, em grande parte, algo que pertence ao passado, o processo de descolonização continua a marcar fortemente os portugueses. Quase ninguém já subscreve a tese da “descolonização exemplar”. Concretizando: só 7,8 por cento dos entrevistados entende que tudo correu bem nesse processo, contra 82,5 por cento que têm a opinião contrária. É esmagador.
           Analisando ex-colónia a ex-colónia, é o processo de Timor que regista uma apreciação mais negativa, o que não chegou sequer a haver descolonização; houve a ocupação do território por uma potência estrangeira, com as consequências que todos conhecemos. No caso concreto de Timor, dois terços dos entrevistados consideram que a descolonização correu muito mal, taxa que supera largamente a registada para as outras duas ex-colónias onde o processo de descolonização é avaliado pior, Angola e Moçambique.
           A forma crítica com que é apreciado todo este processo reflecte-se nos maus resultados verificados mesmo em países onde a descolonização não levantou problemas de maior, casos de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe. Relativamente a esses dois novos Estados, só cerca de 12 por cento dos respondentes entendeu que as coisas tinham corrido bem.
 Quando quisermos saber se Portugal tinha ganho ou perdido com a descolonização, a opinião generalizada foi que perdeu, e logo em quatro frentes: na política, na economia, na diplomacia e na cultura. A área onde os inquiridos consideraram que as perdas foram maiores foi a da economia, com87,3 por cento a opinarem que Portugal perdeu economicamente com a descolonização. A seguir vem a área da cultura (71,1 por cento), depois a da política (63 por cento) e por fim a da diplomacia (58,6 por cento). Este último resultado traduz alguma ignorância, posto que a política colonial portuguesa tinha isolado diplomaticamente o regime e foi necessária a descolonização para Portugal ser, por assim dizer, readmitido na comunidade das nações, depois de anos de ostracismo.
 Quando se perguntou a quem se deviam atribuir as culpas pelo que correu mal, surgiu uma divisão importante das opiniões. Significativamente, 27 por cento dos entrevistados não soube ou não quis responder, taxa especialmente alta e que contrasta com as registadas na maioria das outras questões.
           Entre os que responderam, as opiniões repartiram-se sobretudo por dois bodes expiatórios: o anterior regime e os negociadores portugueses.
 A formulação desta pergunta era bastante precisa, já que se explicava que, quando se atribuam as culpas ao anterior regime, isso era feito por este “ter mantido a guerra”. No que toca aos negociadores portugueses, especificavam-se os nomes de Mário Soares, Melo Antunes e Almeida Santos. Verificou-se pois que os entrevistados se dividem entre duas teses dominantes: a normalmente subscrita pelos negociadores portugueses, que atribuem os erros da descolonização à “situação impossível” herdada do regime deposto a 25 de Abril, que deixara degradar as possibilidades de uma saída negociada; e a que endossa aos poderes pós-25 de Abril a entrega das colónias sem condições.
           Registe-se ainda que o processo de integração dos retornados é visto de modo que só podemos considerar positivo: são mais os que referem o seu êxito do aqueles que o criticam; sobretudo, há uma esmagadora maioria que pensa que essa integração correu razoavelmente, o que é sinal de que não perduram grandes traumas. Nem sequer o de ainda existirem indemnizações por pagar: há uma maioria que entende que os retornados deveriam ter sido indemnizados pelos bens deixados em África, mas de apenas 54,8 por cento – esta não é aparentemente uma questão quente.

As relações futuras
           Quanto ao futuro, registe-se que a apreciação das relações com as ex-colónias não é muito positiva, sobretudo no domínio económico. Verificamos, porém, que a maior parte dos entrevistados também está numa posição de relativa indiferença, ao considerar com as relações políticas, culturais e económicas com as ex-colónias são…”assim-assim”.
 Em face desta apreciação, perguntou-se com que países deviam as relações portuguesas ser mais chegadas. Angola surgiu à frente, destacada, seguida do Brasil e Moçambique. O facto do Brasil ser intercalado entre aqueles dois países africanos é significativo, tanto mais que a independência brasileira já tem quase dois séculos.
           A conturbada situação política em Angola e Moçambique poderá, no entanto, continuar a colocar “pauzinhos na engrenagem”. Com efeito, é muito curioso que uma parte significativa dos inquiridos tenha opinião sobre as escolhas políticas dos países, apoiando o MPLA ou a UNITA, a Frelimo ou a Renamo. Para ambos os países, são os partidos no poder a recolher mais simpatias em Portugal, mas para os dois a palma vai para os que preferem não apoiar nenhuma das grandes forças políticas, sinal provável de um distanciamento face a partidos cuja imagem em Portugal não é famosa. Em ambos os casos a percentagem dos sem opinião é pequena, se tivermos em conta a especificidade da pergunta.

Artigo de José Manuel Fernandes
In  “PÚBLICO” de 22 Abril 1995

Sem comentários: