Oposição volta a fazer músculo em Caracas e em várias cidades pelo mundo fora, mas o chavismo também se mostrou. Agora, os olhos estão postos na reacção da Europa.
A história de dois países em que a Venezuela se transformou nas últimas semanas teve este sábado mais um capítulo importante, que foi também um novo teste à verdadeira força da oposição a Nicolás Maduro.
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Em Caracas e outras cidades, milhares de opositores saíram às ruas para exigirem "liberdade", enquanto no mesmo país, mas no que parecia ser uma outra dimensão, os apoiantes do Governo respondiam ao grito de Maduro: "Na Venezuela só há um Presidente!"
Eram 10h da manhã quando milhares e milhares de pessoas, em pelo menos cinco grupos distintos, começaram a chegar à zona de Las Mercedes, em Caracas, para encherem a avenida principal com as cores da bandeira venezuelana. Estavam ali para reforçarem a sua ideia de que os dias de Maduro como Presidente estão contados.
"Acredito que o fim está muito próximo — esta semana", disse a venezuelana Barbara Angarita, de 49 anos, ao jornal britânico The Guardian. "O país tem de ser livre, para todos os venezuelanos e para os nossos descendentes."
Tal como outras dezenas de milhares de opositores, Angarita respondeu à chamada de Juan Guaidó, o líder da Assembleia Nacional que se assumiu como o Presidente interino do país no dia 23 de Janeiro.
Há uma semana, Guaidó apelou aos seus apoiantes que voltassem às ruas para se manifestarem contra Maduro, mas também para enviarem outros dois sinais: aos militares venezuelanos, para convencê-los a juntarem-se ao combate contra o Governo de Maduro; e à União Europeia, para lhe dizer que esse combate precisa do apoio europeu o mais rapidamente possível.
Na quarta-feira, os opositores manifestaram-se durante duas horas, em várias cidades, na primeira das duas demonstrações de força pedidas por Juan Guaidó no fim-de-semana passado.
Mas o ponto alto desse apelo foi a convocação de várias manifestações para este sábado, em toda a Venezuela e "em todo o mundo", segundo as palavras do líder da oposição — em Lisboa e em outras cidades europeias e na América Latina, milhares de venezuelanos pediram também a saída de Maduro.
O objectivo é manter a pressão sobre o Presidente venezuelano, numa altura em que o apoio internacional à oposição ganhou músculo — muito mais do que em 2014 e em 2017, quando nem as grandes manifestações desses anos, que provocaram mais de 200 mortos, conseguiram manter a oposição unida e pronta para receber apoios de peso.
À espera da UE
Mas desta vez foi diferente. Depois de Guaidó ter assumido as funções de Presidente interino, os Estados Unidos reconheceram-no como único interlocutor legítimo da Venezuela, empurrando Nicolás Maduro para um maior isolamento internacional.
Em seguida, muitos outros países acompanharam os Estados Unidos, como o Canadá, a Austrália e a maioria da América Latina. Do lado de Nicolás Maduro estão, principalmente, a Rússia, a China e a Turquia — e conta com o apoio determinante das Forças Armadas da Venezuela, sem as quais dificilmente será possível uma transição de poder pacífica.
É para tentar aumentar a lista de apoios internacionais, juntando-lhe o peso da União Europeia, que a oposição a Maduro quer manter a pressão nas ruas. Este sábado, no seu discurso perante os apoiantes em Caracas, Juan Guaidó garantiu que receberá, "nas próximas horas", o apoio de "muitos mais países europeus" — uma referência ao ultimato feito por Alemanha, França, Reino Unido e Espanha, a que se juntou Portugal, para que Maduro convocasse eleições presidenciais até este fim-de-semana. Se isso não acontecer, Guaidó e os seus apoiantes esperam que esses países cumpram o que prometeram: reconhecerem a sua legitimidade como Presidente interino da Venezuela.
Mas ninguém espera que haja um anúncio nesse sentido de toda a União Europeia, pelo menos nos próximos dias. Outros países, como a Suécia, Itália, Grécia, Chipre ou Eslováquia, já disseram que não estão interessados em dar um salto tão grande — entre as razões apontadas está o princípio de que só se deve "reconhecer Estados, e não personalidades", como sublinhou a Suécia.
Ainda assim, este fim-de-semana começou com uma boa notícia para a oposição. De manhã, um general da Força Aérea da Venezuela, Francisco Estéban Yánez Rodríguez, declarou o seu apoio a Juan Guaidó, tornando-se no oficial de mais alta patente, até agora, a afastar-se de Nicolás Maduro.
Num vídeo partilhado nas redes sociais, o oficial disse que "90% das forças armadas não estão com o ditador, estão com o povo da Venezuela", e apelou aos militares que "não reprimam mais". Em resposta, o comandante da Força Aérea acusou-o de "traição".
Mais tarde, já durante as manifestações anti-Maduro, a oposição partilhou um vídeo, supostamente gravado na cidade de Barquisimeto, onde se vêem agentes das brigadas anti-motim da Polícia Nacional Bolivariana a abrirem caminho aos manifestantes — à medida que os agentes se afastam, ouve-se uma voz a gritar "excelente, excelente, obrigado" e vê-se um agente, fardado com capacete e escudo de protecção, a abraçar um dos manifestantes.
No final, Guaidó agradeceu "às famílias, aos trabalhadores e aos jovens" por terem mostrado que "chegou o momento da democracia" e de "viver em liberdade".
"Os invisíveis"
A cerca de dez quilómetros de distância, na Avenida Bolívar, Nicolás Maduro juntava também uma multidão numa grande manifestação de apoio ao chavismo — e de comemoração pelos 20 anos da tomada de posse do seu mentor, Hugo Chávez. Apontando para as imagens transmitidas pela televisão, Maduro chamava a atenção para outras manifestações no país, para dizer que também ele tem um grande apoio popular.
"São os invisíveis que a CNN não mostra", disse Maduro, num discurso cheio de ataques contra os Estados Unidos e os "golpistas da direita" na Venezuela: "Somos vítimas do Ku Klux Klan. Na Casa Branca está o Ku Klux Klan. Tenho vergonha alheia desta oposição, que recebe ordens pelo Twitter de Mike Pence, John Bolton e Mike Pompeo."
Num discurso combativo, em que avisou Washington para não pôr à prova o seu Exército, sugerindo que os Estados Unidos poderiam enfrentar "um novo Vietname", Maduro voltou a propor a antecipação das eleições legislativas — mas não das eleições presidenciais, que é a principal exigência da oposição.
A ouvir Maduro em Caracas, Carmen Losada, de 80 anos, resumia ao El País o estado de espírito da sua Venezuela — a que diz manter-se fiel ao Governo: "Comeremos pedras e terra, mas vamos defender a revolução. Os Estados Unidos e a oposição não nos tirarão o nosso espaço."
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