Papa Francisco recebe cidadãos em breves audiências públicas às quartas-feiras. Decidida a não deixar o rapto do seu marido cair no esquecimento, esta é a segunda vez que Salomé Sebastião pede ajuda ao Papa Francisco.
A mulher do empresário português raptado há dois anos em Moçambique vai ter “uns minutinhos com o Papa Francisco” esta quarta-feira para lhe pedir duas coisas: uma oração pelo marido e diligências directas junto do governo de Maputo para encontrar Américo Sebastião.
Às quartas-feiras, sempre que está em Roma, o Papa Francisco recebe cidadãos em breves audiências organizadas pelo protocolo do Vaticano. Os encontros são conhecidos como “o beija-mão”, por serem pouco mais do que cumprimentos e permitirem apenas uma breve troca de palavras, no fim das quais o Papa dá a bênção ou oferece um terço. “Mas o Papa é informado sobre quem vai receber e quais são os assuntos”, disse ao PÚBLICO um diplomata conhecedor das tradições do Vaticano.
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Américo Sebastião, de 50 anos, foi raptado em Julho de 2016 no distrito de Sofala, no centro de Moçambique. Depois de um silêncio de mais de um ano, nos últimos meses as autoridades de Moçambique têm repetido que a investigação prossegue, mas que não teve ainda qualquer resultado.
Salomé Sebastião, que irá ao Vaticano acompanhada pela sogra, pediu para ser recebida pelo Papa há duas semanas e teve a resposta positiva pouco depois. Em Maio de 2017, enviara já uma carta a Francisco pedindo que este intercedesse junto de Maputo, mas desconhece se houve resposta. A mulher do empresário raptado não vai pedir nenhum acção específica a Francisco, mas acredita que, “se o Santo Padre achar por bem pedir para falar com o Presidente moçambicano Filipe Nyusi, sendo ele um líder católico que se preocupa com o seu país e o seu povo, ele quererá ouvi-lo”, disse ao PÚBLICO esta segunda-feira.
“O Papa faz a ponte entre o céu e a terra”, diz Salomé Sebastião. “E o meu marido precisa da ajuda de Deus, mas também dos homens.”
Desde o desaparecimento, Salomé Sebastião tem-se desdobrado em audiências com autoridades nacionais e internacionais, num esforço contínuo para pressionar Maputo e Lisboa. A Moçambique, pede que investigue o rapto e aceite a oferta de colaboração da polícia judiciária de Portugal. A Portugal, pede que não deixe o caso cair no esquecimento.
Salomé Sebastião começou a sua maratona de diligências pelo comandante da polícia de Sofala, na Beira, logo após o rapto, e a partir daí não parou de enviar cartas e pedir reuniões. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu-a duas vezes no Palácio de Belém (em Novembro de 2017 e Março de 2018) e o primeiro-ministro, António Costa, uma vez, na véspera do Natal de 2016. Nestes dois anos, percorreu o Ministério dos Negócios Estrangeiros de uma ponta à outra: foi recebida pelo ministro, pelos dois secretários de Estado, pelo director-geral de Política Externa, pelo presidente do Instituto Diplomático. Teve também audiências com a ministra da Justiça, o provedor de Justiça, a ex-embaixadora de Moçambique em Portugal, o núncio apostólico em Lisboa e todos os partidos com representação parlamentar, à excepção dos Verdes e do PAN. Testemunhou em Bruxelas perante o Grupo de Trabalho para os Desaparecimentos Forçados ou Involuntários da ONU, organizou duas vigílias frente à embaixada de Moçambique em Lisboa e entregou petições nos parlamentos de Maputo e de Lisboa. Além disso, teve reuniões com assessores diplomáticos de Belém e de São Bento, enviou mensagens ao secretário-geral da ONU, à Amnistia Internacional e à Comunidade Santo Egídio, em Roma. “Não vou parar até ter o Américo de volta.”
Américo Sebastião foi raptado numa estação de serviço perto de Nhamapadza, na zona da Beira, que é o bastião da Renamo, o maior partido da oposição que mantém ali, acantonados no distrito da Gorongosa, muitos dos seus ex-guerrilheiros. Nada indica, no entanto, que o partido esteja ligado ao rapto. Entre as teses existentes, há quem acredite que se tratou de um delito comum, mas também quem pense que o rapto estará ligado ao negócio da madeira. E há, ainda, a tese de que foi uma encomenda dos “esquadrões da morte”, por causa de uma vala comum com corpos que teriam sido assassinados pela Frelimo. A família não se pronuncia sobre as teses e diz apenas que acredita que o empresário está vivo.
Na Beira desde 2001, Américo Sebastião tinha rotinas conhecidas. Foi raptado às seis da manhã de 29 de Julho de 2016, uma sexta-feira, o dia de pagamento dos trabalhadores do mato, que cortam madeira nas suas concessões de floresta. Pouco depois de ter chegado à estação de serviço, apareceu a carrinha dos raptores, que seria uma Mahindra da cor e modelo usados pelas forças de segurança moçambicanas. Segundo alguns testemunhos, os raptores estavam fardados com uniformes da Unidade de Intervenção Rápida. “Esvaziaram a carrinha do Américo, tiraram todas as sacas de farinha de milho e o peixe seco e o dinheiro dos salários e levaram-no”, contou há uns meses João Carlos Campeão, que trabalha na Beira numa das empresas de que o empresário português é sócio. Não foi pedido resgate.
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