Não se pode acusar a Igreja de ser demasiado dura na condenação dos seus prevaricadores.
Dois padres condenados a prisão efectiva – um dos quais fugiu para o Brasil. Outros dois condenados a pena suspensa e mais meia dúzia de visados publicamente em queixas que acabaram arquivadas. Os casos de aliciamento ou abuso sexual de menores infligidos por padres portugueses resumem-se em poucos parágrafos.
Isto se nos ativermos aos casos que chegaram aos tribunais, já que as restantes suspeitas, como as levantadas em 2010 pela ex-provedora da Casa Pia, Catalina Pestana, que apontou cinco casos na diocese de Lisboa, se esfumaram com o tempo, fosse porque eram calúnias ou simplesmente porque os indícios não eram robustos.
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No capítulo mais recente deste lado negro da Igreja Católica, que justificou um pedido de desculpas do Papa Francisco, esta semana, inscreve-se o caso do padre Luís Mendes, condenado a dez anos de prisão por, enquanto vice-reitor do Seminário do Fundão, ter cometido 19 crimes de abuso sexual de menores. A sentença foi proferida no final de 2013, tendo o tribunal dado como provado que o padre tinha por costume surpreender as crianças enquanto estas dormiam – para as confortar, tal como qualquer pai faria, segundo o acusado; para as obrigar a praticar sexos orais e actos masturbatórios, segundo o tribunal. A Polícia Judiciária encontrara no computador do padre uma foto sua vestido de mulher, em poses eróticas, bem como outras fotografias com ex-seminaristas em “trajes menores”, em “tronco nu“, com “chantili” e na “cama”.
O padre foi imediatamente posto em prisão domiciliária, o seminário fechou um ano depois da primeira sentença condenatória, sob a alegação da diocese de que o costume de recrutar meninos logo após o 4.º ano de escolaridade há muito que estava a dar provas de não ser a solução, e o seu antigo vice-reitor que tratou entretanto de apresentar sucessivos recursos aos tribunais superiores. Quer a Relação de Coimbra quer o Supremo mantiveram a pena mas a habitual demora judicial permitiu que, em meados de 2015, o padre do Fundão tenha sido posto em liberdade por, numa altura em que a sentença continuava sem transitar em julgado, ter expirado o prazo máximo de prisão preventiva (dois anos e meio).
"Assunto resolvido"
Em Agosto de 2015, uma notícia no jornal O Interior dava conta do desconforto dos paroquianos que o viram tocar órgão na missa da manhã na Sé da Guarda durante uma missa. Agora, Luís Mendes está efectivamente dentro de grades. “Houve uma condenação confirmada por três diferentes tribunais, o padre está a cumprir a sua pena e impedido de exercer as suas funções. O assunto está resolvido”, disse ao PÚBLICO o bispo da Guarda, D. Manuel Felício, remetendo para a Congregação da Doutrina da Fé a decisão quanto à sua eventual redução ao estado laical.
Com penas bem menores, houve nos anos mais recentes outros dois padres obrigados a sujeitarem-se a um processo judicial. Em 2015, o pároco da Golegã, António Santos, foi condenado a 14 meses de prisão com pena suspensa por dois crimes de abuso de menores. O pároco tinha-se deitado entre duas raparigas, uma com 11 anos, durante um acampamento de escuteiros e, noutra ocasião, tocou nos órgãos genitais de uma rapariga de 12 anos, depois de lhe ter enfiado a mão no bolso do casaco. O clérigo alegou que os toques visavam fazer “uma massagem nas costas”, no primeiro caso, e retirar um lenço do bolso do casaco, no outro.
O tribunal não aceitou as explicações, mas – e até porque o padre tinha pedido para ser seguido por um psiquiatra – suspendeu-lhe a pena e não decretou qualquer proibição de contacto com menores. O padre é hoje vigário em duas paróquias de Santarém. “O assunto ficou resolvido. O padre não foi suspenso do ministério e, por opção própria e da Igreja, vive com outros colegas e tem funções de colaboração”, precisou ao PÚBLICO o vigário-geral da diocese, o padre Aníbal Vieira. Não lhe foi imposta qualquer interdição de contacto com menores.
Em Vila Real, em Dezembro de 2016, as palavras padre e abuso sexual voltaram a juntar-se em títulos de jornais quando o padre Pedro Ribeiro foi levado a julgamento acusado de aliciamento sexual a menores, de dez e 13 anos, com quem manteve conversas de teor sexual via Facebook. O perfil tinha sido criado com o intuito de aliciar menores, segundo o tribunal, que descortinou nas suas mensagens vários convites à prática de sexo oral. A pena de 20 meses de prisão foi igualmente suspensa e, na sequência da sentença, a diocese manifestou a sua “profunda tristeza”. E quanto a sanções? “Abandonou a diocese e está num convento onde continua a celebrar os sacramentos, mas num sítio reservado; fechado, praticamente, e sem grande contacto com as pessoas”, respondeu o padre António Castro Fontes, vigário geral da diocese.
Depois de ter chocado o país durante aquele que foi o primeiro caso de um padre católico condenado por homicídio e por ilícito de homossexualidade com um menor, o padre Frederico Cunha continua em liberdade pelas ruas de Copacabana, no Rio de Janeiro, Brasil. Condenado a 13 anos de prisão em 1993, o padre ficou detido no Estabelecimento Prisional de Alcoentre de onde conseguiu fugir em 1998, durante uma saída precária. É no Brasil que continua, 20 anos depois, e se voltou a ser notícia entretanto foi apenas para lembrar que a sua pena está prestes a prescrever pelo que o padre poderá voltar a sair livremente do Brasil, sem o risco de ser extraditado.
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