sábado, 25 de agosto de 2018

“Só Deus sabe porque é que não o fiz antes”. 37 anos depois, Penny Farmer encontrou o homem que torturou e matou o irmão

24.08.2018 às 23h24

DAN KITWOOD/GETTY

Penny Farmer tinha a certeza de que fora aquele o homem que assassinou o irmão e a namorada deste a bordo do barco que navegava a caminho das Honduras. A polícia também mas, por falta de provas ou por inércia, o caso acabaria por esfriar. Até que a britânica decidiu abrir o computador, aceder ao Facebook e escrever o nome que não lhe saía da cabeça

Há anos que Penny Farmer tinha vontade de fazer aquilo mas, por alguma razão que ainda hoje continua sem saber qual é, adiara sempre. Talvez sentisse medo do que poderia vir a descobrir, mas isso somos nós a supor, nós que não sabemos, nós que não somos Deus. “Só Deus sabe porque é que não o fiz antes”.
Naquele dia 2 de outubro, no entanto, e regressada de um passeio a Oxfordshire, no sudeste de Inglaterra, decidiu sentar-se, abrir o computador, aceder ao Facebook e escrever o nome que há muito tempo não lhe saía da cabeça, o do homem que suspeitava ter assassinado o seu irmão e a namorada deste. Ali estava ele, barba cinzenta, boné igual aos que usam os jogadores de basebol, óculos de sol, camisa de ganga.
Penny Farmer tinha a certeza de que o homem que se apresentava diante de si no ecrã fora o mesmo que, 37 anos antes, em julho de 1978, tinha convencido Chris Farmer, o irmão, de 25 anos, e Peta Frampton, com 24, a trocar uma viagem de autocarro de Belize, na costa nordeste da América Central, para o México, onde o casal tencionava aproveitar o resto das férias, por uma viagem de barco até às Honduras. E fora o mesmo que, durante a travessia, torturara, matara e atirara Chris e Peta borda fora com partes do motor agarradas aos corpos para torná-los irrecuperáveis pelas autoridades. “Um aspecto monstruoso”, viria a dizer o médico legista que fez as autópsias para descrever o estado em que se encontravam os corpos.
A certeza de Penny Farmer era partilhada pela polícia, que logo nos dias a seguir ao desaparecimento do casal partiu no encalço do suspeito, entretanto identificado como Silas Boston, encontrando-o e interrogando-o em Sacramento, capital do estado norte-americano da Califórnia. De volta, não obteve mais do que negações e justificações pouco convincentes e, na falta de provas de que Silas Boston tivesse de facto estado envolvido no homicídio do casal, o caso acabaria por esfriar. Nem o cadastro pouco limpo do suspeito, que incluía já assalto, porte de arma de fogo e violação, e o desaparecimento misterioso, dez anos antes, da terceira das sete mulheres com quem havia estado casado, ajudaram a polícia de Sacramento a chegar a alguma conclusão.
Já da parte da polícia americana não houve sequer uma tentativa de entender o que tinha acontecido, conforme contou Penny Farmer à BBC, onde esta história foi inicialmente publicada. “Não foram muito úteis. E terá acontecido algo algures na década de 1980, que não sabemos exatamente o que foi, que fez o caso cair no esquecimento”. O pai de Penny Farmer, falecido em 2013, ainda terá tentado entrar em contacto com a polícia de Sacramento por e-mail mas nunca viria a ter uma resposta.
Naquele dia de outubro depois do passeio por Oxfordshire, Penny Farmer não só encontrou o homem que sabia ter assassinado o irmão como encontrou os dois filhos dele, Russell e Vince, e a sua quinta mulher. Enviou mensagens aos três, nenhum respondeu, e Penny, incapaz de render-se, decidiu contactar a polícia de Manchester. Ao fim de tantos anos talvez já tivesse surgido uma pista, uma pequena pista, uma pista fosse como fosse, era essa a sua esperança. E não podia ter corrido melhor.
Contou-lhe a polícia que acabara precisamente de reabrir a investigação ao desaparecimento da terceira mulher de Silas Boston. E o que tinham entretanto descoberto? Que tinha sido, de facto, Silas Boston a assassiná-la. Foram os próprios filhos do casal, Russell e Vince, que contaram tudo à polícia, e contaram não só isso como também que haviam passado as três décadas anteriores a tentar convencer as autoridades de que tinham visto o pai a matar o irmão de Penny e a namorada durante a viagem a caminho das Honduras. Polícia de Sacramento, polícia nacional, FBI, Interpol, Scotland Yard, NCA britânica - a todas estas agências chegaram as suspeitas dos irmãos. Porque é que ninguém, em momento algum, lhes deu crédito? Penny não sabe e sabe que continuará sem saber.
Russell acabaria por contar bem mais à polícia, incluindo que vira o pai a matar outros dois turistas, “possivelmente da Escandinávia”, quinze dias depois de ter violado Peta no interior do barco e de ter obrigado Chris a ouvir tudo, amarrado ao convés. A Penny, que também haveria de procurá-lo, contou que o pai lhe confidenciou que matara outras 33 pessoas. Já não havia como ter dúvidas e foi assim que, em dezembro de 2016, 14 meses depois de Penny ter procurado no Facebook o homem que sabia ter assassinado o seu irmão, Silas Boston, entretanto a viver num lar de idosos em Eureka, na Califórnia, foi detido e acusado de duplo homicídio. Mas a penitência haveria de durar pouco. Um ano depois, já muito debilitado e internado num hospital, com vários órgãos em falência, pediu para interromper o tratamento médico. E foi-lhe feita a vontade.

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