Quem está a obstruir Mphanda Mkuwa? (2)
Na semana passada, ao "adjudicar" o desenvolvimento do projecto de Mphanda Nkuwa (HMNK) a um futuro consórcio entre a EDM e a HCB, o Presidente Filipe Nyusi colocou mais dúvidas do que respostas à questão da obstrução. Na quarta-feira (22 de Agosto), Nyusi, discursando na inauguração da nova Central Termoeléctrica de Maputo, bateu com a mão na mesa: chega de obstruções e intermediários. E decidiu: os únicos mandatários de agora em diante seriam a EDM e a HCB.
Esta posição presidencial causou calafrios nalgumas "boardrooms" do investimento estrangeiro em Maputo. E no Dubai o Sheik Maktoum Hasher Maktoum Al Maktoun aparava o igal de cor preta que fixava a guthra branca no topo da sua cabeça. O quê?, perguntouva Al Maktoum para seus botões. Ele é o dono da Manannam Hydro Limited, que em Março de 2017 assinou um contrato com o Governo para a tomada da HMNK e colocando na mesa uma oferta de investimento de 4.6 bilhões de USD, sem garantias soberanas, para a construção da barragem e da linha de transmissão CESUL (centro/sul).
Ao mencionar pretensas obstruções, Nyusi empurrou meio mundo para um entendimento imediato mas não necessariamente correto sobre quem estaria a obstruir: os maus da fita seriam a moçambicana Insitec (de Celso, Danilo e Mauro Correia) e a empreiteira brasileira Camargo Correa, que juntamente com a EDM constituíram em 2010 a HMNK, mas nunca moveram a engrenagem para além de um "estudo" orçado em 7 milhōes de USD, de acordo com um apuramento da Deloitte (desse valor, a Insitec desembolsou apenas 5%). As duas estão agora de saída, para o que serão compensadas pelo valor de 9.2 milhões de USD.
Mas a "adjudicação presidencial" a um consórcio onde participará a HCB, uma sociedade anónima com actores privados (e em processo de lançamento de uma oferta pública inicial de acçōes na Bolsa local) foi interpretada como uma decisão "contra o mercado, contra a competição e contra o investimento estrangeiro". Como reconheceu hoje o PCA da HCB, Pedro Couto, que iniciou no MIREME a revogação da actual concessão, o desenvolvimento de Mphanda Nkuwa precisará de parceiros capazes de mobilizarem financiamento. Teoricamente, nada impede que a Camargo Correa e a Insitec regressem, no futuro, a um projecto que ambas andaram a "bloquear" sistematicamente, no entendimento de Letícia Klemens plasmado em diversa correspondência sobre o assunto. Letícia foi titular do Ministério dos Recursos Minerais e Energia por 10 meses, crendo-se que sua exoneração precoce tenha tido origem neste caso.
A ideia de que a decisão de Filipe Nyusi pode configurar um avanço contra o investimento estrangeiro decorre da própria história da HMNK. Em 24 de Junho de 2016, o antigo titular da pasta, Pedro Couto, assinou um despacho priorizando o projecto, o que passaria pela revogação do contrato de concessão vigente deste 2010. Já haviam passado cincos anos sem que a Camargo Correa e a Insitec tivessem feito algo de substancial. Couto foi exonerado do MIREME em 29 de Setembro de 2016, depois de uma visita do Presidente Nyusi a Houston, no Texas, onde a Anadarko (um dos actores relevantes no gás do Rovuma) tem seu quartel-general, mas o facto de ele ter sinalizado a revogação da concessão da HMKM terá igualmente pesado.
Sua sucessora, Letícia Klemens retomou, em Novembro desse ano, o processo de revogação e a EDM foi abordada pela Manannam Hydro, que se assumiu interessada. Para agilizar a saída da Camargo e da Insitec, o Governo e a EDM chegaram a um entendimento: em vez de uma revogação tácita com a eventualidade de litígio, a via mais prática era um acordo de cavalheiros no âmbito do qual a Camargo e a Insitec seriam compensadas [a história de cobranças feitas pela Insitec e do apuramento da Deloitte já foi em parte contada]. A Manannan se comprometeu a arcar com a despesa, 9.2 milhões de USD.
Em Março de 2017, o MIREME, como entidade de tutela do sector, assinara um acordo-quadro com a Manannam Hydro para esta tomar conta do empreendimento logo que a Camargo e a Insitec fossem ressarcidas. Não se tratava de uma nova concessão, pois isso teria necessariamente de envolver o Conselho de Ministros. Tratava-se de uma solução de passagem das acçōes daquelas duas para um novo investidor, evitando todos os constragimentos de tempo implicados numa revogação litigiosa. Por outro lado, a opção Manannam se justificava por dois factores adicionais: o Governo está sem liquidez para alavancar sua comparticipação em grandes investimentos e o recurso a garantias soberanas está limitado por causa do calote da dívida oculta.
De acordo com a vasta documentação deste caso, o Sheik Al Maktoum dirigiu ao MIREME em Junho de 2017 uma carta de conforto a reconfirmar a intensão de investir no empreendimento. Dos 4.6 bilhões de USD propostos, 5%, equivalentes a cerca de 250 milhões de USD, seriam passados à EDM sem contrapartidas. Al Makatoum garantiu também a abertura de 35% do capital do empreendimento a entidades pessoais e colectivas moçambicanas, que teriam de se financiar para viabilizar uma eventual participação. Concretamente, a Manannam Hydro se propunha a construir a barragem para 1380 MW (com produção anual de 7.254 GW/hora) e uma linha de 400 KV de cerca de 700 km entre Tete e Temane. Esta se iria ligar com a linha de transmissão projectada para ser erguida entre Temane e Maputo. Mas, para além desse desenvolvimento, desde a primeira negociação entre a Manannam, a EDM e o MIREME em Janeiro de 2017, boa parte do tempo dedicado a este dossier foi para discutir a compensação que a Insitec e a Camargo tinham de receber para abandonarem a HMNK. Após várias semanas de disputas entre Letícia Klemens e a Insitec, a ex-ministra assina finalmente, a 14 de Agosto de 2017, um ofício aprovando o valor da compensação, que acabou se fixando muito abaixo das alegadas pretensões iniciais da Insitec. Por essa altura, a entrada da Manannan parecia irreversível. Empolgada, a multinacional termina a 11 de Novembro de 2017 uma rodada de mobilização de financiamento mas... mas um mês depois, em 13 de Dezembro, inesperadamente, Letícia é exonerada.
A partir daí, os emissários do Sheik Al Maktoum em Moçambique começam a sofrer uma jornada de hostilização. O novo homem forte do MIREME, Max Tonela, ignora diversos pedidos de encontro de Jonny Kanakakis, o CEO da Manannan. Contactado para comentar estas e outras alegações, Tonela se fecha em copas, barrando o acesso à informação por razōes nunca comunicadas. No terreno, em Tete, há, no entanto, uma pessoa que recebe o projecto de braços muito abertos: o Governador Paulo Alaude. Ele convida a Manannan Hydro para um road show na zona de construção. A data seria 19 de Abril de 2018. Mas quando estava tudo apostos para esse evento, o Governo Provincial de Tete é desautorizado pela direcção provincial do MIREME. Evocando ordens superiores, a direcção local, representando Tonela, cancela o evento. Com isso, Al Maktoum começou a sentir uma clara hostilidade por parte do Governo. Ele que já tinha mobilizado financiamento e feito contactos sólidos com a ESKOM, que seria uma das principais off takers da produção da barragem.
Depois de contactos frustrados, Al Maktoun tenta lobbies para buscar a influência do Presidente Nyusi. O deputado Eduardo Mulémbwè será o emissário de uma carta do Sheik a Nyusi com data de 1 de Agosto de 2018. Na carta, Al Maktoum reafirma a intenção de "ajudar Moçambique" a implantar o projecto e convida Nyusi a indicar uma data para o lançamento da primeira pedra para o início da construção da barragem em Tete ainda este ano. A resposta de Nyusi ainda não foi dada formalmente ao Sheik. Mas a 22 de Agosto, na semana passada, o Presidente declarou que, daqui em diante, Mphanda Nkuwa ficava nas mãos da EDM e da HCB. E agora? Agora é esperar a reacção de Dubai. A Manannam parece ter fé no acordo firmado aquando da passagem de Klemens pelo MIREME.
Se o Governo considerar o acordo ineficaz, é provável que a Manannam interceda judicialmente em Genebra, obrigando a mais atrasos na implementação de um projecto considerado "estruturante" para a economia. Hoje, numa colectiva de imprensa para anunciar os resultados da HCB para 2017, Pedro Couto disse que não tinha conhecimento do contrato entre o MIREME e a Manannam. Documentos em nossa posse apontam noutro sentido. Há quem pense, em restritos círculos do sector de energia de Maputo, que este caso pode ter um impacto negativo nas futuras relaçōes com o Dubai, com quem Moçambique tem um acordo de dupla tributação. Por outro lado, parte dos 500 milhōes de USD desaparecidos da dívida oculta estão depositados lá.
Afinal quem está a obstruir Mphanda Nkuwa?
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